1992 memórias visita com Pedro Roriz, a David Landers então dono da Station TowalCreek, Comara (recente,mente vendida)

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TOWAL CREEK

1.5. A ENTRADA NA UNIVERSIDADE É SEMPRE TRAUMÁTICA

Fizemos muitas manifestações ou “manifs” contra a guerra colonial. Vimos a U.P. (Universidade do Porto), no Largo dos Leões, invadida pelos cavalos da GNR que subiam a escadaria em perseguição dos alunos que corriam a acoitar-se no sótão onde se albergavam as seis salas da F.E.P. (Faculdade de Economia do Porto). Outra coisa importante a que meti mãos foi a preparação de convívios de Economia. Só recentemente, em pleno século XXI, me recordei desta vertente de capacidade organizativa.
Num deles arrendamos o Palácio de Cristal (atual Pavilhão Rosa Mota) e contratamos o Manuel Freire, a fadista Maria da Fé e / ou a Lenita Gentil, e outra artista pop cujo nome se perdeu. Era difícil organizar: contactar os músicos, pedir a aparelhagem emprestada a uma das lojas (VADECA, Valentim de Carvalho, ou à Ritmo dum primo meu) na Rua de Santo António (ou 31 de janeiro conforme as modas políticas). Depois, improvisar cartazes e distribuí-los pelos Liceus (D. Manuel e Carolina Michaëlis) alvos privilegiados donde vinha mais gente (finalistas de 6º e 7º anos, atuais 11º e 12º).
Não havia interligação com outras faculdades. Conhecia pessoas de Engenharia e de Letras, mas a menos que se fizesse parte desses grupos não iam às festas deles nem eles vinham às nossas. Compravam-se rifas numeradas para vender na esperança de recuperar o investimento. Os “artistas” não cobravam cachet, mas havia despesas de transporte do som e comida, além do aluguer do local, da tipografia. Zeca Afonso estava proibido não podia atuar, restava o Manuel Freire, o Adriano Correia de Oliveira, como cantores de intervenção já que o José Mário Branco estava em França, como o Sérgio Godinho, e outros. Hoje contratam um “pimba” como o Quim Barreiros, nós íamos para a fadista local, Lenita Gentil ou a mais sofisticada Maria da Fé, do gosto popular enquanto uma minoria esclarecida apreciava os cantores proibidos. O custo era de 30 escudos (15 cêntimos) em 1969, segundo a minha irmã me recordara, pois pedira dinheiro emprestado a uma amiga para poder ir. Só tinha 15 anos e a mesada era insuficiente para um “Convívio de Economia”. Não me lembro de ter perdido dinheiro com estas atividades. Na época, os convívios e a Queima das Fitas não eram fábricas de bebedeiras. Embora ocorressem, as pessoas não iam lá para isso. Agora os caloiros e outros vão exclusivamente para se emborracharem até ao coma alcoólico.
Isso evocava o sistema australiano de se embebedarem quinta-feira, depois do trabalho e regressarem segunda-feira. Quando se perguntava, se tinha sido um bom fim de semana, respondiam alegremente “deve ter sido, não me lembro de nada”. Evoque-se, que numa das idas a Towal Creek Station levara o Jacko. Depois de jantar vieram “jackeroos” e “jilleroos” (vaqueiros) beber uns copos. Uma festa informal. De hora a hora, metiam-se nas “utes” (carrinhas de caixa aberta) e iam 20 km ao bar da aldeia próxima para mais umas grades. Depois, o ambiente era quente e animado, ao ponto de o Jacko já contar em português como pegava touros de cernelha e todos se rirem. Tinha sido um sucesso, o amigo de Angola acabado de chegar. Fui-me deitar, o ambiente descambava, e nada inspirava de sóbrio. O Jacko ficou até mais tarde. Não tivera o cuidado de conhecer a enorme casa, de criadores de gado, não tinha a quem perguntar onde dormir, foi espreitar. Nas casas de banho encontrara gente em diferentes estádios de coma alcoólico. Nos quartos deparara com cenas semelhantes, e num, o filho dos donos, David estava de chapéu à cobói e botas de montar lidando com as vagas alterosas da Jill. Apenas se via o chapéu. O Jacko quis indagar se era o “Australian Way”. Conteve-se, mas na manhã seguinte, por entre a ressaca, não parava de se rir a contar. Jamais esqueço Towal Creek. Comara, Bellbrook, Nova Gales do Sul), a quinta dos amigos Landers, onde adorava ir, 700 km NW de Sidney. Sempre que podia lá ia num fim de semana prolongado até Port Macquarie, na costa norte, rumo norte a Kempsey e fletia-se para o interior na rota de Armidale. A partir de Bellbrook, a estrada era de terra batida. Andavam-se 10 km até um portão. Depois, duas barreiras separadoras de gado, guiando-se uns minutos, até um ribeiro onde nos vinham buscar para atravessar de barco. Em época de cheias havia um segundo ribeiro que só o trator ou o pequeno camião tipo Unimog conseguia passar. Mais uns minutos e chegava-se às casas. A luz elétrica e a água eram de fabrico local, como a carne, o leite, o pão e outros produtos e centenas de cabeças de gado. Havia cavalos bravos (brumbies) e domesticados que podiam montar. O gado bovino guiado por motos ou cavalos dum pasto para outro. Uma propriedade enorme (2,305.94 ha – 30 km2) demorava horas a dar a volta de jipe e não se via tudo. Há seis gerações que a família ali estava. Com o avançar da idade e as secas (a maior, desde há três mil anos), crises da agricultura e baixos preços do gado acabariam por dar à exploração a quinta, incapazes de cuidar dela apenas com um dos filhos. Os restantes tinham ido estudar e não regressaram. Lá, como cá, o engodo das grandes cidades contribui para a desertificação. Mas não eram uns labregos, várias vezes os vi vestidos a rigor para concertos ou a óperas.
https://www.outbackmag.com.au/who-owns-the-australian-bush/
Em dezembro 2016 a quinta foi vendida por 5 milhões de dólares.
https://www.urban.com.au/news/towal-creek-station-in-the-macleay-valley-sold

Ainda assim, Towal Creek vive hoje na memória desses tempos áureos.
Que diferença dos portugueses. Ainda assim, Towal Creek vive hoje na memória dos meus tempos áureos.
https://c21ch.newcastle.edu.au/colonialmassacres/detail.php?r=620

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