AS DÍVIDAS AÇORIANAS

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Responsabilidades futuras até 2039
Valor a pagar pelas parcerias público-privadas (SCUT e Hospital de Angra) é de 670 milhões de euros
Depois da notícia que divulgámos sobre o parecer da Conta da Região por parte do Tribunal de Contas, hoje transcrevemos partes do documento daquele organismo, onde são evidentes as dívidas da região em vários sectores, desde as empresas públicas, com destaque para a Saudaçor e SATA, não esquecendo as responsabilidades futuras, de vários anos, relativas às parcerias público-privadas, como as SCUT em S. Miguel e o Hospital do Santo Espírito em Angra do Heroísmo.
Considerando o valor da dívida não financeira apurada, mas salvaguardando os eventuais ajustamentos adicionais que seria necessário efetuar na informação disponibilizada na Conta, caso não existissem as limitações descritas, a dívida total do sector público administrativo regional, reportada ao final do exercício orçamental de 2019, ascendia a, pelo menos, 2 120,6 milhões de euros (48% do PIB da Região Autónoma dos Açores de 2019 ), evidenciando um agravamento de 208,5 milhões de euros (+10,9%) comparativamente ao ano anterior.
Nos últimos anos, a dinâmica imprimida à gestão orçamental traduziu-se na geração de sucessivos e crescentes défices, que determinaram a intensificação do recurso à dívida para os financiar.
Degradação do desempenho orçamental
A degradação do desempenho orçamental do sector público administrativo regional é particularmente notória a partir de 2017, com os saldos primários (que excluem a despesa com juros) a atingirem valores persistentemente negativos, circunstância que traduz a necessidade de endividamento adicional para financiar o excesso de despesa, bem como os encargos correntes da dívida.
O desequilíbrio estrutural das finanças públicas regionais, já verificado antes da crise desencadeada pela pandemia de Covid-19, irá certamente agravar-se devido, por um lado, à erosão das receitas fiscais motivada pela redução drástica da atividade de alguns sectores da economia regional e, por outro, ao aumento da despesa decorrente das medidas extraordinárias implementadas com o propósito de conter o surto epidémico e de apoiar a economia.
Por conseguinte, tomando como ponto de partida a posição estruturalmente deficitária das finanças públicas regionais, a pandemia de Covid-19 constitui um fator de pressão adicional sobre as condições de sustentabilidade da dívida pública regional, que têm vindo a degradar-se progressivamente nos últimos anos, facto que o Tribunal tem enfatizado nos sucessivos Relatórios e Pareceres sobre a Conta da Região Autónoma dos Açores.
De assinalar que os dados históricos relativos ao desempenho orçamental
do sector público administrativo regional revelam que, a partir de 2017, com a geração de sucessivos défices primários, as finanças públicas regionais encetaram uma trajetória que, se não for infletida, determinará, a prazo, a insustentabilidade da posição financeira da Região.
Ainda dívidas da Saudaçor
De acordo com o relatório da Conta, no âmbito da gestão de tesouraria, as entidades do perímetro orçamental contraíram dívida flutuante, cujo montante acumulado de emissões vivas ao longo do ano atingiu 252,3 milhões de euros, daí se concluindo que foi utilizado 73,36% do limite legal, fixado em cerca de 344 milhões de euros.
Contudo, relativamente à informação prestada no relatório da Conta sobre esta matéria, importa observar o seguinte:
• A Conta apenas demonstra as operações realizadas pela Administração Regional direta.
• A Saudaçor, S.A., só por si, utilizou a quantia de 55 milhões de euros, proveniente de um contrato de mútuo de curto prazo celebrado em 2019, montante que correspondeu ao máximo de emissões vivas registado por esta empresa pública regional no exercício em apreciação, até ao encerramento do respetivo procedimento de liquidação;
• À semelhança do ocorrido em Contas de anos anteriores, os valores da receita corrente líquida considerada para efeitos do cálculo do limite da dívida flutuante estão sobreavaliados, pela contabilização da totalidade das verbas provenientes do Estado, ao abrigo do princípio da solidariedade, em transferências correntes, sem ter em conta o disposto no nº 3 do artigo 17.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, que aponta para a contabilização destas verbas em transferências de capital, por se destinarem à cobertura de investimentos públicos.
Tendo por suporte a informação apresentada na Conta, mas salvaguardando os eventuais ajustamentos que viessem a revelar-se necessários caso não existissem as limitações assinaladas, verifica-se que, no final do exercício orçamental de 2019, as responsabilidades assumidas pela Região Autónoma dos Açores por via da concessão de avales ascendiam a 266,3 milhões de euros (-72,2%).
A maioria destas responsabilidades, no montante de 209,5 milhões de euros (78,7%), resulta de garantias prestadas no âmbito de operações de crédito realizadas por empresas públicas regionais não reclassificadas no perímetro orçamental.
