TOMÁS QUENTAL · Não confundir o bom povo do Continente e as elites dirigentes de Portugal

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Não confundir o bom povo do Continente e as elites dirigentes de Portugal

Na minha vivência de mais de 30 anos no Continente português, aprendi, entre outras coisas, a distinguir o bom povo continental e as elites que governam Portugal. Os açorianos não se devem queixar do povo irmão do Continente, tão maltratado muitas vezes como as populações insulares pelas elites dirigentes do país, independentemente dos regimes e das ideologias. O principal mal deste país está em Lisboa, não na cidade propriamente, que é bela e acolhedora, mas em quem ocupa as instituições nacionais, instaladas precisamente na capital. O interior do Continente está abandonado, desertificado, entregue à sua sorte. As elites dirigentes praticamente só valorizam as grandes cidades. O resto é “paisagem” ou “arredores”. No meio do povo do Continente, que trabalha, que sofre e dá vida e alma a Portugal, sinto-me muito português, sem deixar de me sentir muito açoriano. Não há qualquer antagonismo neste meu sentir. De resto, só me sinto açoriano porque sou português, tal como só me sinto português porque sou açoriano.
Vem tudo isto a propósito da teimosia inexplicável do primeiro-ministro, António Costa, em não permitir o encerramento do espaço aéreo açoriano para voos do exterior, ignorando um pedido do Governo Regional dos Açores nesse sentido, para preservar o mais possível as ilhas da contaminação do coronavírus. António Costa, estranhamente, alega que a TAP tem que voar para os Açores, para assegurar a “continuidade territorial” do país, como se tal estivesse em causa. Que limitação de pensamento! António Costa deveria era preocupar-se com a “continuidade territorial” do Continente, onde, como disse e todos sabem, as terras do interior estão abandonadas, desertificadas e entregues à sua sorte, porque os Governos nacionais, independetemente dos partidos que os suportam, dão atenção é aos grandes centros urbanos e às áreas metropolitanas, porque é aí que vivem mais pessoas e, logicamente, é onde podem angariar mais votos. A estratégia tem sido sempre esta: errada, oportunista e mesquinha.
Os Açores não vão esquecer a atitude do primeiro-ministro em insistir que a TAP continue a “despejar” pessoas de várias proveniências no arquipélago, com todos os riscos inerentes, na presente situação, para as populações insulares. E nem acata o pedido do Governo Regional, mesmo sendo do mesmo partido, o PS. Mas o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não fica atrás nesta “ofensiva” institucional contra os Açores, como contra a Madeira, também. Chamar a Lisboa os Representantes da República nas duas Regiões Autónomas para lhes dar as ordens que têm que aplicar nos arquipélagos durante o estado de emergência é de uma infelicidade atroz, porque desde logo há meios de vídeoconferência e porque é uma desautorização dos Governos Regionais, eleitos pelas populações açoriana e madeirense, enquanto os Representantes da República, que serão respeitados enquanto existirem, isso não está em causa, são figuras de mera nomeação política e que, numa democracia consolidada e num sistema autonómico alicerçado no constitucionalismo português, já não fazem qualquer sentido. São apenas motivo de despesa para o Estado!
De vez em quando, os açorianos estão sujeitos a estas atitudes lamentáveis das elites dirigentes instaladas em Lisboa, que em si mesma não tem qualquer responsabilidade na matéria, como é óbvio. Já o antigo Presidente da República Cavaco Silva teve o desplante de fazer uma comunicação ao país em pleno Verão para dizer que estavam a tentar introduzir na Assembleia Legislativa dos Açores uma alteração ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma que colocava em causa a unidade do Estado Português. Falou de tal modo grave que até parecia que havia uma rebelião no arquipélago.
O actual líder do PSD, Rui Rio, do mesmo modo ofensivo, aquando das últimas eleições para o Parlamento Europeu, disse que os Açores valiam apenas 12 mil votos, considerando que tal não era uma “fortuna”, o que confirma que as elites dirigentes do país só olham para os grandes centros urbanos do Continente, porque aí, sim, há “fortuna” de votos a conquistar. Diogo Freitas do Amaral também uma vez fez uma declaração a dizer que a Aliança Democrática não precisava dos deputados dos Açores e da Madeira para ter maioria na Assembleia da República.
Mas a “coisa” não fica por aqui, porque o antigo primeiro-ministro Passos Coelho, numa crise sísmica no arquipélago e perante um pedido de ajuda do Governom Regional para fazer face aos prejuízos, disse para recorrerem à banca. Fez-me lembrar o que respondeu o antigo presidente do Conselho (de Ministros), cargo hoje designado de primeiro-ministro, Oliveira Salazar, quando em 1957, se não estou em erro, em pleno Estado Novo, ocorreu um grande temporal no arquipélago que destruiu a maioria das estufas de ananases na ilha de São Miguel. Recusou qualquer apoio aos produtores, o que causou problemas diversos e graves, porque esta cultura ocupava na altura muitos trabalhadores agrícolas. Nessa altura, como sabem, ainda não havia Governo Regional. O resultado foi que muitas estufas nunca foram reconstruídas, porque os proprietários não tiveram qualquer possibilidade para tal.
Muitas outras desconsiderações das elites dirigentes do país podiam ser aqui referidas, causando uma portugalidade ferida na mente e no coração dos açorianos. Mas mais uma vez eu peço aos meus conterrâneos, ao povo heróico e resistente das ilhas açorianas, que há mais de 500 anos luta e sobrevive ao isolamento, às forças da Natureza e ao esquecimento dos poderes centrais, para não confundirem o bom povo do Continente e os políticos de vistas curtas que gue têm governado este nosso Portugal, ocupando belos palácios, com todas as mordomias, mas esquecendo muitas vezes a realidade da maioria do portugueses, do Minho ao Corvo, que acredita, ama e trabalha com a esperança de um país melhor.

Comentários

Um comentário a “TOMÁS QUENTAL · Não confundir o bom povo do Continente e as elites dirigentes de Portugal”

  1. Avatar de Ana Franco
    Ana Franco

    Um esboço de Mestre da realidade, nas relações totalitárias , entre o continente e os AÇORES.