turismo no pico

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May be an image of mountain and text that says "VENDE-SE For SALE"

E na Edição 999 do JP, de 30.06.2023, o número 12 da série e ÚLTIMO!!!! Suspirem de alívio. Por agora… terminei.
TURISMO SUSTENTÁVEL NO PICO OU A GALINHA DOS OVOS DE OURO?
Florêncio Moniz
(12) TURISMO NO PICO: OS OVOS DE OURO OU OS OVOS GOROS?
Como conclusão, reflicta-se sobre o que faz do Pico um local de excelência, para quem cá vive e para quem nos procura. E tirem-se ilações.
Em primeiro lugar, a beleza natural, diria eu. Feita de tanto verde, tanta rocha bruta, tanto mar… Em segundo, a atmosfera serena, que vem da paisagem, mas também das suas gentes, o ritmo lento, calmo, com tempo para tudo, menos para perder tempo em coisas supérfluas como viagens longas com trânsito ininterrupto, impossibilidade de usufruir disto ou daquilo, porque superlotado, esperas desesperadas em filas… Em terceiro, a natureza acolhedora e generosa da população… Em quarto, a cultura das ilhas, um misto de lá fora (a nossa experiência de emigrantes e aventureiros pelo mundo) e cá dentro (inventando sempre modos de ultrapassar o insulamento e de nos projectarmos para lá de nós), de velho (nas suas tradições e usos herdados de tantas gerações, com uma experiência de vida única) e de novo.
Imagine-se que, em vez da paisagem que hoje temos, onde a habitação se dispersa em pequenas manchas ou em casas perdidas no meio da intensa malha verde e negra, passamos a ter casas de todo o tipo, totalmente descaracterizadas, densamente distribuídas pelo que hoje é do domínio da natureza…
Imagine-se que a atmosfera serena passa a uma mera lembrança, com gente a correr sem tempo para nada, com restaurantes, cafés, e outros locais de lazer, pontos de interesse, bens e serviços apinhados…
Imagine-se que, farta de estranhos que ocupam todo o espaço, lhe roubam a paz de espírito de que usufruía, a qualidade de vida de que dispunha, a serenidade de uma vida diferente do resto do mundo (por isso atractiva), a população se cansa de turistas e deixa de ser hospitaleira…
Imagine-se que a memória não consegue guardar e reconstruir a nossa cultura de modo a oferecê-la às novas gerações e aos novos habitantes e visitantes…
O que sobra? Para residentes e turistas? NADA! Pelo menos nada atraente, nada único, nada que nos possa beneficiar ou atrair quem antes nos procurava. NADA!
E para quem pensa que exagero, frise-se que nada disto é novo. Acontece todos os dias pelo mundo. Não vale a pena fazermos o papel da avestruz e não aprendermos com os erros dos outros.
Já aqui falei das Bahamas e de Berlim. Podia ter falado de Lisboa, onde o esvaziamento da população original tem contribuído para a descaracterização dos bairros mais emblemáticos, com inquilinos despejados para que os edifícios deem lugar a alojamento local. Referi as preocupações dos habitantes de São Miguel, já vítima de algum sobreturismo, como testemunham muitos turistas que, depois daquela ilha, vêm ao Pico. Podia ter falado do Algarve, o nosso pior cenário.
Deixo ainda o exemplo recente da costa alentejana, mais precisamente de Grândola (essa mesma, a vila morena da nossa libertação). No podcast “Comissão Política” de 25.04.2023 (o tal dia simbólico), o jornalista Vítor Matos (natural de Grândola) comentava a aprovação, por aquela autarquia, de oito empreendimentos turísticos para a costa, com diversos campos de golf e alojamento para uma população flutuante com o dobro da carga da população existente. Tudo com estratégia maquiavélica: em vez de analisados em conjunto, os oito projectos foram avaliados individualmente… como um empreendimento é suportável, é aprovado. E assim sucessivamente, de um em um – oito projectos aprovados, sem noção do seu impacto e das consequências. O mais chocante, diz o jornalista, é o facto de a Câmara ser da CDU, que, pelos princípios defendidos por comunistas e verdes, devia ter todo o cuidado com o ordenamento do território, com a salvaguarda do ambiente e das populações e com o não-alinhamento com “capital sem rosto”. E acrescenta: “havia ali um paraíso e nós, que vivíamos lá, vivíamos no paraíso e não sabíamos e aquilo vai acabar. Há ali uma desestruturação completa e uma destruição completa de algumas comunidades e populações.”
No Pico, prevê-se a construção de um complexo na Terra Alta, com 42 habitações, de financiamento libanês. Constou-me haver interesses da Arábia Saudita e de Israel em investir na ilha, provavelmente notícias sem fundamento. Boatos ou não, o facto é que dinheiro fácil soa estranho, “sem rosto” ou “com testas de ferro” soa a perigoso, e interesses desse canto do mundo em relação a este (re)canto do mundo cheiram a esturro. Mas, como sempre, o dinheiro fala mais alto.
Quanto ao que é importante fazer, e voltando às Metas da Estratégia Turismo 2027, referidas no artigo (6), colocaria a ênfase em três investimentos necessários no imediato, para que haja “crescimento em valor”: (i) combate à sazonalidade, diminuindo o fluxo em época alta , diluindo a “invasão” de visitantes ao longo do ano e tornando a pressão “exterior” menos agressiva para turistas e residentes; (ii) investimento na formação em diferentes áreas do turismo, nomeadamente na restauração, oferecendo maior qualidade aos visitantes, e também aos locais, formando profissionais eficientes e, necessariamente, bem pagos, que tragam estabilidade ao sector; (iii) garantia de que a qualidade de vida das populações não é afectada e de que o seu acesso aos bens e serviços não fica em risco, sobretudo em época alta. Quanto à gestão ambiental, penso que está acautelada em grande medida.
A aposta em recursos e actividades que não dependam do bom tempo e da estação do ano será o caminho a seguir. Mais festivais, eventualmente de cinema e teatro, de gastronomia e música e a criação de residências artísticas podem ser uma via. As Rotas Açores, que não se percebe se morreram no ovo, seriam parte da solução, já que abrangem um nicho de mercado vocacionado para o turismo cultural e de natureza, adaptado a todo o ano.
Antes de terminar, duas notas de esperança: (i) a decorrer uma Petição Pública, sobre “O desenvolvimento turístico desequilibrado e a especulação imobiliária insustentável nos Açores e na ilha do Pico”, uma iniciativa de um grupo de cidadãos de Santo Amaro do Pico – a assinar; (ii) a 12 de Abril, foi apresentado o projecto INTERREG-ECO-TUR II, iniciativa da Câmara Municipal de São Roque que visa “criar um produto que auxilie de algum modo a redução da sazonalidade”, dirigido a nómadas digitais, para as épocas média e baixa. Não chega, mas é um início.
Na sessão, foi bom ouvir do Presidente da Câmara estas palavras: “Não há turismo de sucesso se a população local não estiver satisfeita.” Que seja esse o seu lema e a sua bússola!
Termino com a esperança de que alguém possa encontrar neste trabalho um motivo de reflexão e um estímulo para fazer mais e melhor… ou talvez menos, porque, por vezes, menos é mais.

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