Há um fenómeno delicioso na política portuguesa: de quatro em quatro anos, lá vamos nós votar, não em quem queremos, mas em quem nos irrita menos. É o chamado voto analgésico: não cura nada, mas dói um bocadinho menos. Escolhemos o candidato que parece menos incompetente, menos mentiroso, menos ridículo. No fundo, o “menos mau”. É triste, mas é o que há. E o que há costuma ser pouco, mal preparado e com mais ambição do que vocação.
Diz-se muito que “os políticos são todos iguais”. É o grito de guerra dos que desistiram de pensar – os que se demitem do país, mas acham que têm direito a queixar-se dele. O problema é que, ao dizê-lo, acabam por contribuir para que sejam mesmo todos iguais – os bons, os competentes, os sérios, fogem. Fartam-se. Ou, no mínimo, são engolidos pela lama, pela intriga e pelas selfies de campanha – na política moderna, ter carácter é um estorvo.
Nos debates as ideias aparecem apenas para levar pancada. Ninguém quer resolver o que quer que seja, querem é ganhar pontos, likes e manchetes. Em vez de se discutir o país, temos um concurso de vaidades travestido de democracia. Grita-se, interrompe-se, insulta-se, e no fim há sempre alguém que comenta: “Ah, aquele foi muito assertivo!” – como se levantar a voz fosse sinónimo de ter razão. O ego torna-se o único com lugar cativo.
Mas não são só os políticos que estão mal, nós também estamos. Somos nós que achamos a política uma coisa suja e distante, como se governar um país fosse assunto para porcos. Somos nós que passamos semanas a comparar preços do supermercado, mas votamos sem ler o programa, sem perceber o que se defende, sem querer saber quem é quem. Votamos por simpatia, por tradição familiar, por ideologia, ou simplesmente “porque está na altura de mudar”.
Mudar, sim, mas mudar para melhor. Mudar só porque sim é trocar um par de sapatos velhos por uns novos que magoam mais. É o vício português de confundir novidade com progresso. Acreditamos que qualquer coisa diferente é boa, até percebermos – demasiado tarde – que é igual ou pior. Como aqueles que se dizem antissistema, mas que fazem todo o tipo de acrobacias – mal imaginadas – para fazerem parte do sistema…
Pensar pela própria cabeça não dá direito a subsídios – com muita pena minha!
A democracia não é uma feira onde se vai às cegas. É um trabalho de casa. É ler, comparar, duvidar, pensar – coisas chatas, eu sei. Mas é o preço da liberdade, e nem é caro. Porque se não formos nós a escolher bem, alguém escolherá por nós. E esse alguém, quase sempre, é o mesmo de sempre: aquele que não faz ideia em quem vota ou a razão de votar.
“E se, ao olharmos para os candidatos, nenhum prestar?”. Então talvez esteja na altura de olharmos para o espelho. Talvez esteja na hora de nos candidatarmos – arregaçar as mangas e mostrar que se pode fazer mais e melhor e com menos figuras tristes.
Porque criticar é fácil – um desporto de bancada altamente valorizado no nosso país. Porém, fazer melhor é que é o verdadeiro desafio.
Enquanto não percebermos isso, continuaremos a ter de escolher o menos mau para votarmos – e a queixar-nos do resultado, como quem se arrepende do jantar já depois da sobremesa. Tarde demais…
Ps.: Confesso que foi minha vontade escrever esta reflexão com alguns nomes, mas eles já são tão bons a rolarem na lama sozinhos que desisti de me dar a esse trabalho…
Votem em consciência, é o mínimo.