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POSTAL DO DIA
Eduardo Lourenço e Cristina Ferreira
1.
Na semana passada, num hospital de Lisboa, Eduardo Lourenço estava sentado, sozinho, à espera de ser chamado para uma qualquer consulta.
Não o quis incomodar.
Sobretudo não quis que me visse ou se sentisse obrigado a dizer-me o que estava ali a fazer.
Se estava bem.
Mais todas as perguntas que nos sentimos obrigados a fazer.
Duas funcionárias, a dois metros de mim, comentam uma com a outra acerca do simpático velhote que espera.
“A cara dele não me é estranha”
“Nem a mim, acho que escreve livros”
“Sim, talvez seja isso ou então é um ex-ministro ou banqueiro”
“Não, acho que escreve livros de política… “
2.
Aquelas duas mulheres conheciam-no.
Já o tinham visto, só não sabiam de onde.
Meti conversa.
“Não pude deixar de ouvir e posso ajudar-vos. Aquele velhote chama-se Eduardo Lourenço e é o principal pensador português. A pessoa que mais nos ensinou a pensar sobre o que é Portugal, sobre os portugueses”.
“Ah, muito obrigado. Então é importante!”
E eu respondi que sim, era muito importante.
“É um homem que tem toda a sabedoria do mundo. É como se tivesse todos os livros do mundo dentro de si”.
Isto não lhes disse a elas, digo-te a ti.
3.
Conto a história de Eduardo Lourenço para lhe falar das “estrelas” que todo o país conhece. Das “estrelas” que todos os dias entram em casa dos portugueses para lhes ensinar sobre a vida e sobre tudo o que realmente importa saber.
E muitas têm sido as notícias nos últimos dias – o que tem certamente aumentado audiências.
O país ouviu…
Da indemnização que Pinto Balsemão está a pedir pela fuga de Cristina Ferreira para a TVI.
De Cristina Ferreira que, ao regressar à “sua” estação, encostou um apresentador que a traíra umas semanas antes.
De Cláudio Ramos que se deixou fotografar de fato de banho/cueca com ar combalido e infeliz.
Do ex-namorado (ou será atual?) de Cláudio Ramos que comenta sobre o que está a acontecer ao seu ex/atual parceiro
De Manuel Luís Goucha que comenta sobre tudo. Do cão de Goucha que mergulha na piscina.
Das passadeiras vermelhas desta vida e das outras.
Do chefe Stanisic que fugiu da TVI para a SIC (ou terá sido o contrário?).
Da Jessica Athayde que está, dia sim, dia não, no feed de notícias do meu telemóvel (conheci-a aí). E fiquei a conhecê-la muito bem…
Comeu a placenta do bebé
Emagreceu
Engordou
Não gosta daquela ou daquele
Gosta daquele ou daquela
Vestiu o filho de cor-de-rosa o que indignou os seguidores.
4.
Foi por tudo isto, por esta guerra entre televisões, que me lembrei daquele simpático velhote…
Eduardo
O mais brilhante pensador português.
Que sentado num hospital não foi reconhecido pelo que é.
“Acho que escreve livros”
“Acho que é um político”
E por quem ninguém é capaz de fazer uma guerra pequenina que seja.
5.
Amanhã não me esquecerei de lhe telefonar.
Não me esquecerei de lhe dizer o quanto o admiro.
O quanto lhe devo.
O quanto me é importante.
O quanto me faz pena que mais pessoas não possam conhecê-lo, ouvi-lo e serem maiores.
O quanto ganhariam em não ficar presas às respostas que a televisão lhes oferece, mais às estrelas que apenas vivem na superfície dos dias.
O quanto ganhariam se na sua vida as perguntas fossem o que as determina e faz voar, mais do que as respostas que apenas as condena a ser terra.
As perguntas que alimentaram a sede de Eduardo Lourenço, o sábio sentado à espera de ser chamado por um altifalante. Ou de ser ouvido numa qualquer sala de triagem onde alguém lhe perguntará…
Nome?
Profissão?
Antes de lhe dizer com a gélida respeitabilidade da indiferença: importa-se de aguardar que o chamem?
LO