Uma geração perdida e sem valores

Fonte: Uma geração perdida e sem valores

Luís Aguiar-Conraria

Uma geração perdida e sem valores

Há uns anos um colega comentou que os estudantes estavam cada vez mais imaturos. Na verdade todos os anos eles têm a mesma idade. Nós, os professores, é que, a cada ano que passa, ficamos mais velhos.

Nos últimos meses, as gerações mais jovens têm-nos dado muitos motivos para preocupação e para acreditarmos que o futuro está perdido. Foi em Abril que ficámos chocados com o comportamento de jovens finalistas do ensino secundário em Espanha. O escândalo foi tão grande que os jovenzinhos portugueses até foram expulsos do hotel. E agora, com as tradicionais Queimas das Fitas, a que na Universidade do Minho chamamos Enterro da Gata, pudemos assistir a uma série de comportamentos depravados, desde jovens a apalparem-se em público, a usarem linguagem sexualmente explícita e, cúmulo dos cúmulos, Laurinda Alves contou-nos, ontem, que num queimódromo até havia a Tenda das Tetas, onde raparigas que mostrassem as mamas podiam beber um shot de borla. Havia também uma barraca onde as raparigas tinham bebidas à borla se dessem uns bons linguados a outras raparigas. Enfim, uma depravação.

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Nasci em 1974, numa família de professores de Coimbra. Como menino bastante queque que era, também participei em viagens de finalistas. Mas, tanto quanto me lembro, a viagem de finalistas do liceu, em 1992, foi interclassista. Fomos para Benidorm uma semana. Como os meus pais não me deram o dinheiro que eu considerava necessário para uma semana alegre, lembro-me de ter vendido uns objectos pessoais para alargar o meu orçamento. Hoje dir-se-ia que vivi uma semana acima das minhas possibilidades. Em Benidorm, o hotel funcionava em regime de tudo incluído, mas, na verdade, nunca almoçávamos. Saíamos à noite, passávamos a noite na discoteca e regressávamos ao hotel mesmo a tempo do pequeno-almoço. Após o qual caíamos na cama.

As discotecas eram muitas e variadas, mas a nossa preferida era uma em que se pagava 1500 pesetas (9 euros) à entrada e se podia beber sem limite. Verdade, sem limite. Jovens de 17 anos, que pouco tinham bebido na vida, de repente apanhavam-se numa discoteca onde podiam beber sem parar e sem restrições. As casas de banho dessa discoteca mais pareciam altares do Santo Gregório. As férias foram o que quem não as viveu não consegue imaginar. Benidorm rapidamente ganhou a alcunha de “Bebe e Dorme”. Lembro-me vagamente, as memórias não são nítidas, de um colega ter decidido que ia perder a virgindade nessa semana e de andar à procura de um bordel numa dessas noites de bebedeira.

Como todos sabemos, os malcomportados são sempre os outros, pelo que ficámos surpreendidos quando, no momento do check-out, o hotel não nos quis devolver a caução. Revoltados, recusámo-nos a sair sem o dinheiro da caução. O hotel mantinha a sua recusa, pelo que se acabou chamando a polícia, que estava do nosso lado. Dizia a polícia que o hotel tinha de distinguir quem tinha feito distúrbios de quem não tinha e que não podia pagar o justo pelo pecador. Isto até que os responsáveis do hotel resolvem fazer uma visita guiada para inventariar os desacatos. Estes incluíam extintores de incêndio despejados escadas abaixo, que depois serviam de pistas de ski. Piscinas pejadas de garrafas de cerveja partidas no fundo. E mais algumas tropelias, como portas arrombadas, que levaram a polícia a aconselhar-nos a sair a toda a pressa antes que fôssemos responsabilizados por tanto estrago.

Bem, loucuras de adolescentes. Com certeza que, uma vez na universidade, ganhariam juízo. Na universidade, as loucuras das viagens de finalistas foram substituídas por loucuras na Queima das Fitas. Não sei muito bem como descrever aquelas noites do parque (não lhe chamávamos queimódromo). Sei que havia muitas barracas com todo o tipo de bebidas. Havia uma onde uns especialistas pousavam a cabeça ao balcão e as bebidas eram despejadas e misturadas directamente na boca. Lembro-me de também na altura ter finalmente percebido a utilidade da capa e batina. Em especial da capa. Estendia-se uma na relva do parque, outra por cima do casalinho e toda a actividade sexual se passava na maior das discrições ali no jardim. Felizmente não havia telemóveis para filmar.

Foi assim que parte das pessoas da minha geração viveu as viagens de finalistas e as Queimas das Fitas. Sinceramente, tirando a parte das mamas, não me apercebo de grandes diferenças em relação ao que Laurinda Alves descreve. Parece-me que esta juventude está tão perdida como a minha. Mas, claro, foi a minha geração que ficou cunhada como geração rasca, por ter mostrado o cu ao ministro da Educação Couto dos Santos e a pila à ministra da Educação Manuela Ferreira Leite.

Mas, volto a insistir, mamas, não. Nada de mamas. Para ver mamas teria de ir a Nova Orleães, por alturas do Carnaval, Mardi Gras, onde existe a simpática tradição de as raparigas mostrarem as mamas em troca, não de uma bebida alcoólica, mas sim de um colar de bijuteria barata (tities for beads).

Há uns anos, um colega meu comentou com uma colega que os nossos estudantes estavam cada vez mais imaturos. E que isso era visível de ano para ano. Na verdade, respondeu ela, todos os anos os estudantes têm a mesma idade. Somos nós, os professores, que, a cada ano que passa, ficamos mais velhos.

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