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447 NOVA GUERRA, VALEU A PENA VIVER PARA ISTO? 15.3.2022
Em 2015 repeti um escrito dos anos 70: Quanto a guerras determino que em vez de mandarmos a juventude devemos estabelecer normas de duelo entre os políticos dos países beligerantes, podendo escolher as armas, luta livre, corpo-a-corpo ou xadrez… E transcrevo excertos:
Fosse eu crente e estaria a dar graças a deus, alá ou mãe-natureza por estar vivo. Com efeito, nunca me canso de agradecer não ter nascido no Afeganistão, na Coreia do Norte, na Nigéria, no Paquistão, Bangladeche, Irian Jaya (Papua Ocidental sob ocupação indonésia desde 1962), no Iémen, Iraque, Irão, na Caxemira, na ainda ilegal República Sarauí, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Ruanda, Somália, Etiópia, Eritreia, Sudão, Líbia, Síria, Egito, Camboja, Birmânia (Myanmar), Chechénia, na maioria dos países da América Central, Latina ou da América do Sul, México, Albânia, Hungria, países balcânicos, países da ex-União Soviética, Ucrânia, Crimeia e países em “tão” (Turquemenistão, Tajiquistão, etc.) em guerra declarada ou não….(in “ChrónicAçores, uma circum-navegação”)
São tantos e tão diversos, uns em guerras recentes, outros há décadas, sem paz nem futuro, nem presente, só com passado de guerra e morte, e eu nos Açores a queixar-me de quê? Escapei às atrocidades da 2ª Grande Guerra por não ter nascido, vivi dias negros da Humanidade: a brutal Guerra da Coreia; o fim da Primavera de Praga; o esmagar do sonho democrático da Hungria; assassinatos dos Kennedy (JFK 1963 e Robert 1968) e de Martin Luther King (1968); o genocídio dos Ibos do Biafra (1966); a guerra do Vietname (1959-1975); a guerra colonial (1961-1975); o ciclone Tracy em Darwin (24/12/1974); a destituição (11/11/1975) do governo democraticamente eleito de Gough Whitlam na Austrália pelo governador-geral a mando da CIA; a fuga (26/8/1975) do governador de Timor general Lemos Pires para o Ataúro; a invasão de Timor pela Indonésia (7/12/1975); o desastre nuclear de Three Mile Island (28/3/1979); os reféns (4/11/1979) na embaixada em Teerão durante 444 dias; o assassinato de John Lennon (8/12/1980); o desastre de Chernobyl (26/4/1986) e tantos outros.
Há tempos, ao ler Umberto Eco (O Cemitério de Praga), apercebi-me de que isto sempre aconteceu sem darmos conta. Os xerifes do universo a mandar (os EUA), inventam invasões, primaveras políticas, depõem ditadores ou democratas a seu bel-prazer. Dir-me-ão que a democracia é o menos mau dos sistemas (disse Winston Churchill), e é a pior forma de governança, salvo todas as outras. Defeitos: corrupção dos políticos de todas as cores, nepotismo, arranjinhos parlamentares (agora mamas tu, logo mamo eu.).
Assistimos, nas últimas décadas, a ataques à democracia. As instituições europeias são quem mais atrofia o funcionamento dos sistemas. A democracia, semiautonómica, é visível no parlamento regional açoriano com a teórica liberdade de escolha, mas as decisões relevantes são definidas pelo governo central, ao atropelo e revelia das normas autonómicas, com a cumplicidade das forças locais, paus-mandados dos partidos. O povo, que nem é totalmente ignorante, vota com os pés (abstendo-se) ou a favor dos que o mantém, subsidiodependente. Um ciclo vicioso: vota em mim e recebes apoios, não votas e desenrascas-te sozinho contra a burocracia que te vai aniquilar. As vozes independentes, poucas e raras, são silenciadas, afastadas dos meios de comunicação, emudecidos na onda de autocensura que lhes permite sobreviver. Rumamos à autocracia, com a manta diáfana da aparência democrática. Infelizmente, o pior está para chegar. O nacionalismo e a xenofobia chegam, normalmente, com o voto do povo. Possa eu continuar a falar, sem medos persecutórios, mesmo que as palavras não cheguem a muitos nem sejam lidas, e isso me contentará nos dias que se avizinham. Ao perder essa liberdade vou-me conformar e aceitar o ”chip” da verdade única, para o meu próprio bem, como nem George Orwell (1984 e o Triunfo dos Porcos) nem Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) conseguiram imaginar. Lembro as armas químicas do Saddam (que nunca existiram) e a seguir uma voragem de petas universais, em nome das quais se fizeram guerras, morreram milhares, milhões de refugiados, países aniquilados donde se importou o petróleo, vampiresco adereço da sociedade ocidental.
