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Peças estão em dezenas de países. São fabricadas por um dos últimos artesãos da ilha que nasceu na Hungria mas escolheu o Corvo para viver
Tem linhas retas, formas simples e um mecanismo interior que utiliza a gravidade para trancar qualquer porta, menos corações. Acoplada à peça maior está a chave e uma tranca, também de madeira, que permite o fecho.
É originalmente feita com cedro-do-mato, uma espécie que só existe nos Açores, cujo corte é proibido. Estamos a falar da fechadura do Corvo, a mais pequena ilha dos Açores, onde os seus cerca de 400 habitantes sabem o que é e como funciona. Mas foi um estrangeiro a garantir que esta peça, com pelo menos 200 anos, não cai no esquecimento.
David T. P. , como pede para ser identificado, é hungaro mas já viveu na Alemanha, Irlanda e República Dominicana. Há dois anos apaixonou-se pelo Corvo e fez da ilha, casa. “Sou marceneiro de profissão, e o Luís Carlos Jorge ofereceu-me a sua oficina para eu trabalhar sem me cobrar renda. Quando comecei a limpar a oficina, encontrei uma caixa com a fechadura do Corvo e ele explicou-me como funcionava”, começa por contar, em inglês, ao Expresso.
David precisou de pelo menos um ano para reproduzir, fielmente, a típica fechadura do Corvo, um dos objectos identitários da ilha que o acolheu. Depois de aprender com os poucos corvinos, já de idade avançada, que sabem como se faz a típica fechadura do Corvo, David foi aprimorando a técnica e garante que só utiliza a madeira original, o cedro-do-mato.
Apesar de ser proibido o seu corte, por ser uma espécie endémica protegida, o artesão utiliza madeira que lhe vai sendo doada de casas antigas ou utensílios já sem uso que subsistem na ilha.
O húngaro explica que são precisos “10 anos para secar a madeira que é muito durável e fácil de trabalhar”. E precisa de um dia inteiro para fazer uma única fechadura do Corvo. Garante que é “o único que faz a fechadura da mais forma mais autêntica e com a madeira original”. Haverá outros que o conseguem fazer e fazem, mas com outros tipos de madeira. E a procura por estes objetos artesanais, integralmente feitos em madeira e únicos, é cada vez maior. “Já vendi fechaduras para mais de 28 países, incluindo Singapura, Austrália, Itália, Estados Unidos, pela internet e também na minha oficina”, conta.
Há quem a queira para colocar nas portas interiores de casa mas também se usam no exterior sendo necessária pouca manutenção devido à qualidade da madeira.
“Por causa da raridade da madeira, só faço uma chave, mas faço também o molde em alumínio para quem possam ser feitas cópias da chave”, diz. E apesar de ser bem diferente de uma fechadura tradicional e ser acoplada ao exterior da porta, é segura. “No Corvo as pessoas ainda usam a fechadura do Corvo. É um mecanismo simples que utiliza a gravidade, significa propriedade, são peças únicas”, garante o artesão.
Não se sabe bem quando e como chegaram estas fechaduras de madeira ao Corvo. Mas Andreia Silva, corvina, presidente da associação Corvo Vivo, diz que “elas não são exclusivas do Corvo” apesar de serem uma marca da ilha, tendo sido no Corvo que acabaram por perdurar.
“Há uma forte procura por parte de quem nos visita e quer levar aquela recordação da ilha, elas são visualmente muito bonitas, têm toda aquela mística por detrás do mecanismo até porque muitas pessoas, tentam abrir a fechadura à primeira e nunca conseguem, e quando vão ao Corvo já vão à procura da fechadura”, explica a responsável.
Para Andreia Silva é “muito bom as pessoas levarem o nosso património porque é uma forma de preservar a cultura e a identidade da ilha”. E o próprio objeto acaba por traçar uma parte do retrato da própria comunidade. “Lembro-me que o meu avó tinha uma casa no centro da vila com essa fechadura onde guardava a chave na parede, num buraco, atrás de uma pedrinha. Acaba por ser não só um elemento da nossa história como algo que nos carateriza, o sentimento de confiança e de família que sempre se viveu na ilha do Corvo”, sublinha Andreia Silva.
E para retribuir aquilo que recebe das pessoas da ilha, e em parceria com a Associação Corvo Vivo, David abre a sua oficina, às sextas-feiras, ao final do dia, para ensinar quem quer aprender. “Dou o meu tempo, as minhas máquinas, o espaço para quem quiser aprender sobre fechaduras ou qualquer outra peça, a oficina está viva, é um dar e receber”, assegura o artesão.
Para além das fechaduras, David faz qualquer outro tipo de peça em madeira e reutiliza o farelo do cedro-do-mato para fazer desenhos em outros pedaços de madeira que transforma em arte.
Garante que o principal desafio de viver numa ilha tão pequena é o clima. “É muito desafiador, o inverno é muito longo mas a comunidade é muito acolhedora, toda a gente se conhece e adoro a ilha”. Diz que tem reservas de cedro-do-mato para continuar a fazer o que gosta, as fechaduras típicas da ilha, durante, pelo menos, os próximos dois anos.
E é no Corvo que pretende ficar, onde é feliz a fazer o que gosta, a criar património para a ilha e para o mundo.
(Texto: Sara Sousa Oliveira – Fotos: Hugo Moreira – Expresso de 25.12.2023)
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