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Xanana, a Política do Drama e as Sombras do Poder em Timor-Leste
Kota Lale
6 h
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Xanana, a Política do Drama e as Sombras do Poder em Timor-Leste
Reflexão sobre a Crise Moral e os Desafios da Democracia às Vésperas da Integração na ASEAN
Por: Loro Sa’e Obsever
Do Símbolo da Resistência à Sombra do Poder
Timor-Leste foi, em tempos, uma história de coragem, uma pequena nação nascida da dor, do sacrifício e do sangue do seu povo.
No centro dessa história estava Xanana Gusmão, rosto da resistência e símbolo da unidade nacional.
Duas décadas após a restauração da independência, porém, a figura que outrora encarnava a esperança tornou-se também um espelho das contradições do poder: o herói transformado em governante incontestável; o libertador que agora dirige um sistema frequentemente marcado por desigualdades e privilégios.
Continua a falar em nome do povo, mas muitas decisões parecem beneficiar círculos restritos do poder.
Continua a pregar a humildade, mas à sua volta cresceu uma elite que vive com ostentação e distância da realidade popular.
O poeta da revolução converteu-se no arquiteto de um império político, e a luta libertadora transformou-se num drama de poder.
Do Combatente ao Guardião Absoluto
Xanana é produto da história, mas hoje parece também prisioneiro dela.
Apresenta-se como o “guardião da revolução”, como se apenas ele detivesse a chave do destino nacional.
Desse modo nasceu uma política excessivamente centrada na figura do líder, onde a lealdade pessoal frequentemente pesa mais do que o mérito e o serviço público.
Esse modelo cria dependência: os funcionários esperam ordens, os cidadãos hesitam em questionar, e o Estado perde a autonomia moral que deveria sustentá-lo.
Debaixo do carisma, instala-se uma cultura de medo e silêncio, o tipo de ambiente que lentamente sufoca a democracia.
Dili e o Surgimento de uma Nova Burguesia Política
Vinte anos depois de o povo lutar pela terra e pela dignidade, grande parte da riqueza nacional concentra-se agora nas mãos de poucos.
Dili mostra duas faces:
de um lado, carros de luxo, moradias imponentes e festas políticas;
do outro, desemprego, preços elevados e o desespero silencioso da população.
Quem prospera em Dili hoje?
Não são os camponeses de Baucau, nem os pescadores de Liquiçá, nem os professores de Viqueque.
São os empresários políticos e os intermediários que orbitam os centros de poder.
O que se vive não é desenvolvimento, mas um tipo de colonialismo interno, onde os novos senhores falam Tétum e empunham a bandeira nacional, enquanto o povo continua à margem.
O Estado e as Redes de Interesses
Diversos observadores e ativistas sociais têm alertado que o perigo atual de Timor-Leste não vem de fora, mas de dentro:
de redes político-económicas opacas que debilitam o Estado e capturam recursos públicos.
Os processos de contratação, as licenças e os investimentos estatais parecem frequentemente influenciados por conexões pessoais e partidárias.
As recentes declarações do Ministro Agio Pereira, advertindo sobre a infiltração de redes organizadas em instituições públicas, trouxeram à luz uma preocupação legítima.
A coragem de abordar esse tema demonstra que a integridade e a transparência ainda têm defensores dentro do próprio governo, e que esses valores são essenciais para restaurar a confiança dos cidadãos.
Teatro Político e Crise Moral
Na política, a imagem tornou-se mais poderosa do que o conteúdo.
O líder carismático pode ser, ao mesmo tempo, o revolucionário humilde e o governante intocável.
Quando o discurso da resistência é usado para justificar práticas de poder, corre-se o risco de transformar a memória em propaganda.
Mas a ilusão começa a desvanecer.
O povo observa, questiona, e sente na pele o custo da desigualdade.
As palavras já não bastam, a democracia precisa de moral e de verdade.
CNRT e o Desafio da Reforma
O CNRT, partido nascido do espírito de libertação, enfrenta hoje o seu maior desafio:
pode transformar-se num partido moderno, de serviço público, ou continuará a ser instrumento de privilégios e proteção política?
Críticos argumentam que o partido se converteu num espaço onde a lealdade pessoal é mais valorizada do que a competência e a ética.
Contudo, há vozes reformistas que buscam mudar essa cultura, exigindo auditorias, transparência e meritocracia.
Essas vozes merecem apoio, pois sem elas não há renovação, nem futuro democrático.
A Verdadeira Luta: Entre a Corrupção e a Honestidade
Timor-Leste já não vive uma guerra entre partidos, mas um confronto moral entre os que servem e os que se servem do Estado.
Essa batalha atravessa ministérios, parlamentos e aldeias.
E, embora o povo não tenha armas, tem algo mais poderoso: consciência.
A consciência de que o país não pertence a uma família nem a um grupo;
de que a independência é vazia se só enriquece alguns;
de que a liberdade deve ser continuamente reconquistada através da justiça.
Tempo de Reflexão para as Lideranças
Nenhum líder é eterno.
O verdadeiro estadista é aquele que sabe quando passar o bastão à próxima geração, com dignidade e visão.
Se Xanana Gusmão, símbolo máximo da resistência, tiver a grandeza de promover uma transição política saudável, a história o recordará como o pai da nação moderna.
Mas, se o poder continuar a ser um fim em si mesmo, a memória coletiva também registrará o lado sombrio dessa persistência.
Retomar o Espírito da Luta
A independência não foi conquistada para enriquecer elites, mas para restaurar a dignidade popular.
A soberania real não se mede por bandeiras ou cerimónias, mas por justiça, igualdade e honestidade no governo.
O maior inimigo de Timor-Leste já não é o invasor estrangeiro, mas a corrupção interna travestida de nacionalismo.
E esse inimigo só pode ser vencido com verdade e coragem.
Chegou o momento de uma nova geração de timorenses, estudantes, trabalhadores, intelectuais, reformistas, retomar o rumo moral do Estado.
Construir instituições fortes, inclusivas e dignas é o único caminho para uma independência plena.
Às Vésperas da ASEAN: Um Espelho para a Nação
Nas próximas semanas, Timor-Leste deverá tornar-se membro pleno da ASEAN, um passo histórico no plano diplomático, mas também um teste de maturidade nacional.
A ASEAN exige estabilidade, transparência e governação responsável.
O mundo observará não apenas discursos e cerimónias, mas a coerência entre o que dizemos e o que fazemos:
como gerimos o erário público, como aplicamos a lei e como tratamos o nosso povo.
A adesão à ASEAN será vazia se não vier acompanhada de reformas internas.
É hora de provar que merecemos esse lugar, não apenas pela bravura do passado, mas pela integridade do presente.
Conclusão: Para que a História Não se RepitaTimor-Leste encontra-se, mais uma vez, numa encruzilhada.
Ou continua a viver da glória passada, ou tem a coragem de escrever um novo capítulo baseado em justiça e ética.
A história lembrará quem falou e quem se calou.
Quem lutou pela verdade e quem preferiu o conforto da mentira.
E, no fim, uma verdade permanecerá:
a verdadeira independência não depende de quem governa, mas de quem tem a coragem de servir com honestidade.
Nota do autor:
Este texto é uma reflexão e análise política baseada em observações e debates públicos em Timor-Leste. Não pretende acusar ou difamar qualquer indivíduo, mas sim contribuir para um diálogo construtivo sobre integridade, liderança e o futuro da democracia timorense.
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