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Manuela Rabaçal Ponte shared her first post.
Com a devida autorização…
Republico este excelente texto da autoria de Domingos Fontoura Fernandes. Merece bem a leitura!
“A propósito do que se tem passado e dito acerca da carência de produtos frescos na ilha das Flores, do aparente abandono pelas autoridades locais regionais e das opiniões emitidas por pessoas que depois se acobardam e removem o que disseram.
Ló Rego Costa tenho de lhe dar os parabéns pela sua constância. A senhora consegue sempre manter o mesmo ponto de vista e o mesmo tom no seu discurso! Os meus muito sinceros parabéns! Não é fácil ser sempre coerente! Sobretudo quando somos confrontados com tanta informação, com outros pontos de vista, quando a lógica e o bom senso nem sempre são entendidos! Perdoe-me a redundância, mas está de parabéns!
Notoriamente, creio que a sua formação superior e a sua ancestralidade genealógica, o seu berço, dão frutos evidentes que se espelham no seu discurso.
Realmente, quando a sua opinião é lida pelos florentinos, tem frequentemente uma reação menos simpática como resposta, que parece roçar a falta de educação. Mas permita-me a ousadia de lhe oferecer uma lufada de ar fresco para melhor compreensão da visão ocidental do que é viver nas Flores.
A meteorologia não é carinhosa com a ilha das Flores, são mais os dias de ventania e de baixa insolação que os de calmaria e sol. Aliado a isso a orografia e a dimensão da ilha retém humidade com elevados teores de salinidade nada favoráveis a uma produção agrícola de grandes dimensões. Ou seja, e para não haver espaço a qualquer ambiguidade, os agricultores aproveitam os terrenos mais abrigados, que são de pequenas dimensões, para as suas lavouras. Ora isto resulta numa produção que não se revela suficiente para manter todos os habitantes e visitantes ao longo do ano. Por isso, depende-se do abastecimento externo, aliás, à semelhança do que acontece em São Miguel, a sua ilha.
Nas Flores produzem-se, além das vacas, porcos e galinhas, sobretudo poedeiras, que necessitam ser alimentados. Dada a finitude da ilha, além das condições nem sempre favoráveis, não se consegue produzir a totalidade das forragens que os animais; necessitam para se manterem com saúde e dignidade (creio que concorda que vacas, galinhas, porcas, cabras e gado cavalar têm direito a boa alimentação como qualquer outro ser vivo) dependem do fornecimento externo, uma vez mais, como na sua ilha, para se poder produzir carne que se consome na ilha e se exporta.
Os excedentes de animais que são vendidos, dada a finitude, localização e dimensão da ilha, têm de ser escoados por via marítima.
Como bem sabe, creio, por ser uma senhora informada, apesar a ilha das Flores ser das com mais condições adversas em termos de ventos e temporais, isso não significa que os habitantes sejam imunes a intempéries e quando as condições se agravam, há consequências. Tal como na sua ilha, em que as chuvas fazem a desgraça de levantar alcatrão e levam carros, nas Flores os estragos trazem desvantagens e adversidades às populações.
Recordo (mas acredito que sejam dados que serão sobejamente conhecidos por si e pelos seus) que nas Flores se vive num território sem hipermercados de cadeia fornecidos diretamente pelos armazéns das marcas, sem Hospital Central, sem ligações ao mundo exterior várias vezes ao dia, agravado pelo facto de que o aeroporto não está homologado pelas autoridades governamentais e aeroportuárias para receber voos noturnos e por amiudadas vezes por ano haver vários dias consecutivos sem voos devido aos fatores meteorológicos e técnicos da SATA (isso seria outra conversa).
Nas Flores está-se, sensivelmente, a 1900 km de distância do território continental, como sabe. Os florentinos estão, tal como é do seu conhecimento, por vezes, a mais de 24 horas de distância do território continental e a duas horas da sua ilha, após uma ou duas escalas.
A criação de gado bovino não é apanágio próprio da sua ilha, como deve saber, e por todo o território, incluindo as Flores, esta é uma atividade a que muitos cidadãos se dedicam. Creio que também sabe que esta prática é incentivada pelo Governo Regional ao subsidiar a pecuária bovina, sobretudo para o setor leiteiro e de corte, imagem que se tornou dos Açores. Isto redundou num desinvestimento a outros setores da agricultura, mas creio que me entende.
Vive-se nas Flores com pouco serviço clínico, que se resume, sem qualquer menosprezo pelos clínicos, enfermeiros e técnicos de saúde residentes, à Medicina Familiar, em que as especialidade são raras ou inexistentes, em que as instalações são antiquadas e deficientes, em que o desinvestimento dos Governos Regionais e da República tem sido negligente, puramente economicista, sem qualquer visão humanista ou social das populações. Não é apenas um problema das Flores, mas é um problema nas Flores.
