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UMA LIÇÃO SOBRE SAÚDE PÚBLICA
Tentava fugir ao trânsito (que saudades) quando ouvi uma notícia que me fez pensar. No sempre surpreendente desconfinamento suave, o governo decidiu aumentar o número de pessoas nos restaurantes (para 8 por mesa, julgo eu), permitir espectáculos culturais com 75% de ocupação e retirar todas as restrições nos transportes públicos.
Aliás, os mesmos transportes públicos onde o pagode circulava quando nos juravam que o país estava “confinado”.
Por maior que seja a originalidade imposta pelo governo, há um princípio de que não abdicam: confinamento ao lazer e bar aberto ao trabalho.
É por isso que o vírus ataca em força ao fim-de-semana, em restaurantes, teatros e afins. Ainda ninguém se lembrou, por exemplo, de exigir um certificado digital na cantina da Autoeuropa, de segunda a sexta.
Há lições valiosas sobre saúde pública que estou a aprender neste período de pandemia. Não tanto sobre coerência mas, enfim, não queiramos o céu.
Com a falta de lógica das medidas ainda no pensamento, entro num barracão gigante ali para os lados do Prior Velho. Para quem não conhece o Prior Velho, é imaginar o Cacém depois de uma explosão nuclear. O barracão tinha espaço para uns cinco A320. Estava lá eu e o rapaz da porta que, simpaticamente me disse: “máscara na cara até entrar no campo”. Ao que respondi: “o campo está exactamente debaixo do mesmo tecto onde estamos agora e eu estou sozinho no hangar, portanto, qual a necessidade de caminhar sem respirar nesta sauna que vocês aqui fizeram com aquele telhado de zinco todo partido?”.
Obviamente o rapaz disse que não era ele que fazia as regras. E tão pouco pensava nelas, acrescento eu.
Caminhei aqueles 5 airbus sem respirar, com uma temperatura que rondava os 40 graus. Uma vez no campo, debaixo do mesmo zinco e com a mesma sombra por companhia, tirei a máscara.
Julgo que contribui para a defesa da saúde pública e isso deixa-me feliz.
Já em casa, com o lixo separado em 3 sacos, resolvi aumentar a minha contribuição e desloquei-me ao sítio onde a ecologia acontece.
Quando lá cheguei vi um novo conceito de saúde pública e que, de certa forma, ajudou ao meu enriquecimento cultural.
Não só percebi que o ponto de recolha das madeiras é o passeio, que o espaço entre contentores é destinado a cartões maiores (cortar em casa dá cabo das unhas) como, numa espécie de bónus, ainda descobri que se fazem dádivas de fruta conservadas na chapa do sol a 35 graus. Realmente só passa fome quem quer.
Mas o que me deliciou mesmo, para além das varejeiras e do cheiro a esgoto, claro, foi ver a defesa da saúde pública, ali mesmo em frente nos restaurantes que deixam estas dádivas no passeio, com o pedido do certificado domingueiro. Gostei da aprendizagem que o quotidiano me ofereceu. Julgo ser esta a tal escola da vida, que ensina a valer, e que deu equivalências ao Relvas e a tantos perfis marialvas.
A cena repete-se em milhares de ruas do país. Já perdi a conta ao lixo que vejo depositado nos passeios. E a tranquilidade com que todos parecem viver no meio dele, é assustadora.
E quem faz isto, todos os dias note-se, ainda terá certamente uma justificação que o ilibará, que trará lógica ao atentado ambiental. Uma certeza que o faça voltar as costas a este espectáculo com a sensação de dever cumprido.
Há duas coisas que nós, enquanto povo, não sentimos grande falta. Vergonha e civismo.
Confinemos, pois.
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- Joao Marques SilvaNós somos tratados como parte do lixo. E os “turistas” de cá e de lá de fora também.Em lisboa a higiene urbana está de férias. Que goze muito e volte em força em setembro para a reeleição do Medina.