PANDORA PAPERS – CAPÍTULO RUSSO

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PANDORA PAPERS – CAPÍTULO RUSSO
Dinheiro secreto, imóveis chiques e o mistério de Monte Carlo
Nada na origem humilde de Svetlana Krivonogikh, com quem Putin manteve um relacionamento oculto por anos, indica que ela teria os meios para adquirir uma propriedade com vista para o playground da elite mundial
Paul Sonne e Greg Miller, The Washington Post, O Estado de S.Paulo
05 de outubro de 2021 | 05h00
MÔNACO – O apartamento paira sobre as águas azuis do Mediterrâneo, diante do lendário cassino Monte Carlo de James Bond. No porto lá em baixo, membros da realeza, magnatas e oligarcas flutuam em iates do tamanho de icebergs.
Nada na origem humilde de Svetlana Krivonogikh indica que ela teria os meios para adquirir uma propriedade com vista para este playground da elite mundial. A russa supostamente cresceu em um conjunto habitacional lotado de São Petersburgo e, entre seus muitos empregos, já foi faxineira de uma loja de bairro.
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Mas registros financeiros e documentos fiscais do principado mostram que Krivonogikh, de 46 anos, se tornou a dona do apartamento em Mônaco por meio de uma empresa offshore criada poucas semanas depois de ela dar à luz uma menina. A criança nasceu na época em que, de acordo com a mídia russa, ela vivia um relacionamento secreto de anos com o presidente russo, Vladimir Putin.
A unidade de luxo de Krivonogikh no Monte Carlo Star foi revelada por documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) e compartilhados com o Washington Post. Os documentos, conhecidos como Pandora Papers, expõem que ela tem uma empresa de fachada nas Ilhas Virgens Britânicas e conta com a assessoria de uma empresa de serviços financeiros de Mônaco que trabalhava simultaneamente para um dos amigos bilionários de Putin.
Os arquivos não indicam onde ela conseguiu dinheiro para pagar por um apartamento que custou US$ 4,1 milhões em 2003 e provavelmente vale muito mais do que isto nos dias de hoje. Mas a transação coincidiu com o período em que Krivonogikh supostamente tinha um relacionamento com Putin e estava acumulando uma carteira surpreendente de ativos na Rússia, de acordo com a Proekt, agência investigativa russa online que expôs sua suposta ligação com o líder do Kremlin e, desde então, foi proibida no país.
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Presidente russo, Vladimir Putin, manteve relacionamento secreto com Svetlana Krivonogikh Foto: Vladimir Smirnov/Sputnik/Pool via REUTERS
Um porta-voz do Kremlin desmentiu uma reportagem sobre o caso publicada no ano passado. Mas os detalhes sobre o apartamento reforçam a alegação básica da matéria: depois que Krivonogikh começou o relacionamento com Putin, ela acumulou ativos muitas vezes ligados aos contatos próximos do presidente.
Os laços de Krivonogikh com o círculo íntimo de Putin já tinham vindo à tona antes da reportagem da Proekt, mas não chamaram a atenção do público. Em 2010, o Banco Rossiya divulgou que ela era um de seus maiores acionistas por meio de sua empresa, a OOO Relax. O banco com sede em São Petersburgo mais tarde estaria sujeito a sanções do Tesouro dos Estados Unidos, que o rotulou como “banco pessoal para altas autoridades da Federação Russa”.
Krivonogikh não falou sobre seu suposto relacionamento com Putin nem seu notável acúmulo de riqueza.
Mas sua filha, que fez 18 anos este ano e atende pelo nome de Luiza Rozova, alimentou especulações sobre sua paternidade em entrevistas e aproveitou a atenção para construir um número crescente de seguidores online. Nas fotos, Rozova tem uma semelhança impressionante com o presidente russo e reconhece essa semelhança mesmo se recusando a confirmar ou negar que Putin seja seu pai.