Não é possível recorrer a serviços privados à distância de uma curta viagem de automóvel. Os poucos médicos especialistas que se deslocam à ilha fazem-no com uma frequências bastante baixa, quer no serviço público quer no serviço privado.
Os florentinos, isolados do mundo, por muito que as redes sociais permitam ver o que se passa “extra insulae”, sentem-se como filhos de um deus menor, enquanto que outros açorianos se sentem como filhos de um deus maior. Mas creio que me percebe.
Os florentinos lamentam as visões estereotipadas e preconceituosas, que por acaso podem constituir crime, que os outros açorianos têm a tendência a explanar. Como noutras situações, a falta de uma opinião informada, a falta de um real conhecimento das situações e das pessoas, faltas essas com frequência assistidas por uma sensação de se estar num Pedestal de Sapiência, sobretudo de quem não vive a realidade e tem na sua dispensa e frigorífico tudo o que necessita para o seu dia-a-dia, para de quem, sendo pessoa informada e bem-formada se esperaria uma visão mais cristã e caritativa, é motivo para se tecer um rol de comentários que vão cair mal e vão ser alvo de respostas que os receptores poderão ter como agressivas. Mas não tome a peito, afinal não se poderá nivelar por tal bitola.
Espero, pelo menos, ter tido a capacidade de lhe dar motivo para ponderar o porquê de as respostas aos seus comentários lhe parecerem agressivos e mal-educados.
Mas uma coisa lhe garanto, que os florentino não sabem, mas ao que vejo em São Miguel e na Terceira sabem. Rogo-lhe que passem esse saber e expliquem como se cultivam batatas, couves, cebolas e cenouras de forma instantânea, no Inverno e mais ainda como se faz para as culturas de Outono não serem danificadas pelas tempestades e furacões nessa altura.
Já agora, agradeço em nome dos florentinos a sua disponibilidade para ajudar as cantinas das escolas, o centro de saúde e os hotéis e restaurantes a criarem as suas hortas e quintais para se suportarem.
Aproveito, ainda, para lhe dar os parabéns pela excelente horta que a senhora cultiva e trabalha afincadamente para suprir as suas necessidades alimentares.
Já agora, apesar de algum desagrado de outros ilhéus, a ilha das Flores recebe muitos turistas (e isso seria motivo de outras discussões acerca da falta de lugares nos aviões para os residentes pagantes das viagens e não passageiros de reencaminhamento gratuito) que não trazem os víveres de casa quando cá vêm. Tenho em mim que fui esclarecedor.
Como disse no início deste texto, parabenizo-a pela sua coerência nos comentários, mesmo que vácuos de substância.
Votos de um Bom 2020″.
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- Avelina Dutra Cota Ahh, já guardei o post, pois não tarda está apagado e você bloqueada, tal como guardei os comentários, tão caridoso e cristãos, que essa “lady” fez aquando do Lorenzo…
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- Celina Lopes Tenho o prazer de conhecer todas as ilhas. E este texto descreve muito bem a ilha das Flores. A sua beleza não chega para a alimentar
- Helena Jose Vivo em São Miguel há quase 8 anos e,infelizmente, não conheço as flores mas sempre tive uma paixão imensa pelos Açores pelo que fico mortificada quando leio e ouço alguém falar da sustentabilidade ou a falta dela nas ilhas,principalmente do grupo ocid…See more
- Alvaro Hunter-Araujo Pão de Ló à antiga, sem fermento e com o cérebro meio fossilizado.
- Vera Mónica Correia Se o que aconteceu as Flores tivesse acontecido em São Miguel nem metade do tempo aguentavam! Sou de São Miguel e sei bem como são as coisas por cá. Gente rija realmente é nas ilhas mais pequenas do grupo ocidental. Bastante fustigada pelas intempéries…See more
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- Paulo Bettencourt
Excelente texto a solidariedade de todas as ilhas tem que estar acima de tudo e todos afinal somos um arquipélago e temos sofrido todos na pele todo o tipo de problemas bem haja para os nossos conterrâneos Florentinos.
Comentários
Um comentário a “uma explicação de um habitante das Flores para os que desconhecem a realidade da ilha”
Cara açoriana, muito obrigada pelo magistral texto a relatar a vida das menos protegidas. As ilhas, uma a uma deviam ser protegidas e desenvolvidas com o mesmo empenho e respeitando a especialidade de cada torrão de basalto abraçado pelo Mar.