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17.1. SONHAR AINDA É GRATUITO, CRÓNICA 176, 28 JULHO 2017, CRÓNICA 186 – 22 OUT.º 2017
17.1. CRÓNICA 186 – 22 OUT.º 2017
Ando farto de fazer zapping aos telejornais que se arrastam – não por horas, mas dias a fio – sempre a esmifrarem a dor alheia, a tragédia, os fogos, as falhas disto e daquilo, as promessas eleitorais da próxima campanha e imaginei um mundo feito à minha medida. Assim, enquanto as imagens mortais desfilavam, imaginava um candidato autárquico a anunciar que decidira não se recandidatar pois não cumprira a maior parte das promessas eleitorais de há quatro anos. Temos uma população apática e abúlica, uns saudosistas e outros mais novos, sonhadores, mas a menos que haja uma revolução de mentes cataclísmica, seremos uma pequena elite libertária, sem representação nem força popular, uma franja da sociedade que nem chega a ser incómoda para o poder. O povo açoriano não reúne as condições de se emancipar se continuar pobre, iletrado, subsidiodependente, conformado, desapegado de consciência cívica, a quem o fogacho independentista de alguns intelectuais, escritores e outros, pouco e nada diz.
Infelizmente é o que temos e não mudará nos meus dias, e se a Terra ainda existir, acredito piamente que, em futuro afastado e longínquo, nos libertaremos do jugo colonial de Lisboa (quando o Belenenses tornar a ser campeão de futebol, por exemplo). Até lá continuemos a fazer o que não temos feito, educar as pessoas, alertá-las para a escravatura silenciosa que as amolece e adormece, repetindo ciclos ancestrais de feudalismo encapotado, anestesiada pelas riquezas que o turismo vai trazendo sem se lembrar que basta a Ryanair ir à falência e o turismo morre.[1].
Enquanto as chamas inflamavam o pequeno ecrã conjeturei o governo, deputados, bombeiros, peritos florestais e demais interessados em volta de uma larga mesa, a erguerem-se e celebrarem a vitória de terem chegado a acordo para evitar o flagelo dos incêndios que dilapidam o país há mais de 40 anos. Como não havia som não soube bem que medidas unanimemente acordadas eram e iam poupar milhões, apostando na prevenção em vez de os gastarem no combate às chamas.
Ao assistir às crises que subitamente atacam um ou outro país, a mando das farmacêuticas a quem interessa vender medicamentos em vez de curar ou minorar a doença, descobri que uma farmacêutica do Terceiro Mundo iria disponibilizar vacinas e tratamentos gratuitos contra as pragas que a humanidade propaga como se fossem naturais.
Ainda queria imaginar que iam apagar a dívida das nações para que pudessem crescer com os seus meios utilizando as riquezas naturais que os países dominantes exploram a seu bel-prazer, competindo num mercado verdadeiramente livre sem manipulações de especuladores da meia dúzia de bancos e de famílias que dominam a economia mundial. Só faltava acreditar que a população mundial era toda educada e culta, sabendo votar sem ser lavada ao cérebro por políticos ambiciosos e que a Novilíngua da mentira e da falsa notícia fora exterminada, incapaz de medrar por entre gentes cultas e educadas. Mas isto já seria pedir muito. O mundo, afinal, nunca foi justo, nem educado, nunca deixou de discriminar nem de explorar os mais fracos e indigentes intelectuais, através da política, da religião, do fanatismo, mas, se um dia, esse mundo existir é nele que quero viver num equilíbrio ecológico e ambiental em que a única incógnita seria a das forças naturais e eventos cataclísmicos, que nenhuma procissão aplacará… (sonhar ainda é gratuito!)
[1] ….(Nota de 2020, afinal bastou um vírus, COVID-19…)