Não há registro de nome de pai nos documentos oficiais russos de Rozova obtidos pela Proekt e analisados pelo Post. Mas esses documentos registram um nome do meio, “Vladimirovna”, que é um patronímico que significa “filha de Vladimir”. Em sua conta no Instagram, que tem mais de 83 mil seguidores, ela aparece sob o nome “rozova luiza v”.
Krivonogikh não respondeu aos pedidos de comentários enviados a ela por meio de seus negócios com sede em São Petersburgo, do Banco Rossiya, de sua filha e da empresa de serviços financeiros de Mônaco. Os esforços para entrar em contato com Krivonogikh em três endereços residenciais ligados a ela não tiveram sucesso.
As pistas que conectam Krivonogikh à propriedade de Mônaco estão contidas no enorme repositório de dados financeiros recém-divulgado. Os arquivos mostram, por exemplo, que o executivo de mídia Konstantin Ernst obteve participação em um lucrativo negócio imobiliário depois de receber elogios do líder russo por ajudar a realizar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi. O projeto envolvia a conversão de complexos de cinemas da era soviética, ainda de propriedade do Estado, em empreendimentos comerciais e de apartamentos privados. A parceria de Ernst não foi divulgada publicamente, mas é detalhada nos documentos do Pandora Papers relacionados ao projeto.
Em uma declaração por escrito, Ernst confirmou seu envolvimento no empreendimento imobiliário, mas negou que se tratasse de “uma compensação pelas Olimpíadas de 2014”. Ele não respondeu a outras questões enviadas pelo Post, pelo ICIJ e por outros parceiros da imprensa, mas disse: “Não cometi nenhuma ilegalidade”.
Outros documentos mostram que Herman Gref, diretor do Sberbank, um banco estatal russo, detinha mais de US$ 50 milhões em dinheiro e recebíveis de empréstimos para sua família no exterior, usando contas em Samoa, Panamá e Cingapura, apesar de trabalhar como a face pública mais proeminente do Estado russo no sistema bancário.
As autoridades de Cingapura sinalizaram transações envolvendo Gref e dois de seus colegas russos, de acordo com um relatório de auditoria da Autoridade Monetária de Cingapura incluído nos arquivos do Pandora Papers, e posteriormente multaram a firma financeira que administrava os ativos de Gref em US$ 1,1 milhão por não cumprir as normas estabelecidas para prevenir a lavagem de dinheiro. Uma porta-voz da Autoridade Monetária de Cingapura disse que a empresa pagou a multa e tomou medidas corretivas para resolver as falhas.
No geral, os documentos reforçam a representação da Rússia como um país onde uma elite próxima ao poder ganha milhões de dólares e guarda essa riqueza pessoal usando estruturas financeiras obscuras no exterior.
Cinco anos após as revelações do Panama Papers, os novos arquivos mostram que, em vez de abandonar o uso de contas offshore, os russos ricos e seus administradores de dinheiro procuraram se tornar melhores na arte de esconder seus ativos. Em uma passagem, um advogado que representava dois amigos de longa data de Putin alertou uma empresa panamenha para não repetir os erros que levaram ao vazamento com o nome do país. “Vocês são obrigados a manter o sigilo dos nossos clientes”, escreveu o advogado em uma mensagem de 2016, “e a não possibilitar uma segunda história do Panama Papers”.
Os Pandora Papers não mostram exatamente quando Krivonogikh se tornou a “proprietária beneficiária” da empresa de fachada Brockville Development Ltd., que havia comprado o apartamento de Mônaco. O termo “proprietária beneficiária” se refere à pessoa que controla uma empresa offshore ou se beneficia dela financeiramente, mesmo que outros nomes apareçam nos documentos de registro. Os dados indicam que ela era a beneficiária já em 2006.
Um portfólio de propriedades
O apartamento em Mônaco faz parte de um surpreendente portfólio de propriedades acumulado por Krivonogikh depois que ela supostamente começou seu relacionamento com Putin.
