há anos que escrevo o mesmo e nada muda a cada eleição

Views: 0

PAÍS INGOVERNÁVEL, 11/11/15, CRÓNICA 151

 

Este país onde nasci deu-me belas passagens e muitos desgostos, país malformado, mal-educado, malpreparado feito de gente diversa: os que nasceram mais ou menos bem, a classe média, trabalhadores, empresários, patos bravos e arrivistas, corruptos (de todas as cores políticas e felizmente para as minhas origens, nem todos transmontanos, embora avondem como dizem os galegos), os que jamais trabalharam um dia, e tiraram cursos esconsos em universidades dúbias, falsificando cursos ou nem por isso.

O cérebro é sistematicamente lavado, desde tempos imemoriais sem grande oposição, por Viriato, Sertório, Romanos, Alanos, Suevos, Vândalos, Visigodos, Árabes, Castelhanos, a Inquisição delatória que fez de todos um povo de “bufos” e a Ditadura de má-memória em 48 anos de obscurantismo.

É este povo que, satisfeito consigo nos últimos anos, encontrou a liberdade que nunca soube interpretar e a confundiu com libertinagem, liderado por gente engenhosa e sábia na arte de roubar (lembram-se dos dinheiros da formação profissional que a Europa mandou para comprarem carros de alta gama?).

O povo nada aprendeu a não ser substituir o fado, futebol e fátima, por mais do mesmo, ao som de música pimba (quanto mais ordinária melhor), de telenovela que o faz sonhar com vidas que nunca terá (só existem no ecrã), e se embala, inebriado, pelos vapores do voyeurismo de Big Brother, onde a depravação e o sexo são a moeda corrente.

Totalmente anestesiados e incultos como no tempo do Salazar, embora sejam doutores, engenheiros, arquitetos, etc., graças à massificação do ensino. Um povo que nunca cuidou de se educar, de ter formação pessoal e profissional (os governantes não o quereriam, quanto mais incultos mais manipuláveis), sem gosto na história, na língua e na cultura, sempre confundida com atividades circenses, touradas ou futebol. E alguns menos influenciáveis viram desaparecer a classe média com algumas aspirações culturais e intelectuais elitistas (uns iam para o liceu, outros para as escolas comerciais ou industriais)

Há gente como a cidadã que dizia na TV, sobre o primeiro-ministro António Costa, “eu não vou lá muito com a cara dele” e assim, esclarecida e fundamentadamente, faz as suas opções políticas e vota, mal dissimulando o racismo, xenofobia e preconceitos seculares. É assim que este povo vota e faz escolhas de analfabetismo disfuncional. Olho e as brumas não auguram a chegada de um Sebastião, desejado ou não, são apenas brumas, e o “desejado” jamais chegará em dias de nevoeiro. Mesmo que chegasse não seria a tempo de salvar o país.

Aprendi na minha Austrália (e não abdico de princípios, dos poucos que restam), a acreditar na democracia participativa e aceito o voto da maioria, mesmo estúpida, iletrada e portuguesa. Acredito que o mérito é a unidade de valor que interessa e não o compadrio, a cunha, o senhor doutor parolo da sociedade em que cresci. Acredito que um país só pode ser decente e governável quando a liderança se rege pelos superiores interesses do país (res publica) e não do partido, dos amigos, associados e “boys and girls” nos seus “tachos”. Se alguém é corrupto, julgue-se, condene-se, prenda-se e deite-se a chave fora, sem direito a reabilitação, obriguem-nos a trabalhar e a produzir para a sociedade, nem que seja caixas de fósforos (esqueci-me de que já não se usam, pode ser, sei lá, telemóveis, limpar ruas e matas, arar campos desertos, apagar incêndios, reabilitar casas devolutas) …há tanto para fazer e tão poucos para trabalhar.

Acabem com as reformas antes do tempo, todos sujeitos ao regime geral a contribuir com deduções iguais às que o estado colocará em fundos especiais, sem ser de especulação. Numa obra pública com derrapagem de custos, responsabilizem os culpados e indemnizem o dono da obra. As viaturas de estado só devem operar no horário das repartições) reduzidas ao mínimo e não para a ostentação inútil das autarquias, repartições, ministérios, etc. A justiça célere e sem prescrições. Estado Social sim, com inspeções.

Quando vim da Austrália, as casas sociais (Porto), onde viviam pessoas alegadamente sem posses, tinham antenas parabólicas (na altura pagavam-se bem caro) e carros melhores que o meu. Comiam diariamente (pequeno-almoço, almoço, lanche ou jantar), nos cafés e restaurantes, coisa que eu não podia.

