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A TAXA DE JURO, OUTRA VEZ
Depois de alguns debates feitos por aqui, interessantes diga-se, com camaradas da direita mais liberal ou montenegrina (que não a dos Balcãs), resolvi seguir alguns dos seus conselhos e fui pesquisar um pouco mais.
Repito que tenho algum gosto em ser contrariado e, sempre que possível, aplaudo quem me faz mudar de opinião. É sinal que podemos aprender uns com os outros sem limitacões políticas ou ideológicas. Todos que por aqui passam sabem onde voto e porquê, mas nada me prende a concordar com teorias que melhorem a vida dos trabalhadores em geral, venham de onde vierem.
De modo que fui tentar comprar uma casa na cidade onde nasci e provar que ela, ao contrário do que eu afirmo, não está a empurrar os seus nativos para os subúrbios.
Fiz uma pesquisa com alguns filtros e julgo ser esse um critério comum. Não vá aparecer aqui algum liberal a dizer que havia uma barraca na Pontinha por metade do preco.
Os meus filtros são mundanos e simples. Apartamentos que não estejam desfeitos (os típicos “óptimo investimento para reconstrucão”) e que não fiquem num rés-do-chão. Ah, e que tenham dois quartos. Portanto, estou a recriar aquilo que imagino que seja o casal típico português a entrar num banco. Perto dos 35 anos, a querer sair da casa dos pais ou a mudar o aluguer para casa própria, com um filho nos bracos, pelo menos.
Escolhi o bankinter porque é o banco onde tenho conta e, até ver, uns juros pouco assassinos. Por outro lado é um dos que deixa simular tudo com algum detalhe na net.
Corri as casas na idealista por ordem de preco, em toda a cidade de Lisboa. O T2 mais barato custava 170 000 euros. Tal como os seguintes 33, ficava num bairro de merda e/ou era pavoroso. Não vou entrar naquilo que são bairros de merda para mim, todos temos os nossos “antes acampar do que viver ali” nas nossas cidades. Além do mais, não quero ser ofensivo para ninguém. Tempos houve em que eu achava o Fogueteiro o centro do mundo, portanto, não sou ninguém para piar.
O primeiro apartamento da lista onde achei que fazia sentido montar um bestå do IKEA foi este da imagem. 70 m2, num prédio sem elevador, ali para os lados de Campolide. Era o 34 apartamento, numa lista por ordem crescente de preco, num total de 4689 disponíveis. Portanto, acho que não estamos propriamente na gama “só para jogadores da bola”.
259 000 euros é o preco pedido por esta jóia que, há 10 anos, nem metade deveria custar. Tudo bem, vamos então ao banco.
Parto do princípio que o nosso jovem casal, a poucos anos de atingir os 40 anos, recebe a média salarial de Lisboa. Cerca de 1300 euros brutos, qualquer coisa como 1000 no bolso.
A taxa variável deixa-os com uma prestacão que levará cerca de 25% do orcamento familiar. É razoável. Entre 25 a 30% do rendimento é o estimado para os custos de habitacao, quando a gestão é bem feita. Contudo, se optarem pela taxa variável, ficam sujeitos a um aperto maior quando o Putin invadir a Polónia ou os países Bálticos. A taxa variável, como se sabe, só é favorável quando Israel despeja rockets na faixa de Gaza, como aconteceu ontem (era um rodapé na CNN, ainda apanhei enquanto revia o golo do Rafa). Portanto, evitemos supresas e optemos pela taxa fixa. Sou fä de taxas fixas desde 2002, altura em que comprei o meu primeiro apartamento num bairro de merda.
As taxas fixas para 10 ou 20 anos, imunes às loucuras do Putin, dos mercados e azedumes do BCE, raspam ali os 3% (hoje) e deixam este casal com cerca de 42-43% do orcamento familiar hipotecado na prestacão ao banco. Se a isso somarmos as restantes despesas da casa, já me parece um garrote financeiro muito grande que lhes deixará pouca margem para uma vida que não seja apenas a de trabalhar para pagar contas.
Ou seja, resta a este casal duas opcões: aceitar a taxa variável e viver em Lisboa num dos T2 mais baratos da cidade, correndo o risco de não conseguir pagar crises futuras. Ou, em alternativa, ir para um subúrbio onde possam pagar a prestacão de uma taxa fixa.
Falha assim a minha tese de tentar provar que é possível viver em Lisboa, para o casal português “médio”.
Quem não tem casa, não a consegue comprar agora e quem tem, não aguenta uma subida de 25% do orcamento gasto na prestacão para 40 ou 50%. Isto partindo do princípio que viver não é só trabalhar e estar em casa à espera da manhã seguinte.
A minha pergunta mantém-se: como é que um país pobre, com salários miseráveis e habitacão caríssima em virtude da especulacão desregulada, protege os seus contribuintes numa altura da escalada das taxas de juro?
Deslocamos Lisboa para a Moita e comecamos do princípio?
Não estou a ver a solucão para esta equacão e sistemas impossíveis são coisas que me aborrecem.


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