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. SEM ENGANOS, 1 ABR 2019, CRÓNICA 246
Escrevo no dia em que dantes se celebravam as petas, e que perdeu a razão de ser. “Fake news” ocupam as notícias todos os dias dimanadas dos governos e da comunicação social. Quando evoco a adolescência, eram tempos bem mais singelos, conquanto não gostasse de os reviver no mesmo ambiente censório de mordaça em que se vivia. Salvaguardado isto, passamos da república monárquica ditatorial para a democracia monárquica ditatorial sem que as pessoas se tenham realmente apercebido de aspetos dinásticos que caraterizam estes anos de 25 de abril.
Nesses idos uma peta bem contada raramente se tornava verdade, mas hoje as petas do dia-a-dia são as verdades indissolutas com que nos presenteiam os governantes, senhores e donos dos nossos quotidianos, submetidos que estamos, já não como servos da gleba mas sim servos da banca, no adágio dos 40 (40 anos de trabalho, 40 anos de descontos e 40% de vencimentos na reforma). Hoje todos acreditam nas petas, mesmo sem ser 1º de abril e raramente alguém questiona a verdade dado que esta perdeu o valor.
Há petas universais, em nome delas quais se fizeram guerras, se mataram milhares, se criaram milhões de refugiados, se destruíram países. Líderes apeados, outros por apear, governos fantoche e fantoches no governo, a ignorância subiu ao poder, diria Brecht se fosse vivo, ao ouvir que um terço dos americanos acredita que a terra é plana.
Os farsantes e falsários de religiões, seitas e demais congregações enriquecem à custa dessas hordas de ignorantes, capazes de se atirarem do precipício abaixo como se seguissem o flautista de Hamelin, enleados na melopeia de inverdades. Há uma pequena elite grisalha de pessoas (não é a peste grisalha) que ainda usa cérebro e pugna pela cultura, educação, capacidade de discernimento, de discussão, de questionar as premissas e tirar conclusões, cada vez mais, confinada ao nicho de votos em branco, esmagados pela força opressora das maiorias carneirentas, sem capacidade nem peso para aumentar a massa crítica dos concidadãos que seguem fingindo ser livres sob o cajado opressor da sociedade que os manipula.
Bertolt Brecht terá dito: “Os cidadãos irão um dia lamentar não só as palavras e atos dos políticos, mas também o terrível silêncio da maioria”…
Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e levaram-me a mim.
Já não havia mais ninguém para reclamar.”
Quando decidimos ser ignorantes, alguém decide em nosso lugar, tornamo-nos manipuláveis. O escritor Baltasar Gracian disse “a ignorância é a zona de conforto em que nos sentimos muito à vontade.” Talvez nem nos sintamos confortáveis, mas o medo do que está fora e desafia as nossas crenças, é tão forte que nos mantém paralisados. Escolhemos a ignorância. Afinal a cultura é o que nos distingue do polvo ou da alface.
Os que podem e são donos disto tudo, enviarão os rebentos para escolas elitistas privadas onde aprenderão a dominar os restantes, confinados a uma escola pública, sem rei nem roque. Ainda há dias, alertei uma professora para um clamoroso erro num enorme cartaz, encolheu os ombros “deixe lá, já está e ninguém vai notar!”