Líderes apeados, outros por apear, governos fantoche e fantoches no governo, a ignorância subiu ao poder, diria Brecht se fosse vivo. Os farsantes e falsários de religiões, seitas e demais congregações enriquecem à custa das hordas de ignorantes prontos a saltar do precipício como seguidores do flautista de Hamelin na melopeia de inverdades. Uma pequena elite grisalha de pessoas (não é a peste grisalha) tem e usa cérebro e pugna pela cultura, educação, capacidade de discernimento e discussão, questiona as premissas e tira conclusões, esmagada pela força opressora das maiorias carneirentas, sem capacidade para aumentar a massa crítica dos concidadãos sob o cajado opressor da sociedade que os manipula. Essa elite evoca o descarado genocídio na Palestina, Birmânia (Myanmar, Rohingya), Iémen e países de que mal ouvimos falar, a guerra silenciosa no Sudão, os milhares de náufragos no Mediterrâneo, as máfias de traficantes, mercados de escravos na Líbia e no Google onde os árabes escolhem os seus, o trabalho infantil que mata milhares no Congo na extração de minerais para baterias de carros elétricos “verdes” (onde também há genocídio e ninguém diz), a fome, a droga dos sem-abrigo em quase todas as cidades. E quantos, dentre eles, não são dejetos humanos das guerras que os EUA fomentam e alimentam? Dantes ainda lhes chamavam veteranos de guerra, ora são meramente ”sem-abrigo.”
Depois, há intervenções ocultas, descaradas, assim-assim dos EUA nas quatro partidas do mundo, mais notórias na América do Sul (incluindo inúmeros falhanços na Venezuela). Sou contra todas as guerras que a humanidade já teve. E o mundo, ao qual pertenço, o que fez? Encolheu os ombros e saiu para jantar fora, que a crise ainda permite esses luxos e esta vida são dois dias. Temos de aproveitar e comer.
Virão novas ditaduras, novas guerras, de formas nem imaginadas por Orwell. Eu, mais impotente que nunca, teclando palavras para a minoria esclarecida e lúcida, sem poder alterar seja o que for. Temo que a democracia tenha sido um interregno entre ditaduras. Os dias de hoje assemelham-se a narrações do meu pai sobre a segunda guerra. Poucos prestam atenção ao avanço dos nazis e fascistas, dos bufos, a cumplicidade dos medos, guerras religiosas, fanatismos, a nova inquisição, a nova censura e não me revejo nas novas cruzadas.
Estive em Telavive uns dias antes da Guerra do Yom Kippur (setº 1973), e na Cidade do Kuwait dois dias antes de Saddam invadir (31.7.1990), saí de Timor (6.1975 pouco antes da guerra civil) e estive em muitos outros locais, dias antes de sérios conflitos, mas só em 2022 senti o cheiro a morte e o terror da guerra ao pé da porta, na invasão e destruição da Ucrânia pela Rússia autocrática e imperial, com risco enorme de alastrar e chegar aos 27 países da UE mesmo sem o deflagrar atómico. E antes de chegar, direta ou indiretamente, pergunto-me se a minha vida de pacifista a acreditar na Pax Europaea não terá sido em vão, na impotência quotidiana que sinto perante a guerra, a morte, destruição e a ambição desmesurada imperialista da Grande Rússia? Enquanto não passar fome, frio ou sentir as bombas a cair talvez valha a pena continuar a acreditar na vitória do bom senso e sonhar com tréguas ao som lacrimejante dos que já morreram ou tudo perderam.