Algo me diz que a distribuição era injusta. O RSI – rendimento de inserção social, deve bonificar os que precisam mas estes devem-no retribuir em trabalho para a sociedade, na medida das suas possibilidades e não para ficarem em casa. A minha ética é o trabalho e vivo a trabalhar “pro bono” nos colóquios da lusofonia e atividades paralelas. É uma atividade não-remunerada, que dá o prazer que o labor pago nunca deu. Quando trabalhava por conta de outrem, dei sempre mais do que recebi, na função pública ou na privada. Raramente vejo isso nos que me rodeiam, se bem que haja exceções.

A maioria, são uma desgraça para a profissão. Deveriam ser retreinados, reformatados, atualizados e, caso isso falhasse, expulsos, mas avaliados e promovidos profissionalmente com sistemas de mérito e verificação de competências. Há o exemplo de professores que o são, porque não podiam ser mais nada, e não pela dedicação à nobre e decadente arte de ensinar. Ensinam contrariados e sem dedicação.

Todo o trabalho deve ser justamente remunerado e a carreira deve ter progressão de acordo com a produtividade, onde tudo pode ser mensurável. Na Austrália os funcionários públicos eram avaliados e singravam graças ao mérito, coeficientes de produtividade e eficácia. Era um sistema mais justo, as sugestões dos funcionários iam até aos ministros que eram forçados a mudar as normas “Top Down,” pois podia não funcionar na prática e ninguém melhor do que os que estão na linha da frente para avaliar o seu impacto. Cá, qualquer norma é sempre liminarmente oposta pois ninguém quer mudar nem ter mais trabalho, na mentalidade do séc. XIX, os funcionários regem-se pela lei do menor denominador comum ou menor trabalho útil.

O parlamento britânico tem condições mínimas, mal cabem, apertadinhos ao lado uns dos outros, sem computadores, gabinetes, telefones, sem a dispendiosa parafernália eletrónica da Assembleia da República e sem viaturas do Estado. Na Suécia os deputados de fora da capital, têm um miniapartamento frugal. Cá, subsídios de residência, ajudas de custo, alimentação, viagem, mil e uma mordomias. Quanto piores os políticos maiores as mordomias. O maior escândalo são os preços do caviar e do champanhe, quase gratuitos, no bar da Assembleia. Isto sem falar dos carros de luxo e viagens em executiva.

Na Austrália os transportes públicos são para todos e, diariamente, viajavam comigo ministros e altos funcionários do governo estadual sem que os parentes caíssem na lama. Jamais esquecerei a cena ridícula dos ninjas que acompanharam Pedro Santana Lopes (o mais fugaz primeiro-ministro) para o protegerem de ameaças, quando foi em visita relâmpago de 48 horas (novº 2004) a Bragança, com carros blindados, na contramão para a Estalagem de S. Bartolomeu onde estava alojado. Uma cena à faroeste. Sabemos bem que Bragança é um coio de terroristas do ISIS e Al-Qaida, onde ninguém se desloca sem Humvee à prova de bala, batedores da polícia, guarda-costas e secretas, como o presidente dos EUA em visita ao Iraque, não vá o diabo tecê-las e serem atingidos, sei lá, por uma alheira, butelo ou uma posta mirandesa.

Falta tecer considerações ao governo, manietado pela troica e banca internacional de agiotas, que espreme as classes trabalhadoras, a quem se retiraram direitos e feriados, a quem congelaram salários e pensões, benefícios arduamente conquistados depois das longas trevas da ditadura, de promessas incumpridas e de aumentos exagerados de impostos aumentando o fosso entre ricos e pobres, condenando milhares de portugueses a emigrarem, despovoando mais um país envelhecido, reduzindo a quantidade de pagantes de impostos enquanto se aumenta o número de milionários por meios obscuros e ilegais. Que o digam a Porsche e a Ferrari. Ora esse governo deu ao desbarato (em troca de luvas e benfeitorias) tudo o que tinha valor. Já há pouco de Portugal em tudo que leve o nome português, pois pertence a estrangeiros. Se as joias da coroa fossem bem vendidas ainda se admitia a privatização, mas dar ao desbarato o que todos nós pagamos exorbitantemente é um crime de lesa-pátria.

