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Um concurso cruel, um ministério podre Por Santana Castilho in Público
Escrevo imediatamente após o encerramento do concurso de colocação de professores, designado por Bolsa de
Contratação de Escola, roleta russa absurda que ditou o caos do início do ano
escolar transacto, com milhares de alunos sem aulas por mais de um mês.
A evidente subjectividade dos critérios da edição deste ano (onde é possível a
formatação de lugares por medida) dará uma cascata de ultrapassagens injustas
de uns candidatos por outos, numa autêntica corrida de sobrevivência, marcada
pela incompetência de um ministério podre.
Para um exíguo número de vagas, estamos em presença, uma vez mais, de uma lista de critérios imbecis,
com que se pretende mascarar o único indicador sensato que poderia trazer um
mínimo de seriedade e exequibilidade ao processo: a graduação profissional dos
candidatos.
Para um exíguo número de vagas, antecipa-se um monumental número de reclamações, que terão por corolário
um previsível atraso na colocação de professores, embora de menor dimensão
relativamente ao que se verificou no ano passado.
Num inaceitável prazo de quatro dias úteis (22 a 27 de Julho, com um sábado e domingo de permeio), as
escolas foram literalmente inundadas com pedidos de declarações de comprovação
de dados, que os candidatos deveriam inserir na plataforma informática, através
da qual concorriam.
É impossível conceber um quadro de respostas correctas para os parâmetros com que os candidatos foram
confrontados. Quem foi prudente perante a constância das dúvidas (caso, por
exemplo, da formação contínua creditada) e não arriscou vir a ser confrontado
com “falsas declarações”, prejudicando-se, poderá ser ultrapassado por outros,
mais ligeiros na interpretação dos dados.
Como resolver a impossibilidade (real) de comprovação atempada de circunstâncias (cargos e
realizações), declaradas de boa-fé, há uma dezena de anos?
O exercício do cargo de director de turma foi ponderado de modo diferente em escolas diferentes.
Face à ausência de um quadro inequívoco de referência, a interpretação do que devia ser considerado
“outras formações relevantes”, para cada grupo de recrutamento, tornou-se uma
charada.
A desproporcionalidade entre funções exercidas é evidente (vale mais ser “coordenador”, por um dia, de
um projecto inserido no Plano Anual de Actividades, que “colaborador” ou “participante”
em vários, por toda a vida).
Uma “experiência” em projecto TEIP poderá valer uma colocação em 2015-16.
Este concurso, de complexidade inaudita, foi um escaparate de crueldade burocrática, que sujeitou
milhares de cidadãos a processos tresloucados. O surreal esclarecimento
prestado pela Direcção-Geral da Administração Escolar, sob a forma de “Aviso”,
escassas horas antes do respectivo encerramento, depois de assistir
passivamente à confusão instalada, prova-o para a posteridade.
Ao defender a BCE, com as repercussões que ela tem na vida dos professores que não têm influências ou
cartão partidário, Nuno Crato devia responder ao que nunca respondeu:
– No contexto presente, com uma procura esmagadoramente superior à oferta, que instrumentos, em sede de
BCE, garantem a contratação dos mais habilitados e experientes e a equidade no
acesso ao emprego público, que a Constituição protege?
– Que dados concretos, que não impressões subjectivas, que disfuncionalidades objectivas aponta ao
sistema, quando se contrataram os professores com base numa lista nacional,
ordenada segundo a graduação profissional?
Mas este é tão-só um epifenómeno de uma estratégia política de degradação sócio-económica programada
de uma classe profissional, demasiado numerosa e heterogénea para se unir
eficazmente, com salários definitivamente reduzidos, progressão na carreira ad eternum suspensa e,
agora, sob o cutelo contínuo da “mobilidade especial” e da “municipalização”.
Insidiosamente, a conflitualidade e a sobrevivência impuseram-se como modus vivendi
predominante nas escolas. O objectivo de muitos, ante a pressão psicológica e
emocional a que estão sujeitos (recorde-se, a propósito, um recente estudo de
investigadores do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, onde é referido
que metade dos professores portugueses sofre de stress, ansiedade e exaustão),
é manter o salário a troco de subserviência hierárquica pouco digna.
Quando Nuno Crato puxou pela cabeça para ver como implodiria o ministério que sempre criticou, tinha
duas soluções: ou motivava os professores, dignificando-os, ou
proletarizava-os, balcanizando-os. Escolheu a segunda opção, a mais fácil, a
que já vinha de trás. Precarizou-os, fiscalizou-os e limpou-os da última réstia
de autoridade, dizendo, cinicamente, que lhes dava autonomia acrescida. Não
implodiu a casa que hoje comanda. Apodreceu-a.
In “Público” de 29.7.15