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Enquanto São Jorge continua a viver o seu drama subterrâneo e avassalador, que a todos nos consome, como um fogo duplo de receio e compaixão, há um outro aspeto desta crise, perante a qual apenas nos resta rezar ou esperar, consoante o pendor individual de cada um, que talvez seja lateral, mas que, julgo, merece alguma reflexão, que é a resposta política e científica ao fenómeno.
Nos últimos anos, temos vivido debaixo do manto escuro da pandemia. O medo e, principalmente, o dogma pandémico enclausuraram as nossas vidas sob a capa da opressão e do ditame viral. Em face do desconhecido, virologistas e epidemiologistas, matemáticos e políticos, jornalistas, catastrofistas e todo o tipo de especialistas empenharam-se em subjugar os mais básicos e elementares fundamentos da Democracia, do Estado de Direito e, diria mesmo, da nossa Civilização, ao abrigo da ditadura da chantagem viral. Não vale a pena recuar e lembrar os inúmeros episódios desse teatro negro, que tomou conta do nosso dia-a-dia e cujo guião, ainda hoje, sobrevive em tantas pequenas coisas, como é o caso, absurdamente, das máscaras nas escolas. Todos carregamos na pele, de forma mais ou menos profunda, as cicatrizes da pandemia. Mas, hoje, à luz da imprevisibilidade omnipotente do chão planetário que pisamos, vale a pena pensar em como é diferente a atitude dos responsáveis perante os desígnios da natureza.
Virologia e Vulcanologia são ambas ciências, mas enquanto uma se quis arrogar a si a sapiência suprema sobre o desconhecido a outra, por força da sua própria natureza, assume a sua incapacidade, e natural impossibilidade, de prever, quanto mais determinar, os desígnios do magma, do sismo ou da erupção. É claro que a dimensão circunscrita da pequenez insular, comparada com a massificação global covidica, explica muito do que são as reações, tanto de especialistas, como de jornalistas, como dos decisores políticos. Há aqui como que uma espécie de recato, ou despercebimento, se quisermos, sobre a forma e o conteúdo do drama que nos assola. Um pouco até como as reações opostas aos conflitos em Africa em oposição à guerra na Ucrânia. O que uma tem de choro as outras tem de alheamento. O vulcão só se impõe sobre si próprio, não tem esfera de influência geoestratégica, nem se dissemina como um vírus ou uma crise de refugiados. E, mesmo os deslocados das Velas são apenas poucos milhares e não tocam piano e isso, para a excitação televisiva e a demagogia populista, faz toda a diferença.
Depois, e mesmo apesar do habitual histericismo do Professor Marcelo, atrevo-me a dizer que há aqui, também, uma dimensão individual, humana, que explica a diferenciação na forma como esta crise sismo-vulcânica de Manadas têm sido vivida. O facto de o principal responsável pelo aconselhamento do Governo ser uma pessoa como Rui Marques, que não conheço pessoalmente, mas que parece ser alguém ponderado, calmo, com uma honestidade e um desassombro impressionantes, permite perceber que a abordagem e o método na resposta a esta crise seja diametralmente oposta ao desvairado circo pandémico de má memória. Aliás, ao pé do inefável Tato Borges, Rui Marques é um paladino de bom-senso e de bom gosto.
Podemos, obviamente, sempre discutir se a informação é correta, ou suficiente, ou o porquê de os cientistas espanhóis divulgarem uma análise e uma opinião e os nossos outra, ou o facto de surgirem mais depressa no Twitter e outras redes sociais imagens e dados que o IPMA e o CIVISA quase nunca, ou nem chegam a divulgar. Mas, no fundo, fica-nos a certeza de que perante a inevitabilidade e imponência da natureza resta-nos pouco mais, a nós meros mortais, do que acudir-nos uns aos outros, com afeto, com emoção, com entreajuda, um abraço, um abrigo e, no fim, se for caso disso, esperança e reconstrução. E enquanto o destino não nos absorve irmos, assim, passo a passo, vivendo as nossas vidas o melhor que podemos…

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