Osvaldo José Vieira Cabral TRABALHAR PARA AQUECER

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TRABALHAR PARA AQUECER
Os números que o INE publicou esta semana sobre a precariedade laboral em Portugal são devastadores.
É a prova, se faltasse, de que a pobreza está a galopar na sociedade e a alastrar mesmo àqueles que trabalham.
A privação social e material é cada vez maior no país e, especialmente, nos Açores.
Não fossem os apoios sociais que os governos transferem para as famílias mais carenciadas e teríamos um desastre social ao nível de alguns países africanos.
Quando o peso da inflação atinge, sobretudo, os alimentos e a habitação, é óbvio que a privação social e material dispara, com relevo para a classe média, a menos protegida na cadeia dos apoios sociais.
Portugal já está em 3º lugar do top dos países com mais trabalhadores precários e essa praga também já se estende aos Açores.
As políticas sociais são importantes, mas se elas durarem quase infinitamente, então temos uma economia distorcida e uma sociedade altamente doente.
O remédio é a criação de oportunidades para que haja mais riqueza na economia, com investimento público, é verdade, mas sobretudo com a dinâmica do investimento privado.
O pacote de fundos comunitários que aí vem tem que ser bem aplicado e chegar a todos por inteiro.
Não podem ser sempre os mesmos a beneficiar das ajudas comunitárias, nem pode a sua aplicação ser, maioritariamente, para acções públicas não reprodutivas e que não criam riqueza.
Temos problemas sociais graves em todas as ilhas e a teimosia do endividamento zero não é aconselhável para uma região que precisa de dinheiro para compensar o investimento restante dos fundos comunitários.
As razões políticas para a medida ficam com quem as toma e cada força política ficará responsável pelo atraso do nosso desenvolvimento, caso continuemos com esta inércia investidora.
Não é viável continuarmos a nos endividar até não podermos cumprir, mas a redução da dívida pública deve ser gradual, como se faz em todos os países, e não de forma radical até deixar a população à fome.
O bom entendimento entre governo e parceiros sociais deve ser aproveitado para se encontrar soluções que garantem melhor desenvolvimento.
É neste sentido que o Acordo de Parceria assinado esta semana entre o Governo dos Açores e os parceiros sociais é uma boa iniciativa entre duas partes que têm um objectivo comum: a paz social e o bem-estar dos cidadãos.
No ano passado António Costa fez o mesmo a nível nacional, visando a melhoria de rendimentos, dos salários e da competitividade.
No fundo é mais um instrumento para melhorar a nossa economia, em que o governo, empresários e trabalhadores criam um entendimento comum, que não pode ser estático e que deve ser alterado conforme as conjunturas.
Não admira que José Manuel Bolieiro quisesse dar relevo ao acto, levando-o à vetusta sala do “Arquipélago”, um nome já por si rico na simbologia.
Pode-se questionar o momento escolhido, o último ano da legislatura, onde tudo é visto como “campanha eleitoral”, mas não deixa de ter o seu significado.
E é curioso que a vigência do Acordo seja entre 2023 e 2028, ou seja, abrangendo este último ano de governação e a legislatura seguinte, como se Bolieiro esteja a dizer que confia no eleitorado para mais um mandato.
Quando o Presidente do Governo diz que o Acordo “é uma marco estratégico”, quer que subentendemos que não é para um ano apenas e que precisa de mais um mandato.
Resta saber como responderá o eleitorado.
Não é por acaso, também, que o Acordo tenha sido assinado num dia, para no outro seguinte os partidos se deslocarem ao Palácio de Santana para serem ouvidos sobre o próximo Plano e Orçamento 2024.
É deste instrumento que vai depender os restantes dias da governação.
Vão ser negociações duras, a julgar pelo aumento da intensidade das críticas dos parceiros que apoiaram esta coligação.
Seja qual for o resultado, é bom que os partidos pensem menos nos seus interesses aparelhísticos e mais nos cidadãos e famílias.
No final serão julgados por isso.
O CASO RYANAIR
A importante entrevista que a Secretária Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas concedeu a este jornal foi suficientemente esclarecedora, embora tardia, para se perceber os contornos em que se procedeu as negociações com a Ryanair.
Ela reproduz a vontade do Governo Regional em negociar o mal menor, que foi manter a companhia aérea com apenas duas operações em S. Miguel e Terceira no Inverno, opção duvidosa para dois aeroportos diferentes.
Pagar cerca de 2 milhões de euros por esta operação, quando ainda há poucos dias o governo atribuiu 13 milhões à SATA por voos não previstos, é outro critério que deve fazer confusão a muita gente.
A percepção que fica de todo este imbróglio é que se trata do corolário de um trabalho mal sucedido de desenvolvimento dos nossos mercados, quer o nacional quer o internacional.
A competitividade dos negócios, dos do transporte também, depende da evolução e robustez dos mercados, coisa que não criamos e competiria às entidades públicas criar, através da promoção externa, e/ou limitando o espaço ocupado pelas companhias públicas ineficientes e consumidoras de recursos astronómicos. Em vez de nos concentrarmos na promoção nos últimos anos, andamos a poupar nos orçamentos para notabilizar o nosso destino, para não falar no ruído que o governo deixou alastrar sobre a ATA e a própria estratégia errada, apoiada pelo governo, de permitir a promoção por algumas ilhas, sem nenhum critério. A forma como se implementam políticas não é inconsequente, afeta os resultados.
A transição de uma liderança privada da Visit Azores para uma liderança diretamente dominada pela perspetiva política também não funcionou bem.
Há opções que vêm com custos e, neste caso, os custos poderão ser elevados para o sector do turismo.
Resta saber se aprenderam alguma coisa, porque esta dinâmica privada vai continuar e a próxima área de incerteza está com a UNITED.
O que se tem feito para assegurar que aquele mercado é um sucesso para os Açores?
Nada de significativo de que nos tenhamos apercebido!
Osvaldo Cabral
Editorial “Diário dos Açores”, Setembro 2023
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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