Penhor financeiro
Em 31-10-2019, a Região Autónoma dos Açores constituiu um penhor financeiro sobre o saldo de uma conta bancária, no montante de 27 milhões de euros, para garantia de todas as responsabilidades decorrentes de empréstimo sob a forma de mútuo com utilização única, de idêntica importância, concedido na referida data por uma instituição de crédito à Sata Air Açores – Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, S.A, pelo prazo de cinco meses.
O penhor financeiro reveste a natureza de garantia pessoal, pelo que releva para o limite das garantias fixado pela Assembleia Legislativa.
Um problema chamado SATA
Com efeito, no início de 2019, a Sata Air Açores, S.A., tinha contabilizado como dívida a receber da Secretaria Regional dos Transportes e Obras Públicas a quantia de 27,6 milhões de euros, relativa à compensação financeira por contrapartida da execução do contrato de concessão do serviço aéreo regular no interior da Região Autónoma dos Açores.
Em vez de liquidar a dívida, que no final do exercício ascendia a 24,7 mi- lhões de euros, o Governo Regional optou por conceder empréstimos à Sata Air Açores, S.A., no montante global de 30 milhões de euros, com o fundamento de que os mesmos se destinavam a «… permitir a antecipação de fundos provenientes do contrato-programa celebrado entre o [Governo Regional dos Açores] e a referida empresa, sempre que se verificaram necessidades de tesouraria inadiáveis» .
Esta opção obrigou a SataAirAçores, S.A., a recorrer a endividamento adicional, suportando os correspondentes encargos, de modo a obter os recursos para reembolsar os empréstimos concedidos pela Região , que, no entanto, continua sem satisfazer tempestivamente as responsabilidades assumidas perante a empresa.
A situação descrita tem constituído prática recorrente do relacionamento financeiro da Região com esta sua participada e já tinha sido anteriormente
assinalada pelo Tribunal .
Do exposto, resulta que o Governo Regional tem vindo a protelar sucessivamente o pagamento das compensações financeiras devidas à Sata Air Açores, S.A.
Nas circunstâncias descritas, a Sata Air Açores, S.A., tem desempenhado um papel instrumental na gestão da tesouraria regional.
A informação divulgada na Conta não é completa, pois omite os dados re- lativos a três cartas de conforto emitidas em 2019, duas das quais têm como patrocinada a Sata Air Açores, S.A., e a outra a Saudaçor, S.A., empresa pública regional entretanto extinta.
Também não foram divulgados os dados relativos a uma outra carta de conforto emitida em 2010, mas que permanecia ativa, tendo como patrocinada a Atlânticoline, S.A.
Assim, salvaguardando os eventuais ajustamentos que seria necessário efetuar na informação disponibilizada na Conta, para além dos que resultaram das omissões descritas, verifica-se que as garantias prestadas através da emissão de cartas de conforto ascendiam a 173,9 milhões de euros , evidenciando uma redução de 14,9 milhões de euros face ao final do ano transato.
20 cartas de conforto
Em 2019, foram emitidas pelo Vice-Presidente do Governo Regional e pelos membros do Governo Regional com a tutela das entidades patrocinadas 20 cartas de conforto, destinadas a garantir operações creditícias que ascenderam a 127,6 milhões de euros.
Como assinalado, três daquelas cartas de conforto, envolvendo responsabilidades na ordem dos 59,6 milhões de euros, não foram divulgadas na Conta, sendo de referir que as operações de crédito subjacentes a estas garantias já se encontravam extintas no final do exercício.
Apenas uma das entidades patrocinadas integra o perímetro orçamental.
Relativamente às restantes 19 cartas de conforto emitidas em 2019 tendo como patrocinadas sociedades comerciais do sector público empresarial regional não reclassificadas, verificou-se que os subscritores assumiram, em nome da Região Autónoma dos Açores, duas obrigações: promover as diligências necessárias a fim de que as referidas patrocinadas cumpram pontualmente as obrigações emergentes dos empréstimos contratados; manter a participação da Região no respetivo capital social.
Nenhuma destas cartas de conforto tem a natureza de garantia pessoal. Por conseguinte, a sua emissão não releva para o limite de concessão de garantias pela Região.
Parcerias Público Privadas
Salvaguardando os eventuais ajustamentos que seria necessário efetuar na informação disponibilizada na Conta, em 31-12-2019, o valor atual das responsabilidades futuras assumidas no âmbito das parcerias público-privadas contratualizadas é de 670,4 milhões de euros, dos quais:
• 515,1 milhões de euros referentes à concessão rodoviária em regime SCUT (sem custos para o utilizador) na ilha de São Miguel, refletindo um agravamento de 41,7 milhões de euros (+8,8%) dos encargos a suportar,comparativamente ao ano anterior.
• 155,3 milhões de euros respeitantes à concessão da gestão do edifício do Hospital da ilha Terceira, ou seja, um decréscimo de 8,2 milhões de euros face a 2018 (-5%).
As responsabilidades assumidas na concessão rodoviária da ilha de São Miguel prolongam-se até 2036, enquanto em relação ao Hospital da ilha Terceira se prolongam até 2039.
(Diário dos Açores de 19/12/2020)
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