TERESA TOMÉ história para jovens

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12 h

Escrevi esta pequena história para o Jornal “A Nova Persuasão”, partilho com jovens e menos jovens, com votos de que possam gostar tanto quanto gostei de a escrever.
Manuel Pedro Viveiros de Outoguia era um menino nobre de sangue azul, que viria um dia a ser Visconde de Outoguia.
O Pai e a mãe de Manuel, bem como os seus dois irmãos gostavam muito dele, mas por vezes achavam-no estranho.
– Estranho como? Perguntou a minha neta. Era para ela que eu contava estas histórias, que já tinha ouvido à minha avó.
– Estranho, porque muitas vezes o Manuel, preferia ficar na grande Biblioteca da casa, enterrado numa poltrona funda a ler um livro em vez de jogar à bola, à macaca e ao pião, como faziam os outros rapazes da sua idade.
– Avó, o que é: – jogar à macaca?
– Para jogar a Macaca é preciso, primeiro desenhá-la no chão. De seguida, o jogador atira uma pedra (Ou outra marca) para a primeira casa e a pé coxinho, sempre em equilíbrio leva-o através do jogo desenhado. Nas casas 4
e 5 e 7 e 8 deve parar e ficar com os dois pés no chão. Prossegue depois a pé coxinho e no final repete o percurso da mesma maneira.
– Um! Parece bom, mas se calhar um pouco monótono! Comentou a minha neta.
– As crianças parecem divertir-se muito! Mas, voltemos à história de Manuel e do pássaro.
– É verdade, voltemos à história! Mas, o pássaro ainda não apareceu.
– Vem já de seguida, acrescentei, só um pouco de paciência.
Numa das tardes em que Manuel estava praticamente escondido na Biblioteca, para que não o importunassem com outros trabalhos e brincadeiras, sentiu um barulho estranho que vinha da janela.
O dia estava borrascoso e uma tempestade ameaçava vir do mar. O … tum, tum, na janela fazia-se sentir de novo, insistente.
Manuel receoso aproximou-se dos vidros e lá estava: – um pássaro de penas escuras com algumas manchas brancas, que batia com o bico na vidraça. O rapaz procurou enxotá-lo, mas o pássaro não arredava pé e com o bico negro continuava a bater. Os olhos de grande vivacidade olhavam Manuel e pareciam falar.
Bem, és tão pequeno, que não me vás, fazer mal, pensou. Mesmo assim, já me arrisco em abrir a janela com este tempo, vai entrar vento e frio e se calhar apagar o lume da lareira.
-Vá, lá, disse para si mesmo, sempre quero saber porque está este pássaro aqui.
O resto da casa parecia silencioso, era Domingo de tarde e os pais e o restante pessoal da casa costumavam fazer uma sesta.
– Avó, o que é uma sesta?
– Uma sesta é um hábito que se perdeu no nosso tempo e apenas o fazem as crianças pequenas, embora muitas vezes a contra gosto.
– Quando vamos dormir de tarde? Interrogou a minha neta e continuou: – Eu já não durmo!
– Pois, não meu amor. Quando eras mais pequena, acordavas muito rabugenta, desde muito novinha deixaste de dormir de tarde.
– O que é rabugenta, avó?
– É quando estamos mal dispostos e com vontade de explodir por tudo e por nada. Mas, vamos novamente para a história. Lembras-te que Manuel estava agora com vontade de correr riscos, de viver a grande aventura do seu dia.
– É, verdade avó. Achas que ele vai abrir a janela e deixar o pássaro entrar.
– Sim, Manuel não conseguiu resistir e mesmo naquele dia de vento e tempestade, abriu a janela.
O pássaro entrou veloz. Voou pela sala, umas vezes parecendo planar outras com bater de asas, até que pousou, como se estivesse a amarar numa pilha de livros que estava em cima da grande secretária de mogno.
– O que é amarar, avó? Lá estava de novo a vozinha insistente da minha neta. Com tantas perguntas achei que ela não estava a gostar da história.
