um saquinho de jinguba

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Um Saquinho de Jinguba
Já estive em diversos restaurantes em Angola. A maioria foi esquecida, alguns ficaram bem vivos na memória, como havia ficado na boca o sabor do que havia comido e gostado. Uma dessas vezes foi num restaurante na Chicala, em Luanda, onde o mufete, com o peixe escolhido à chegada, tinha um sabor óptimo, que se reavivou com uma fresquíssima cerveja cuca. Também na Barra do Cuanza, no restaurante dos Mangais, com o rio a passar por baixo dos pés e a refrescar o ambiente, a moamba de galinha e outros pitéus souberam sempre bem, sobretudo porque aquela edílica paisagem criava logo disposição para gostar do que nos serviam. Mas nada se compara com o peixe grelhado de Adriana, acompanhado de banana e mandioca fritas e salada de tomate e pepino, tudo cortado em pedaços muito pequenos, que faz da mesa do meu primo Beto, no Kilamba, merecedora de umas estrelas Michelin. A estas estrelas poderíamos juntar as que deviam cair sobre a cozinha e mesa do meu amigo Óscar Gil, no seu oásis da Mucanca, no Lubango. Com a recordação de D. Ema, sua mãe, a tutelar aquele espaço, Mena e Mizé afadigam-se no preparo dos lombis de folha de cará, de folha de abóbora, de espinafre e, no topo destes esparregados, o que é feito com a flor rubra do aloés, o ekundu, que na família do Óscar Gil, vá lá saber-se porquê, é designado por makaka. O leite azedo, no qual se mergulha pedaços de pirão ainda morno, comido em prato fundo, é um momento especial para um filho deste sul de Angola, terra de povos pastores, em que o gado é a principal ocupação e riqueza. O leite, meticulosamente azedado na hupa e transformado em malulu, vai o Óscar Gil buscá-lo à Yoba, no outro lado do rio Tchimpumpunhime, a uma família amiga que produz leite azedo de toda a confiança. É na Yoba, onde ainda se ouvem as rolas, os cutipongos, os tchirikuatas e os potos (infelizmente os cuéles desapareceram) que ainda subsistem algumas das casas de velhas famílias, que ao fazerem o leite azedo, lhe emprestam um sabor especial, herdado de tempos antigos, quando este tipo de leite fazia parte do que se comia nas nossas casas.
Mas falta falar da jinguba, de um simples saquinho de jinguba que deu corpo ao título e que me motivou a escrever este texto. Pois, um amigo meu, Kim Silva, no final da minha última estadia de um mês em Angola, a maior parte dos dias passados a Sul, no Lubango e na Chibia, fez chegar às minhas mãos, no dia da minha partida para Luanda, um precioso pacotinho de jinguba. Tinha sido Henriqueta, a sua cozinheira, a torrá-la de propósito para mim, depois de me ter ouvido dizer que a jinguba que se comia naquela casa era a mais deliciosa que eu havia provado. Esta senhora, talvez seja a última das grandes cozinheiras do Lubango que junta, a uma experiência colonial de acepipes de origem europeia, uma profusão de pratos africanos. Disso me apercebi quando fui amavelmente convidado para almoçar em casa do Kim. E a jinguba que comi, como aperitivo, acompanhada de um gin tónico com um leve tique a nombe, tinha sido preparada, havia pouco, por Henriqueta. Era toda de tamanho regular e pequeno, com sabor e odor concentrados e muito agradáveis. Nada de paracuca, que, quanto a mim, só serve para transformar a jinguba num kitute que faz desmaiar o sabor forte da jinguba com o doce do açucar caramelizado que a envolve. Lembro-me de a jinguba ser comida por nós em crianças, simples ou em nógado (que era como dizíamos, numa adaptação do estrangeirismo nogat), e ser frequente os adultos pedirem-na nos bares para acompanhar as frescas cervejas da altura, a velha cuca (que ainda existe), a loira tropical eka (que parece ter desaparecido) e a chicoronha ngola (que resiste), esta feita com a leve água da Chela. A jinguba, nesse tempo, era torrada em lume brando no tchirindo, uma tigela de barro, feita pelas oleiras locais, que aquecia por igual e que, por isso mesmo, torrava a jinguba de maneira uniforme. Para além disso, o tchirindo dava-lhe um gosto especial, talvez por causa do rasto que os grãos de café deixavam ao serem torrados nele. Quando era criança, lembro-me de comer uma espécie de kifufutila, doçaria mais ao gosto da miudagem e que era uma mistura de farinha de jinguba e açúcar, um kitute mais pobre do que o seu congénere do Norte, que à jinguba moída juntavam farinha de mandioca, açúcar e canela. Já a kitaba, pasta feita de uma mistura de jinguba, jindungo e sal, não era conhecida na mesa sul angolana. Quanto à paracuca, era a mesma coisa. Não me lembro dela a acompanhar a cerveja, quando hoje dizem que surgiu do acto de pedir um acompanhamento “para a cuca”. Será? Talvez! E parece ter sido inventada em Luanda, a cidade capital de Angola e da paracuca, pois até há uma banda, nascida nos anos 90 do século passado, que inspirada nesta doçaria se deu a conhecer por “Malta da Parakuka”. Quanto a mim e para a cuca, nada como a jinguba torrada por Henriqueta em casa do Kim, no Lubango.
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Tomás Gavino Coelho

O cará… dito assim sabe muito melhor do que a batata doce. 😁
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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