RACISMO PORTUGUÊS

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De vez em quando arrisco.
Depois saio doente.
Entrei na caixa de comentários das notícias sobre o incêndio da Mouraria.
Num deles, um grunho diz que se não têm condições para viver aqui vão para a terra deles. Outra pergunta se já devolveram a roupa ao hospital.
Fui até França.
Fins de 60, inícios de 70.
Os bidonville cheios de portugueses. Os meus pais, depois de muita procura, numa casinha com uma cozinha, um quarto e uma retrete no quintal.
Uma escada comum. Dum lado os meus pais, do outro, no rés de chão a senhoria italiana, fugida da guerra, no primeiro andar, em cima da Madame Molinari, só com um quarto e uso da retrete do quintal, um outro imigrante português.
Como não tinha cozinha, grande parte dos dias era a minha mãe que lhe fazia comida.
Quando arranjar uma casa a sério trago a minha mulher, dizia. Um dia disse aos meus pais que tinha arranjado “casa “com o cunhado. Ia viver com mais gente mas tinha cozinha e não precisava de estar sempre a incomodar.
Foi.
Enquanto lá esteve, quando eu lá ia passar as férias, viviam cinco pessoas na casa pequenina. A minha mãe pôs uma cortina no quarto para pôr um divã para mim. Eu já era quase adolescente.
No divã, antes de adormecer, eu esticava um bocadinho o braço e tocava do braço do meu pai…
Duas ou três vezes fui com eles ver o meu tio, ao bidonville onde vivia.
Por defesa, acho, não o consigo descrever.
Só me lembro que, na porta ao lado, havia dois meninos, mais novos que eu a brincar. Em português.
Talvez seja esta a nossa maior derrota.
Não ter conseguido transmitir as memórias das nossas vidas.
Talvez, sei lá, se tivéssemos conseguido transmitir os portugueses a ir às “pubelas” buscar os casacos que os franceses deitavam fora e que lhes serviriam para tentar aquecer no Inverno a seguir, hoje não houvesse comentários desprezíveis de racismo, de xenofobia mas, sobretudo, de desumanidade, sobre homens e mulheres embrulhados em lençóis de hospital para aguentar o frio.
Não sei.
Não sei como podemos vencer isto.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
Esta entrada foi publicada em fascismo racismo xenofobia nazi SALAZAR. ligação permanente.