Views: 0

NÃO IMORTAIS

EXTINÇÃO
Hoje, talvez por ter acordado mal-disposto, e depois de ter passado os olhos pelas notícias, ocorreu-me uma epifania: até onde irá a arrogância humana?
E em que momento a natureza, Deus, os deuses, um asteróide errante, o karma, sei lá, um qualquer povo alienígena a vogar pelo universo, matrix ou multiverso, se fartará desta voraz, belicosa e auto-obcecada espécie humana e porá termo à sua existência?
Ou talvez chegue apenas o fim do prazo de validade e finalmente se apague a luzinha minúscula a piscar num sistema periférico da Via Láctea, uma das 200 biliões de galáxias do Universo reconhecido – e faltam todos os outros.
Claro que os estimados amigos que me dão o gosto de me ir lendo estranharão tão estapafúrdias palavras. Passou-se, dirão. E não é impossível que tenham razão.
Mas acompanhem-me por uns segundos, eis do que é feita a minha epifania:
1. Foi há muito pouco tempo, numa escala cósmica foi hoje, que começámos a escavar freneticamente o solo e o subsolo e as entranhas do planeta em que vivemos, o único em que podemos viver (pelo menos nos séculos mais próximos), arrancando-lhe as vísceras sob forma de petróleo, de gás natural, de todo o tipo de materiais e matérias-primas, agora de lítio, até à provável exaustão, até que a caverna gigantesca sob os nossos pés abata, ou nos regurgite, sob a forma de lava, de lama, de morte. E porquê? Precisamos desses materiais para alimentar o nosso modo de vida de senhores do Universo que nos achamos ser, cada vez mais e cada vez melhor, e mais e mais ainda e mais e mais, mais mais mais, até ao absoluto nada.
2. Há 2 mil anos, a nossa espécie, dominante e triunfante, contava 300 milhões de indivíduos. Chegámos aos mil milhões em 1800, aos dois mil em 1930, aos três em 1960, aos quatro em 1975, aos cinco em 1987, aos seis em 1999, aos sete em 2012. Seremos oito mil milhões antes de 2030 e nove mil milhões algures em meados do século. Quando se recusará a (não tão) paciente Terra a alimentar esta enorme quantidade de pessoas?
3. Não será sequer preciso muito tempo – basta que comece. E há tantos sítios onde pode começar, das fronteiras da grande Rússia aos confins do Indo-Pacífico, o que não faltam são razões, são pulsões, são ódios antigos, tensões modernas e armas, armas de destruição maciça prontas a ser usadas por seres humanos aparentemente normais. Um cérebro adulterado, um botão, um código e pronto. Obliteração total.
4. Acabará primeiro a água? Ou um Inverno nuclear provocado pelo aquecimento global cegará a fotossíntese, acabando com a vida no planeta? Ou será a morte das abelhas? Ou o aumento das temperaturas, para além da capacidade humana (morreremos cozidos ou grelhados)? Um asteróide errante, um vírus demasiado contagioso e letal, outra coisa qualquer?
Há em cada ser humano, confrontado desde o berço com a própria finitude, que não entende e rejeita, uma aspiração desesperada à imortalidade. E de tanto o desejar, chegamos a convencer-nos de que a ciência, ou Deus, nos garantirão a vida eterna – de que somos imortais.
Pois desenganemo-nos: não somos. Nem como indivíduos nem como espécie. Um dia, amanhã, dentro de 30 ou 300 mil anos, o ser humano deixará de existir. E não terá mal nenhum, tantas espécies foram e deixaram de ser, nem que seja sobre o nosso planeta, que mal seria que a nossa fosse a única a escapar à mais universal das regras universais: o fim de qualquer princípio, seja de uma galáxia, de um simples planeta ou dos seres que o habitam.
Cessaremos. Que até lá sejamos capazes de abandonar a soberba que nos leva a considerarmo-nos seres únicos e imperecíveis, senhores de todas as coisas, incapazes de nos apercebermos da nossa irredimível pequenez.
E vivamos, entretanto, de forma que esse final, quando ocorra (e para citar Unamuno), seja uma injustiça. O que equivale a viver com a humanidade que nos torne merecedores do extraordinário dom da vida.
Do privilégio que é sermos o resultado de um longo processo evolutivo que nos trouxe até ao topo da cadeia alimentar, reinando supremos sobre as restantes espécies – animais e vegetais – no planeta.
Mas não imortais. Não imortais.
1 comment
Like
Comment
Share
1 comment
Most relevant
- Sidónio GonçalvesNão há nada no Homem que contenha o reflexo sistémico por autopreservação e consequente eliminação todas as ameaças ao seu bem estar e o de sua prole. Não é possível retirar de todo e qualquer ser vivo a sua natural adversão à morte, que em nós raciona…See more
- Like
- Reply
- 6 h