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História – Os mouros na Península Ibéria (Al-Andalus) – Portugalécia.
https://youtu.be/Av0MCGVcBeM
http://portugalecia.weebly.com/iniacutecio/historia-os-mouros-na-peninsula-iberia-al-andalus
Em 711 a Península Ibérica foi invadida por exércitos Islâmicos norte-africanos, conhecidos pela designação genérica de mouros – tratava-se essencialmente de berberes com elementos árabes. A presença e domínio islâmico na Península (chamada Al-Andalus, em árabe الإندلس ) veio a revelar-se um processo duradouro com importantes consequências civilizacionais. Se a campanha de conquista muçulmana, aproveitando-se de uma guerra civil entre diferentes facões visigodas pelo trono da Hispânia visigótica, demorou somente 8 anos, o domínio mouro em território português prolongou-se até à conquista definitiva do Reino do Algarve pelos portugueses em 1249.
De facto, foi a presença e o domínio islâmico que catalisou os processos produtores quer do Estado, quer da própria nacionalidade portuguesa, no contexto da reacção das elites e populações cristãs a que se convencionou chamar «Reconquista». Mas não pode pensar-se este processo de cinco séculos como um que tenha oposto linearmente as populações cristãs aos invasores islâmicos. Ocorreram processos de aculturação e entrecruzamento entre as populações autóctones da Península e as populações ditas «mouras». Os processos culturais foram de extrema importância: a complexidade, sofisticação e envergadura civilizacional, os contributos tecnológicos e científicos, linguísticos e literários, intelectuais, artísticos, etc., do Islão na Península Ibérica (e, por essa via, para toda a Civilização Europeia) foram de tal ordem que levam vários historiadores a falar, pelo menos para alguns dos períodos de dominação islâmica, de uma idade de ouro civilizacional, a que toda a Europa muito deveria.[58]
Além dos processos culturais, também ocorreram decerto processos démicos ou populacionais. Esta questão, a do contributo de populações mouras para o património genético das populações ibéricas modernas, levantou desde cedo muita controvérsia, não só por causa das conotações religiosas e políticas dessa presença moura no âmbito das discussões e competições nacionais e estatais intra-europeias, mas, acima de tudo, pelas conotações «raciais» dessa presença.
Desde a generalização das ideologias racistas e racialistas europeias a partir do século XIX, o período mouro da história peninsular foi usado como argumento para desqualificar «racial» e culturalmente os povos ibéricos da sua pertença europeia. Tais argumentos equiparam essa suposta componente norte-africana dos povos ibéricos a uma componente apenas qualificada como «africana» (ou seja, tendencialmente, subsariana, isto é, «negra»). Nos mundos de língua inglesa e alemã, por exemplo, a definição de «mouro», embora não sem ambiguidades, torna o termo praticamente sinónimo de «negro». Estas construções, particularmente vindas do mundo anglófono, foram historicamente mais relevantes aquando dos processos de competição colonial entre as potências ibéricas, particularmente a Espanha e as do norte da Europa, especialmente quando tais conflitos foram replicados luta entre catolicismo e protestantismo.
Estas visões racistas e racialistas, tal como muitas outras perspetivas mais generalizadas (inclusive na própria Península Ibérica) que, ainda que não tão marcadamente discriminatórias como as anteriores, fazem dos mouros ibéricos uma população e categoria «racial» radicalmente diferente das populações autóctones ibéricas, não têm em consideração os seguintes aspetos:
- As populações norte africanas (bem como os pequenos grupos de árabes, de subsarianos, de escravos eslavos, de persas, etc., a elas associadas), mesmo com os diferentes momentos de entrada dessas populações ao longo dos séculos (coincidindo em grande medida com a entrada de novos exércitos aquando dos momentos de luta interna, política ou religiosa – fitna, no Al-Andalus), foram sempre uma minoria que não terá ultrapassado os 10% do conjunto da população total.[59]
- A maioria da população muçulmana da Península Ibérica era constituída por autóctones ibéricos convertidos (os chamados Muladis), isto é; a maioria dos “mouros” eram de facto europeus, ibéricos de religião islâmica.[59]
- A maioria da população em zonas de domínio muçulmano, ao longo de todos os séculos de presença, não era muçulmana (com algumas exceções localizadas espacial e temporalmente), mas sim população autóctone ibérica que se manteve de língua românica e cristã (do rito visigótico), ainda que fortemente arabizada do ponto de vista cultural – os chamados moçárabes[60] (repare-se que Moçárabe, para designar a população ou a língua, é um termo moderno do século XIX – essas populações referiam-se a si próprias e à sua língua como Latinus[61] ).
- A maioria das populações norte-africanas que de facto se estabeleceram na península eram berberes. Os Berberes, particularmente das regiões mais litorais, não podem ser descritos como uma população radicalmente diferente das populações sul-europeias, com as quais, aliás, apresentam ligações ancestrais.
- Mesmo nas elites islâmicas, a presença de elementos conversos não era despicienda – mesmo algumas dinastias reinantes tinham origem hispano–visigótica (como os Banu Qasi, fundados pelo converso hispano-visigodo Conde Cássio).
- Os processos sociais do final da Reconquista e do período seguinte instituíram sistemas de discriminação social (geridos em parte pelas autoridades religiosas) que guetizaram e até expulsaram (para o Norte de África) fatias significativas das populações ditas mouriscas (as quais de qualquer modo, tinham uma origem basicamente autóctone ibérica).
Quando os mouros dominaram a Europa
A história de Al-Andalus (península ibérica) não é o conto do bem contra o mal, Oriente contra o Ocidente. É intrigante e complexa, engenhosa e brutal. É muito humana e muito turbulenta. E é por isso que deve ser lembrada, e não excluída dos livros de história.