UE E A TRAPALHADA DAS VACINAS

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Na Comissão Europeia conseguem dormir à noite?
A Comissão Europeia começou por convencer os Estados membros a centralizar as compras de vacinas contra a covid-19.
A opção, independentemente das questões técnicas e jurídicas que possam existir em seu favor, parecia ter alguma lógica política: ir aos fornecedores falar em nome de 450 milhões de pessoas em vez de ter 26 países a competir separadamente pelas suas fatias seria um bom instrumento de negociação.
Poucos se atreveram a contrariar este raciocínio.
Há também o problema da validação científica da entrada das vacinas no espaço europeu: estar esse processo centralizado numa única entidade – a Agência Europeia do Medicamento – também parecia ser um procedimento pacífico entre os governantes europeus.
Ora, a capacidade negocial da União Europeia sobre as farmacêuticas que escolheu como fornecedoras de vacinas focou-se, percebe-se agora, em conseguir o maior número de vacinas possível ao mais baixo preço possível, em vez de se focar no que era necessário: o fornecimento mais rápido possível de vacinas, independentemente do custo.
Por outro lado, decidiu-se logo à partida não adquirir vacinas à Rússia, apesar de a Sputnik V ter sido a primeira no mundo a ser registada.
Foi, aliás, posta sob enorme suspeita a sua qualidade.
Na verdade, comprova-se agora que a vacina russa, a Sputnik V, tem uma elevada percentagem de eficácia, acima de 91%, e é tão segura como as outras.
Por outro lado, as farmacêuticas contratadas pela Comissão Europeia só entregaram as vacinas para aprovação na Agência Europeia de Medicamento semanas depois de o terem feito nos organismos similares dos Estados Unidos da América, Inglaterra, Israel e vários outros países – e na União Europeia isso passou sem queixa que se visse.
Ainda por cima, a agência europeia está a ser lenta a fazer as suas aprovações – aliás, nem compreendo como é que o processo não é naturalmente acelerado, dadas as aprovações entretanto feitas por outros reguladores de medicamentos no mundo, tão ou mais credíveis do que os organismos europeus.
Quando a Hungria, ao perceber que não podia contar com a União Europeia para resolver o problema do fornecimento de vacinas à sua população, resolveu pôr o seu regulador de medicamentos a aprovar a vacina russa e uma das vacinas chinesas – a da Sinopharm -, a Comissão Europeia teve de engolir em seco: limitou-se a dizer que esta atitude da Hungria não era ilegal, mas era “imprópria”.
Nesta semana, a Alemanha está a discutir a compra da vacina russa, e o seu ministro federal da Saúde, Jens Spahn, já disse que “independentemente do país em que a vacina é fabricada, se forem seguras e eficazes, podem ajudar a lidar com a pandemia”.
A única coisa que ele pede é que elas sejam aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento – o que, dada a experiência anterior, é capaz de demorar…
Estamos muito concentrados em cobrar ao nosso governo todas as falhas do combate à pandemia.
Fazemos muito bem: manter a pressão acelera a solução dos problemas.
No final logo se fará o balanço mais racional e distanciado sobre a atuação do governo – e isso incluirá a apreciação sobre como António Costa lidou com a incompetência da Comissão Europeia.
Estamos, porém, muito pouco preocupados em fiscalizar o trabalho de quem acabou por ficar com o poder de decidir o destino desta pandemia na União – a Comissão Europeia.
Essa falta de pressão sobre as autoridades europeias vai ser fatal para milhares e milhares de pessoas.
Foram os estadistas europeus que nos disseram: o combate à pandemia é uma guerra.
Haver algumas dezenas ou centenas de pessoas que se vacinam à frente de quem, no meio desta guerra, devia ter prioridade é uma vergonha – nem sei como elas dormem à noite.
Faltarem vacinas na Europa porque a União Europeia quis poupar dinheiro nos contratos e porque deu prioridade à geopolítica em vez de a dar à salvação de vidas é muito mais do que uma vergonha, é, para a lógica bélica desses mesmos estadistas, um crime de guerra – por mim, nem sei como na Comissão Europeia conseguem dormir à noite.
Pedro Tadeu.
Jornal Diário de Notícias, 3 de Fevereiro de 2021.
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