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Exercício de socorro a náufragos (tranquilos ou não) depois de falhar a respiração boca a boca
(deve recitar-se ao ouvido das vítimas, tendo o cuidado prévio de confirmar a ausência de um microfone na Trompa de Eustáquio)
Creio
na vinda do Grande Sismo com epicentro no coração
das violas da terra e do mar
que dê um estremeção à Casa Fechada
e estilhace as vidraças por onde passem
os pássaros e as correntes frias do norte.
Creio
num Vulcão a custos controlados em fim de século
que me coroe de línguas metamórficas
E creio
que as correntes metafóricas do basalto
e brumas se afundarão no rumor das águas,
Creio
que a ilha em frente há-de passar para trás
sem marear os verdes da paisagem
E creio
que isso não chateará Raul Brandão
nem afectará as receitas do turismo,
Creio
e espero que a Burra Preta se deixe de lágrimas
e dê um coice na figueira onde meu avô
continua dependurado pelo pescoço
E espero
que Miguel, o Anjo e serviço, nos sirva
o Triunfo dos Porcos em edição de bolso e subsidiada
E espero
que a porca de Bordalo não resista à tentação
do planeamento familiar,
Espero
que os buracos no ozono nos deixem antever
o destino para lá dos astros e das cartas
e nos mostrem
a morte em suas vestes íntimas
E espero
que a calota polar se comova
até às lágrimas e nos alague os passos
outrora secos,
E espero
finalmente
que o corvo e a pomba venham anunciar
a primeira folha de figueira e o fim
da Gande Seca Universal.
Urbano Bettencourt. “Os paraísos superficiais”. Com Navalhas e Navios. Companhia das Ilhas. 2019