Ela possui participação em um banco russo administrado por pessoas próximas a Putin, de acordo com registros públicos e com a investigação da Proekt. Krivonogikh também tem participação majoritária em um resort de esqui onde se realizou o casamento de uma das duas filhas que Putin teve com sua ex-esposa. Além disso, também tem um iate, uma conta em um banco suíço também exposta nos arquivos do Pandora Papers e apartamentos nos endereços mais cobiçados de São Petersburgo, de acordo com reportagens da Proekt e dos registros públicos russos.
Antes de ser publicamente ligada a Putin anos atrás, Krivonogikh ostentava as benesses da riqueza em fotos de perfil agora publicadas pela Proekt. Uma foto hoje em grande circulação a mostra usando casaco de pele e óculos de sol espelhados. Outra a mostra reclinada em roupas elegantes contra um helicóptero. Não há indicação de que sua fortuna pessoal venha de alguma riqueza familiar.
Duas fontes anônimas que afirmaram conhecer Krivonogikh disseram à publicação russa que ela era “amiga íntima” de Putin havia anos, forjando um relacionamento que começou na década de 1990 em São Petersburgo, onde Putin trabalhava como autoridade local, e continuou no início dos anos 2000 em Moscou, depois que ele ascendera à presidência. A Proekt disse que analisou registros de passageiros, mostrando que Krivonogikh se tornou uma viajante frequente para a capital russa quando Putin assumiu suas funções no Kremlin.
As perspectivas profissionais de Krivonogikh melhoraram de repente, segundo detalhes apresentados na investigação da Proekt. Ela começou a trabalhar no Rossiya em 2001 e pouco depois adquiriu uma participação de cerca de 3% no banco, de acordo com documentos bancários.
Ela se tornou proprietária de um apartamento na prestigiada ilha Kamenny de São Petersburgo e adquiriu participação em um centro de artes cênicas em São Petersburgo, de acordo com a investigação da Proekt, que cita registros públicos russos verificados pelo Post.
Outro negócio deu a ela uma participação de 75% em um resort de esqui ao norte de São Petersburgo, que ela possui com um amigo de Putin que durante muitos anos foi presidente e maior acionista do Banco Rossiya, de acordo com registros públicos russos.
Os sete teleféricos e as encostas diminutas do resort Igora não chegam a atrair os esquiadores de elite da Europa. Mas a propriedade se beneficiou de milhões de dólares em investimentos e expansões desde que foi inaugurada durante o segundo mandato de Putin como presidente e, em 2013, serviu de pano de fundo para o casamento da mais jovem das duas filhas de Putin com a esposa de quem ele se divorciou em 2014.
Uma semelhança com Putin
Putin protegeu detalhes sobre sua vida privada e riqueza pessoal com a dedicação que se poderia esperar de um ex-agente da KGB. Até mesmo suas duas filhas reconhecidas protegeram suas identidades do público e chegaram a viver sob pseudônimos.
Mas o muro de sigilo viu rachaduras se abrindo nos últimos anos, em meio a uma onda de divulgações online realizadas por ativistas da oposição, jornalistas e detetives da internet. No início deste ano, por exemplo, o principal adversário político de Putin, Alexei Navalni, postou uma denúncia alegando que um palácio de US$ 1 bilhão na costa do Mar Negro seria uma residência secreta do líder russo, pago com dinheiro de corrupção. Putin negou possuir a propriedade.
As autoridades russas reagiram nos últimos meses com uma forte repressão contra jornalistas e políticos de oposição. Depois que a investigação do Mar Negro apareceu online, Navalni foi condenado a três anos e meio de prisão e sua organização foi banida por um tribunal russo.
Desde então, a Rússia também baniu a Proekt por motivos de segurança nacional. Seu editor fugiu do país temendo um processo criminal. No ano passado, a Proekt estimou que os ativos de Krivonogikh somente na Rússia valiam 7,7 bilhões de rublos, ou cerca de US$ 100 milhões. Os Pandora Papers fornecem a primeira evidência de que suas posses se estenderam para além das fronteiras.
Krivonogikh se recusou a comentar as alegações de seu relacionamento com Putin e evitou aparições na mídia pública e social. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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