URBANO BETTENCOURT

Grato ao Santos Narciso pela divulgação.
May be an image of Urbano Bettencourt, glasses and text
No “Atlântico Expresso” desta semana, a minha página Leituras do Atlântico, com os dois mais recentes livros de Urbano Bettencourt.
Leitura que vale.
Depois de “Sala de Espelhos”, estes são, respectivamente, o segundo e terceiro livros da Obra Literária de Urbano Bettencourt que está a ser editada pela Companhia das Ilhas. Não vou falar aqui do valor deste meritório trabalho que Carlos Alberto Machado e sua equipa têm desenvolvido no panorama das Letras Açorianas, mas não me canso de referir a coragem e tenacidade desta editora que, desde o Pico, nos vem brindando com uma imensa actividade que bem merecia mais atenção e divulgação.
Sobre “O Pequeno Livro Amarelo de Ernesto Gregório”, maravilhosa centena e meia de páginas que li, reli e vou abrindo à sorte para beber, mais do que as palavras que poderia dizer, creio que o magnífico resumo da própria editora é o melhor aperitivo para interessar o possível leitor: “Urbano Bettencourt (ilha do Pico, 1949) reúne neste segundo volume das suas Obras na Companhia das Ilhas cerca de uma centena de textos breves, sob a forma de aforismos. São predominantemente de humor certeiro, por vezes corrosivo, onde o absurdo da nossa vida colectiva (e aqui e ali individual) encontra as correspondentes formas.
«Ernesto Gregório ainda não tem biografia. E nada garante que venha a ter. A biografia, na verdade, é a construção mais anedótica dos bons escritores (quanto aos outros, pouco se sabe), oscilando entre a predestinação divina para uma carreira literária e a lamúria crónica de quem, desde o berço, teve de vencer barreiras para ganhar um lugar no arraial mundano das escritas. Ernesto Gregório não se situa em nenhum desses campos, lamentavelmente!»
Obra não aconselhável a frequentadores de poleiros”.
Sempre gostei e admirei o humor do Urbano Bettencourt. O que não admira porque nele o domínio da palavra é como ar que se respira e a atenção ao que o rodeia faz o resto. Também não conheço Ernesto Gregório e não sei se está vivinho da silva ou extremamente morto.
Ainda tive o cuidado de ir ver se o ressuscitava no extremamente morto e indignamente enterrado jornal “A União” de 8 de Novembro de 1985 para tentar a polémica que nasceu da “Krítica Puética” e que envolveu o dito cujo e a viúva de Joaquim António Da Silva e o seu espólio guardado em três sacas da América e que, diz a viúva, afinal estava numa arca de mogno “de quem dependia a salvação da pátria e o futuro da poesia portuguesa”. Mas pouco adiantou, porque com medo da Covid, nem me atrevi ir aos também extremamente defuntos arquivos da União, onde Urbano navegou no Glacial e outros mares literários.
Livro de frases curtas assim, li eu na minha juventude. Era a Imitação de Cristo, com frases para a alma. Este é bem a “Imitação de Urbano” para exercitar o cérebro e refinar o sorrir, porque ao refinado humor se deve responder com refinado sorrir. Como em dia de inverno que vem visitar este magro Verão eu pensei naquela Metrocitrologia “Não seria possível ir alternando o alerta laranja com o alerta tangerina?”.
Também não quero aqui entrar em trocadilhos, para não ser como quele que os engenhava com tal perícia que os transformava em troca d’alhos.
A verdade é que foi um livro que me deliciou, porque a crueza e pontaria do humor de Urbano Bettencourt tem uma direcção certa que, por vezes nos deixa suspensos e mais que suspensos, surpresos. Belo livro, num género muito pouco comum nos Açores.
Já no “Inverno de Passagem”, e apesar de alguns inéditos, senti-me a revisitar muito que tenho lido, ao longo de meio século, deste meu Amigo de juventude e companheiro de estudos em Angra e contemporâneo também dos tempos de Guiné, aqui tão cruamente presente no “Antes da noite”… Há um som que vem do fundo do sono, ou “Na noite”… os destroços daquilo que até há pouco era um corpo inteiro e tenso.
Já aqui nestas “Leituras do Atlântico” referi que Urbano Bettencourt, exímio na crónica e no ensaio, tem sempre uma escrita que respira poesia, e como se refere na apresentação deste “Inverno de Passagem”, “isso nota-se muito bem nestas narrativas – que em grande parte revisitam ficcionalmente a sua ilha natal, o Pico, o universo familiar, em especial, alargando contudo o seu poder de observação e de transfiguração criativa a outros universos geográficos ou temáticos”.
E, como gosto desta definição: «E assim me entendo como ilhéu: sentado numa pedra, rodeado de mundos, imaginados, concretos, por todos os lados. E sem sentir que deva pedir desculpa por isso, seja a quem for.»
Como já aqui referi, desde os anos setenta que o leio e sinto o amadurecer da palavra, como fruta do Pico basalticamente doce. Mas faltam-me sempre as palavras para sobre ele escrever porque me sobra a certeza da palidez do que possa dizer perante o negro telúrico da força que se desprende dos seus versos e das suas narrativas. Academicamente não tenho competência e estilisticamente mingua-me o fôlego para expressar sentimentos difíceis de partilhar. Sim, porque, reler Urbano, mesmo quando há um novo toque no texto, nunca é voltar ao local de partida, porque há sempre um sopro de novidade, na apresentação, no encadeamento e no reviver dos textos.
Deliciosa a troca correspondência entre “Urbano de Sancho” e “ Juan Carlos Bettencourt”, um trocadilho de nomes a demonstrar bem a cumplicidade literária entre Urbano Bettencourt e o escritor, poeta e colunista das Canárias. Um verdadeiro (e curto) tratado de filosofia política e social, com nomes e realidades que fascinam e, por vezes, conflituam com o politicamente correcto das linhas narrativas dos média e da opinião dominante.
Eis, pois, mais dois livros, que até no formato escolhido, são apelativos e fáceis de ler. Não direi que é leitura de Verão, porque de “Inverno de Passagem” se trata… Mas, atrevo-me a dizer que em qualquer um destes livros há momentos deliciosos… Basta abrir! Como se de uma janela se tratasse… e já se sabe que “Deus nunca fecha uma porta que não abra três janelas” (Vento encanado)…
E como não acredito que “os maiores escritores açorianos vivos estão mortos” (Parafraseando Juliette Greco), para o Urbano Bettencourt vai o meu grande abraço de parabéns e gratidão, por mais estes momentos, abraço que estendo à Companhia das Ilhas, na pessoa do seu editor Carlos Alberto Machado.
Santos Narciso
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