Como se começa a campanha para vender um bem público: criam-se atritos com o pessoal, baixa-se a produtividade e eficiência, depois, ou se entregam de mão beijada aos amigos ou aos que mais luvas pagam. Foi assim com a EDP, REN; TAP; CTT, etc., ficou a ponte Vasco da Gama, a torre de Belém e os Jerónimos e pouco mais, e mesmo esses seriam vendidos (se tivesse havido tempo) tal como fazem com conventos, castelos e monumentos oferecidos à exploração por privados para hotéis de luxo. Escravizado o povo português, vendido a chineses e outros, cada vez dispõe de menos serviços, saúde, justiça, educação e mais facilmente se manipula, aceitando a caridadezinha que era apanágio de Salazar. Um quarto da população vive em níveis de pobreza extrema (2,5 milhões), aumentam os sem-abrigo, os destituídos, e sobretudo e isso não perdoo, hipotecou-se a ESPERANÇA. Vender o país a retalho sem mexer nos privilégios dos ricos? Mandar sempre a fatura aos mesmos? Fazer o povo pagar os erros dos bancos em vez de fazer como na Islândia onde se prenderam os banqueiros e se venderam os bancos para reembolsar os vigarizados?

Sou europeísta e acreditei no sonho dos fundadores como solução para um continente assolado por séculos de guerras. Não votei na Europa manietada pelo capital agiota para nos retirar liberdade e soberania. Não é esta Europa a que quero pertencer, a fortaleza anti-imigração corroída pelo avanço dos fundamentalistas sonhando com islamismos moderados que não existem. Uma Europa que vê primaveras árabes ao fundo do túnel do petróleo, faz desabar ditadores e abre escancaradamente as portas a uma emigração que ninguém vai conter, a não ser pelos naufrágios inúteis no Mar Mediterrâneo. Uma Europa aliada dos EUA a armar grupos como a Al-Qaida, ISIS que fogem ao controlo para se tornarem em vilões como Saddam, Bin Laden e outras invenções americanas.

Sim, sei que sou um poeta, utópico e idealista (bem mo disse, publicamente, o Adriano Moreira em 2008), individualista, mas não perdoo terem roubado a ESPERANÇA às novas gerações. Nem Salazar conseguiu isso fazer à minha, havia a guerra colonial, um regime decrépito, mas tínhamos a ESPERANÇA e ora os filhos não têm isso, nem sabem o que é, foi hipotecado o futuro deles e dos netos. Como bom poeta anárquico podia desejar o caos absoluto, “après moi le déluge”, diria ou um terremoto maior do que o de 1755 para reconstruir o país todo do zero, e acreditem que sonho com isso desde os tempos de Liceu (1971)…

Nunca acreditei na troica e FMI para resolver os problemas de nenhum país, exímios em condenar povos à miséria esclavagista do capitalismo selvagem. A austeridade nunca foi receita para ninguém, só dá lucros aos agiotas, sou contra essa austeridade, não contra o rigor, despesismo balofo, ostentação, novo-riquismo. Não acredito nas tretas de direita e esquerda, nem creio em político honesto (nem em prostituta virgem!), nem imagino que o governo faça (não o deixarão os magnatas agiotas) mas teve a vantagem de, por momentos, restituir a ESPERANÇA e para um poeta é essa força que alimenta a vida. Quero os corruptos condenados e presos, e o sistema bancário mundial aniquilado. Não me entendam mal, acredito no capitalismo, à moda antiga, que investe os lucros para criar riqueza para todos.

Ainda acredito na social-democracia à moda sueca dos anos 70, que era assim que se imaginava o socialismo à portuguesa, onde o estado complementa a iniciativa privada e a liberdade individual em vez de a tolher, com normas estúpidas como o tamanho dos tomates, das sanitas ou dos chicharros. Ainda acredito no ensino universal e gratuito para todos os que tiverem valor e não para os que querem o canudo e o axiónimo Dr. ou Eng.º ou quejandos. Acredito que qualquer país só pode evoluir quanto mais culta for a massa populacional. Eu disse culta, não disse com canudos de Bolonha…

Acredito em qualquer país que gaste mais no orçamento da cultura do que na defesa, que preze a história e a preserve, que recupere monumentos e tradições orais ou outras, em vez de touradas e falsas culturas circenses, caso contrário que volte o autêntico circo de Roma com muitos leões para lá deitarmos os políticos na arena. Quanto a guerras determino que em vez de mandarmos a juventude para a guerra devem criar-se normas de duelo entre os políticos dos países beligerantes, podendo estes escolher as armas, sejam elas luta livre, corpo-a-corpo ou xadrez. Com ESPERANÇA posso voltar a sonhar e sem sonhos a vida não merece ser vivida.