A submissão a Trump.
Trump anunciou que quer recuperar o Canal do Panamá,
convida o Canadá a ser um estado dos EUA
e exige que a Dinamarca lhe entregue a Gronelândia,
um território militarmente estratégico, passagem marítima preferencial com o degelo
e com enorme quantidade de “terras raras” necessárias às tecnologias.
Quando o líder da maior potência do mundo ameaça intervir militarmente num território de um aliado, membro da NATO, rimos.
Porque tudo ainda nos parece demasiado irreal para não ser uma piada.
Já deveríamos ter percebido que não é.
Vergou o partido republicano e tem o Senado e a Câmara na mão,
recebeu do Supremo que ele próprio moldou o salvo-conduto para a impunidade
e tem ao seu lado, como aliados ou súbditos, a meia dúzia de homens que controla a forma como a maioria do mundo se informa,
O objetivo de Musk é fazer cair governos e dar força à extrema-direita.
Como está a tentar no Reino Unido, Alemanha e Áustria e tentará em França.
O problema não é perguntar ao seu rebanho se os EUA devem libertar o Reino Unido da tirania.
Não são as suas opiniões.
É usar o algoritmo da rede que comprou.
É um poder opaco, insindicável e impossível de responsabilizar.
Falar de liberdade de expressão quando milionários determinam as regras do debate,
usando o algoritmo para o moldar aos seus interesses comerciais,
é não ter aprendido nada com a última década.
Zuckerberg pôs fim às frágeis regras de moderação,
assumindo que era consequência das eleições.
Para deixar clara a sua submissão, chamou para a administração Dana White, muitíssimo próximo de Trump.
E há quem acredite que quem se verga desta forma a um novo governo quer defender a liberdade.
Numa situação económica precária;
com a França e a Alemanha em crise;
com uma Comissão a quem quase ninguém reconhece autoridade democrática,
o gigante com pés de barro em que vivemos está pronto a vergar-se perante o novo imperador.
Construímos uma submissão política, económica e militar a Washington que nos tem manietados.
E passámos poderes para uma estrutura que nos diziam ter a escala para enfrentar estes desafios,
mas que, em troca dessa escala, não tem autoridade e capacidade para os enfrentar.
Perante as investidas de Musk e companhia, a França quer que Comissão use os seus poderes ou os devolva.
Mas a extrema-direita já fez o seu ninho em Bruxelas.
Temo que seja tarde demais.
Daniel Oliveira.
Expresso, 9 de Janeiro de 2025.