– É, quando pousamos no mar, expliquei e passei de imediato ao relato da história.
– Sobre a pilha de livros, o pássaro ficou a olhar Manuel, com os seus olhinhos pretos e vivos.
O rapaz aproximou-se devagarinho. O pássaro não se mexeu e quando Manuel se aproximou começou a falar, numa voz rouca, molhada do mar, mas que depois foi ficando mais clara.
– Vim, lá de baixo do oceano, porque tenho uma mensagem para ti.
– Uma mensagem?! Retorquiu o pequeno? Como pode ser? Um pássaro a falar e com uma mensagem.
– Manuel não cabia em si de espantado.
– Eu sou um pássaro especial. Sou um Paim mas também me chamam Alma de Mestre, porque a minha vocação é ser guia. Muitas vezes conduzo os marinheiros a porto seguro e os pescadores a casa quando o mar está revolto e se torna difícil andar sobre as águas. Estou habituado a falar com os humanos.
– Mas, hoje, estás longe do mar. Comentou Manuel, já mais habituado a falar com o pássaro.
É verdade que estamos numa ilha e o mar nunca está longe, mas para uma ave pequena como tu ainda tiveste que voar bastante para chegar a esta colina.
– Não te preocupes, não estou cansado, a minha Alma de Mestre dá-me asas para voar. Respondeu o pássaro. – E, a mensagem que trago hoje tem a ver com a tua missão na vida.
– A minha missão?! Mas eu sou uma criança.
– Um pequeno jovem, corrigiu o pássaro. – E, é agora que tens de te preparar para que um dia possas cumprir a tua missão.
– E, o que devo fazer? Perguntou Manuel.
– Tens de continuar a ser, o que és, mesmo quando fores adulto. Disse o pássaro.
– E, o que é que eu sou?
– És livre!
– Livre? Como pode ser isso. Estou sempre a ser obrigado a aprender lições que nada me dizem e a fazer trabalhos de que não gosto. Se não cumpro com as obrigações, que me ditam os meus pais, arrisco-me a ser castigado.
– Mas, aqui dentro desta Biblioteca és livre, disse o Paim.
Os olhos de Manuel brilharam de alegria.
– Sim, tens razão, aqui sou livre. Sonho à vontade e viajo sem limites com os livros destas estantes. Sinto-me leve e livre, quando empoleirado no escadote deslizo pelos títulos, como se fosse uma ave e até por vezes parece que sou capaz de voar como tu. Só paro quando encontro um livro que me desafia a ir ao encontro de novas aventuras.
– Acho que já percebeste. Afirmou o Paim, que acrescentou: – Quando fores grande serás o dono destas terras que vão até ao mar. Muita gente virá habitá-las, será como uma pequena freguesia. Na pedreira, ali em baixo, trabalharão os coubacoureiros, do outro lado uma debulhadora moerá o trigo e o milho para o pão. Os camponeses trabalharão nas terras de sol a sol e colherão frutos maduros. Muros erguer-se-ão, casas serão construídas. Gente vai nascer e morrer. Haverá alegrias e tristezas, casamentos e batizados.
Tu, estarás à frente deste futuro. Mantém-te livre. Porque liberdade é ser capaz de amar sem pertencer e viver sem dominar.
– Espera, espera, isso parece ser complicado! Disse Manuel.
– Então pega no teu caderno de notas e escreve, porque esta será a mais importante lição da tua vida, ordenou o pássaro.
Manuel obedeceu, pegou na caneta e desenhou as palavras no caderno: – “Liberdade é ser capaz de amar sem pertencer e viver sem dominar”.
– Só assim poderás continuar a sentir alegria de voar. Acrescentou Paim, Alma de Mestre ao mesmo tempo que magicamente desaparecia sem precisar de sair pela janela.
Manuel esfregou os olhos e pensou que afundado na cadeira tinha dormido e sonhado, mas lá estavam as palavras no caderno e mais uma vez o pequeno esfregou os olhos! – A tinta azul com que escrevera estava a tornar-se dourada.
Nota: Desenho de Eva Machado
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