Jorge Buescu: EM TEMPO DE GUERRA, A PRIMEIRA BAIXA É A VERDADE

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Através de Jorge Buescu:

EM TEMPO DE GUERRA, A PRIMEIRA BAIXA É A VERDADE

Quem me conhece pessoalmente, e talvez quem aqui me lê, sabe que detesto teorias de conspiração. Foi isso que me levou a escrever, a 25 de Março: “Houve leitores que puseram em causa a veracidade dos dados do Boletim da DGS. Eu afirmo sem qualquer dúvida que confio na veracidade dos números do Boletim da DGS. Como poderia ser de outra forma? (…). Se não pudermos acreditar nos dados da DGS, acreditamos em quê? (…) não embarquemos em teorias de conspiração. “Eles” não estão a fazer manipulação de dados. A DGS dá rigorosamente o que sabe; pode é não saber tudo, como deve ter ocorrido ontem. Temos de confiar nos números escritos pela DGS!”.

No dia 27/3, a minha confiança foi abalada com números contraditórios, por exemplo uma baixa nos confirmados na Madeira ou uma subida de casos no Porto superior à subida em todo o País. Sempre procurei explicações para estes estranhos factos que não envolvessem suspeições. Se não confiamos na DGS, confiamos em quem?

Ontem houve, pelos vistos, uma reunião à porta fechada da DGS com as elites do País (politicos, dirigentes…) na sede do Infarmed. Hoje em dia tudo se sabe, e o conteúdo dessa reunião foi publicado à noite no Observador, no artigo “O que os especialistas contaram na reunião com políticos e parceiros sociais. DGS admitiu 9500 infectados”, cuja leitura integral recomendo vivamente.

Nele se pode ler que a DGS não sabe quando será o pico, que tanto pode ser em Abril, em Maio como pode já ter ocorrido. Mais importante para estas análises: citando o artigo, que até agora não foi desmentido, afirma a DGS que “o número real de infectados em Portugal pode ser superior a 9.500 em vez de cerca de 6.000 – que eram os únicos números oficiais conhecidos oficialmente a essa hora”. Ou seja, a DGS admite, à porta fechada e perante as elites do País, que os números reais podem ser 50% superiores aos que inscreve nos Boletins que divulga junto da população.

Ainda mais preocupante é o penúltimo parágrafo. Cito: “Francisco Rodrigues dos Santos perguntou se a DGS não devia aumentar a testagem e também se não era possível um novo fluxo de informação que torne o boletim da DGS mais credível, alertando que com o SINAVE só vão ser conhecidos uma parte dos casos (cerca de 75%). Rita Sá Machado, da DGS, respondeu que é preciso equilibrar as expectativas com o rigor, mas que ela preferia números incompletos, desde que fossem rigorosos”.

Portanto: a DGS prefere fornecer números “incompletos” porque “é preciso equilibrar as expectativas”. A definição de “números rigorosos” só é conhecida da DGS, o que lhe permite uma grande, chamemos-lhe assim, liberdade de acção nos números apresentados no Boletim Epidemiológico diário.

Para quem acha que posso estar a exagerar, sugiro a leitura integral do artigo do Observador, que ninguém desmentiu. O link é https://observador.pt/…/dgs-admite-9-500-infetados-em-reun…/

Em resumo: o povo leva nos Boletins com uma versão diluída dos números reais de confirmados, que a DGS liberta de forma a “equilibrar as expectativas”. Isto provoca uma indignação sem nome, pois trata de um assunto gravíssimo, de vida ou morte para muitos milhares de portugueses. Estamos há quanto tempo a trabalhar com números “incompletos” no Boletim da DGS, e portanto a fazer análises erradas, imaginando luzes onde só existe um túnel cada vez mais longo?

De facto, em tempos de guerra a verdade é a primeira baixa.

Para grandes males, grandes remédios. Vou passar a usar um indicador que considero mais fiável, em que as “expectativas” não se podem “gerir”, que não dependem de testes e que nesta altura é na minha opinião o mais relevante de todos: o número de internados nas UCI.

A onda exponencial chegou na semana passada aos Hospitais, como os profissionais de saúde bem sabem. Esta corresponde à onda inicial de infecções, atrasada cerca de duas-três semanas (quem ingressa nos Cuidados Intensivos fá-lo num estádio muito avançado da doença) em relação à exponencial da infecção. Mas 5% de uma exponencial é uma exponencial. De 25 a 31 de Março este número cresceu à taxa média de 25%, ou seja, duplicando cada 3,15 dias. Mostro o gráfico abaixo.

Hoje o número (relativo a ontem 31 de Março) de doentes UCI foi de 230. É um exercício aritmético simples saber quando é que, a este ritmo, as 1142 camas UCI anunciadas pelo Primeiro-Ministro estarão todas ocupadas. E aí não vai ser possível “equilibrar as expectativas” com números “incompletos”. Aliás já não haverá expectativas, apenas o embate frontal com a duríssima realidade.

Jorge Buescu, 1/4/2020

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