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Com as eleições brasileiras, a guerra na Ucrânia, a policromada hipocrisia criminosa dos pequenos e grandes impérios, as elites estão esgotadas em si. Esqueceram o planeta onde vivem. São cegas, surdas e mudas às catástrofes e guerras que assolam o mundo. Como se a vida começasse com eles e com eles acabasse. Viram as costas à linguagem do caos. A excepção impõe-se como primeira defesa contra o colapso anunciado. E a decadência ética é abalada por um vírus desconhecido. Os seus pilares desmoronam-se. Pensar, hoje, o mundo deverá sustentar-se no que já foi vivido para acautelar com dignidade democrática tudo o que está por viver. Devemos isso aos que estão a nascer. Há que saber escolher as palavras; elas não servem para amarrotar as ideias nem para humilhar corpos despedaçados pela miséria e sobretudo pela tristeza da miséria do conhecimento. Os deuses já há muito abandonaram os templos a si dedicados; o que resta deles são escombros de crenças fatídicas e fiéis perdidos nas trevas da ignorância. A ideia de céu regenerador abateu-se como uma hecatombe, esmagando uma humanidade sem ferramentas para reestruturar o plano social no seio de uma nova linguagem do caos. Os olhos já não vêem para além da neve e da lama que os cega perante a desoladora paisagem do nada cujo futuro se prostra perante a inevitabilidade do nunca. Contudo, portas e portais abrem-se misteriosamente entre brumas, nevoeiros e fumos de catástrofes carbonizadas. Os mundos alterados do cosmos, as suas interrogações, as galáxias que brilham numa viagem que em muitos casos a origem morreu. Há ignições imprevisíveis para a extravagância da surpresa. E é nesta extravagância que se oculta a salvação do novo pensamento. A manipulação dos vivos e a fórmula dos ignorantes que usurpam o poder entraram num ciclo de esgotamento. O que virá poderá ser pior ou melhor. Esse, o grande mistério para futuras existências. A revolta das novas ideias com a consistência alegórica do absolutamente novo para uma rotação dos sentidos, para uma estesia que configure o inesperado numa circulação de diferenças. E chegado a esse momento a cultura da observação e aceitação cumprir-se-á, economizando fortunas para uma implosão estratégica de todos os défices projectados ao serviço da cleptocracia. Commedia.
Luís Filipe Sarmento, «Commedia», 2022
Foto: Jose Poiares
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- EXELENTE TEXTO !!! Quando acordarem ja será tarde ..Culpados todos nós ..Que deixamos tudo isto acontecer sem nada fazer
As elites cleptocráticas conseguem distrair-nos do essencial dividindo-nos em esquerdos e direitos como se não precisassemos dos dois pés para andar! Deste modo nós povo combatemos uns contra os outros só em favor da elites da esquerda e da direita que se riem de nós porque vivem bem à custa das nossas distrações; nós combatemo-nos em seu favor!
Muitos de nós fizemos, embora talvez devêssemos ter feito mais pelo que estava fora do nosso alcance; homens e mulheres, no anonimato de sua pequenez, tentaram e tentam, mas são engolidos pelo egoísmo daqueles que pensam que só são válidos os seus pensamentos e as suas decisões. Novas ideias, novas ações, novas pessoas, novas políticas… e muita coragem para deixar emergir a força interna da qual nascerá o desvendamento do mistério capaz de garantir a sobrevivência pessoal e coletiva da humanidade.