uma crónica mogadourense Francisco Madruga

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Mês de agosto, mês de férias, mês da família.
Anda por estes dias uma azáfama doentia pela minha terra. Parece que temos que fazer tudo este mês. A Pandemia vai condicionando tudo e todos. As Festas às Padroeiras estão canceladas e mesmo a Festa maior, a da Senhora do Caminho, tem decorrido com os cuidados necessários. Lugares sentados e distanciamento, tem marcado as realizações promovidas pela Comissão de Festas.

Parabéns

a todos quantos contribuíram para que tudo decorresse em segurança.

Hoje, já nada é como dantes.
Antigamente, saíamos da Aldeia em ranchos de pessoas, que pela sombra dos freixos e olmos percorriam a distância até à Vila, que quase começava junto à Capela da Senhora do Caminho. Pelo caminho, poderíamos encontrar o senhor António do “curral”, cantoneiro de profissão, que mantinha as bermas das estradas devidamente limpas. Que falta fazem os cantoneiros nos dias de hoje!
O tempo passava-se em conversas de circunstância e combinavam-se os encontros.
Muitos iam cumprir promessas recentes, outros tinham sempre a mesma promessa e a mesma Fé.
O meu avô, por exemplo, levava o rebanho das ovelhas que entravam no recinto da Alameda e davam voltas à Capelinha. Quando alguma entrava, estava cumprida a Promessa. A ovelha era para a Senhora do Caminho.
Muitas das Promessas, tinham a ver com a famigerada Guerra Colonial.
Os pais, com os filhos ausentes, agarravam-se aos aerogramas, às cartas e às Promessas. As cartas e aerogramas, eram lidos por alguém que tivesse algumas letras. O analfabetismo era a palavra de ordem.
Conta-se, aliás, que a minha tia Helena fez uma Promessa pelo filho que andava na Guerra Colonial em Moçambique. Regressado da sua comissão, foi confrontado com a Promessa da mãe que consistia em levar o andor da Senhora do Caminho com um saco de trigo de 50 kgs ao ombro.
Começou a Procissão que deu a volta à Vila. Lentamente, ao som da Banda de Música, acompanhada a cavalo pela GNR e devidamente enquadrada por uma multidão que se apinhava nas ruas para participar nas cerimónias. Mordomos, padres, senhores da terra, povo anónimo, engrossava o cortejo engalanado e devoto. os foguetes rebentavam no ar. Rezava-se, ajoelhava-se e faziam-se preces.
O andor da Senhora do Caminho voltava a entrar na Capela com um rebombar de foguetes e muita emoção.
Cumprida a Promessa, o filho diz à mãe:
– Para a próxima, quando fizer uma Promessa, veja se promete uma coisa mais simples, não chegou andar na guerra e ainda tenho que carregar com 50 kgs de trigo!
A Fé movia a multidão.
Para fazer horas, as famílias iam ocupando lugar nas Eiras, estendendo as mantas, abrindo as cestas com a merenda.
Durante a tarde, vinha o jogo de futebol. No campo pelado, soltava-se a bola e o verbo com os impropérios próprios da bola.
Era um campo cheio de vida, de praticantes, de dirigentes, um campo que juntava e dinamizava. Hoje, temos um complexo desportivo, mas não temos uma equipa de futebol de 11, não temos clube, não temos miúdos, não temos gente.
Á noite, vinha o arraial. O conjunto atacava as primeiras valsas, faziam-se os pares.
Conta-se igualmente, que numa dessas festas se juntaram 3 famílias, a minha, a do tio Camilo e da tio João Gomes. Uns mais novos, outros mais velhos. O Eduardo Gomes era muito conhecido e um dos galãs lá da terra. Não havia moça que não quisesse dar uns passos com ele, fosse nos bailes do Convento, em Ventuzelo ou no arraial da Senhora do Caminho. Conta-se, dizia eu, que o Lalo e a Graça, os mais novos, se agarraram no baile.
O rapaz ficou tão entusiasmado que veio a correr para o cabeço e atirou ao pai da Graça:
– Tio Camilo a sua Graça já cá canta no papo!
Ainda hoje se repete o dito quando se encontram.
Depois do fogo, à meia noite, era o regresso a casa. Contentes por terem cumprido as suas Promessas, por terem revisto a família de outras aldeias, por abraçarem aqueles que labutavam fora de Mogadouro. O caminho era feito às escuras, não havia luz, ocasionalmente as estrelas ou a lua iluminavam os passos. Não havia transportes mas havia gente. Hoje, temos uma Central de Camionagem mas não temos autocarros nem pessoas.
Era uma malta muito unida lá na Aldeia, percorríamos as festas todas de verão. O Abílio Geraldes, o Manuel “bigodes”, a Helena, o Chico Figueira, o Manel Figueira, o Eduardo Gomes, a Isabel Gomes, a Cândida, a Josefa, o Altino, a Adelaide, o Francisco Jarnalo, a Teresinha Morais, a Conceição Madruga e tantos outros que talvez me tenha esquecido.
As festas e as atividades noturnas para descascar amêndoa ou desbagar feijão permitiam unir.
Hoje, por hoje tudo é mais volátil e até nem preciso de estar convosco para vos contar estas histórias.
Aos meus mestres de infância, Casimiro Oliveira, Cónego Nogueira Afonso.
Ao Cónego Belarmino Afonso, pela sua sabedoria e cultura.
Ao Cónego Dino Parra, por ter permitido a minha participação na Comissão que liderou a recuperação da Igreja da minha Aldeia e ao Dr. António Guilherme Moraes Machado que teve o engenho de convencer o Secretário de Estado para libertar as verbas necessárias.
Hoje, por hoje, os nossos cafés, restaurantes e alamedas estão cheios de mogadourenses que regressam à terra para comemorar a Senhora do Caminho ou por simples tradição.
As nossas rotundas estão engalanadas, bem como as aldeias, com vistosos outdoors que nos vendem imagens e ilusões mas que não transmitem ideias nem futuro.
Sentado no muro do Centro de Saúde, enquanto converso com taxistas, aqui ainda não chegou a UBER, vou assistindo à novena que decorre na Alameda.
Uma carrinha estaciona junto à rotunda, lá dentro, jovens aguardam não sei porquê.
Acaba a novena, os jovens saem da carrinha, carregam um mupi que prendem diligentemente no poste da eletricidade.
Aproximo-me e pergunto se precisam de alguma coisa. Respondem que não, apenas estão a repor o mupi que lhe roubaram na noite anterior. Lembrei-me de uma situação dos anos 80 no Café Flórida em Bragança. Pela noite alta, alguns jovens colavam cartazes, um notívago interpelou os jovens e incentivou-os a continuarem a lutar pelos seus ideais. Sacou de uma nota do bolso e ofereceu a sua contribuição. Ontem, apeteceu-me sacar uma nota do bolso e dar uma contribuição para pagar o mupi roubado.
Bom trabalho Amigos e continuem a lutar pelos vossos ideias.
Terras de Trindade Coelho, 28 de agosto de 2021
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