TURISMO E CULTURA NOS AÇORES

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TURISMO E CULTURA…

O turismo, seja do ponto de vista de quem recebe, de quem organiza ou de quem promove, tem muito de invasão.
Não usa armas letais, mas tem um impacto, profundo e duradoiro, aos mais diversos níveis.
Nada fica como dantes, independentemente do número de turistas a visitar um local ou uma comunidade. Porque todos somos portadores de uma certa forma de ver as coisas e, desde que entremos em contacto com alguém, todos ficamos diferentes. Nós e os outros.
Por outro lado, um turista nem sempre é uma visita. Aliás não costuma sê-lo, mas há que o transformar nisso, sempre que possível. A diferença nem sequer é subtil. Uma visita tem algum grau de amizade, um turista habitualmente não tem. Uma visita não costuma pagar, um turista paga e, porque paga, sente-se no seu natural direito de receber, em troca, aquilo que acredita que comprou.
Venho com isto tudo porque temos turismo nas ilhas e convém que tenhamos. Por razões económicas, culturais, políticas e sociais. Económicas porque a entrada de dinheiro é boa para as contas; culturais porque recebemos gente diferente, com ideias diferentes e isso areja o pensamento; políticas e sociais porque, de facto, o turismo, apesar das características de invasão, também pode ser um caminho de construção da paz, e precisamos disso, neste mundo actual. Nada é melhor, para um ser humano, do que perceber que não está sozinho no mundo, com problemas que julga só seus.
É por isso que o envolvimento de todos os interessados é fundamental. É por isso que ninguém deve ser afastado dos circuitos por onde o turismo passa.
Porque ele vem ter connosco, e, com poucos ou muitos visitantes, com poucos ou muitos industriais, o resultado será sempre o mesmo, se deixarmos as coisas nas mãos de outros: A vida muda sem a gente perceber, as coisas alteram-se, devagarinho ou depressa, e, um belo dia, tudo mudou!
A questão também não pode ser resolvida criando zonas estanque, do tipo “turistas e profissionais de turismo” para um lado e “nós que vivemos aqui e não queremos ter nada a ver com isso”, por outro. Deixá-lo à solta é que não!
É essencial, portanto, uma perspectiva agregadora, sobretudo num território como os Açores, onde a nossa vida e a nossa cultura são feitas dos impactos sucessivos de ondas, planetárias, de mudanças e choques, ao longo de cinco séculos de vida.
Daí que os agentes culturais não se podem alhear desta dinâmica, nem ser vistos ou tomarem-se como adversários dela. Porque ela é, além de económica, profundamente social e cultural. Porque a cultura é recriação constante. Altera-se e vive, precisamente, de todos os contactos que a rodeiam.
Temos, TODOS, de conhecer aquilo que entendemos por raízes e vivências culturais nossas. De as estudarmos, de as vivermos. De percebermos como podem continuar a existir ou modificar-se sem se destruir. Só assim poderemos saber até que ponto, em que quantidade e como, temos condições de partilhar.
Só se partilha o que se conhece e só assim se pode transformar um negócio, com o impacto de uma invasão, em troca cultural, benéfica para todos.
(in Diario Insular Sábado 2 de Março)