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Antonio Sampaio is with Sergio Lobo and Rui Araújo.
O CASO DO CONTÁGIO DOS PROFESSORES – ALGUMAS NOTAS
O SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, é um coronavírus complicado, com muitas dúvidas ainda entre a comunidade científica sobre vários aspetos da sua natureza. Prazos de incubação, o facto de pessoas em contacto próximo não se contaminarem e a existência de um número indefinido de casos assintomáticos, eventualmente o principal vetor de risco, são algumas das questões que causam debates e suscitam dúvidas. Soma-se a isso teorias de conspiração, incertezas sobre condições de contágio, medos, ansiedades e demais e alguma falta de informação.
Daí que penso que seja oportuno detalhar alguns factos e eventuais questões adicionais no que toca ao caso dos docentes portugueses que estão infetados com a covid-19 em Timor-Leste. Este texto é feito com a informação disponível e tem por base dados anunciados oficialmente e outros confirmados ou desmentidos posteriormente.
A informação reconhece que a importação de casos e a existência de eventuais casos assintomáticos são, obviamente, os dois maiores fatores de risco. No caso das entradas, o processo de quarentena obrigatória a quem chega começou, na prática, a 22 de março, sendo que até lá – e mesmo alguns dias depois – entraram tanto por ar como por terra, tanto cidadãos nacionais como estrangeiros que não cumpriram a quarentena. Esse processo mais apertado só começou com o quase fecho das fronteiras aéreas e, posteriormente, terrestres. Desde aí quase 1550 pessoas concluíram a quarentena e cerca de 530 estão ainda em quarentena em locais do Governo ou confinamento obrigatório em casa.
COMEÇO PELOS FACTOS
1 – Timor-Leste tem atualmente 23 casos confirmados, dos quais 22 ativos e um recuperado. O recuperado é de um cidadão que chegou a Timor-Leste por via aérea. Os restantes são 20 de pessoas que entraram pela fronteira terrestre vindos da Indonésia e estavam de quarentena e dois são professores portugueses que estavam em Liquiçá.
2 – O Governo considera que, até ao momento, não há casos de contágio comunitário, mantendo apenas seis clusters – hotéis em Díli e o caso dos professores portugueses – ainda que não haja explicação, pelo menos para já, sobre as circunstâncias de contágio dos professores.
3 – Entre os portugueses, o primeiro caso é de uma professora que estava destacada em Liquiçá e que viajou para Portugal com mais de 200 portugueses e outros europeus num voo de repatriamento organizado para Portugal, onde chegou a 04 de abril. No dia seguinte sentiu alguns sintomas, a 05 de abril fez o teste e a 06 de abril o resultado positivo é confirmado.
4 – A confirmação do positivo foi dada a conhecer às autoridades timorenses por Portugal bem como aos quatro professores de Liquiçá que optaram por ficar (e o motorista que os acompanhava com mais proximidade), que já estavam a praticar medidas preventivas desde o encerramento das aulas, a 20 de março e que iniciaram um período de quarentena no mesmo dia, 06 de abril. Vários passageiros do voo indicam nunca terem sido contactados pela Direção Geral de Saúde em Portugal, mas vários outros, incluindo os cidadãos europeus, confirmam os contactos das autoridades portuguesas. De que haja conhecimento público não há até ao momento qualquer outro caso de pessoas infetadas entre os passageiros do voo.
5 – A 13 de abril os quatro professores e o motorista em Liquiçá são testados com todos a terem resultados negativos. A 19 de abril o Governo timorense anuncia que um deles está infetado e outro inconclusivo, depois de reanálise das amostras em Darwin e, finalmente a 21 de abril que o caso inconclusivo é afinal também positivo.
6 – Os dois professores infetados que estão atualmente em Vera Cruz, fizeram parte de um grupo de docentes que chegou a Timor-Leste a 28 de fevereiro, sendo distribuídos nos dias seguintes pelos vários municípios.
7 – A professora portuguesa que está infetada em Portugal chegou com um segundo grupo de docentes a Díli a 09 de março.
8 – Todo os docentes portugueses deram aulas até à decisão do fecho das escolas a partir de 20 de março. Essa informação foi confirmada por vários docentes.
9 – Alguns dos professores viajaram até Díli para reuniões e por outros motivos nas semanas antes do voo de repatriamento.
10 – As autoridades de saúde têm apertado a vigilância em Liquiçá, incluindo reforçando o rastreio nos postos médicos, e não há até agora qualquer indicio da presença comunitária da doença entre a população.
Estes são os factos. O resto, a partir daqui, é análise ou, eventualmente, conjetura.
Dada a distância entre as datas de chegada dos professores a Timor-Leste e a confirmação da sua infeção, a possibilidade de que os docentes tivessem trazido a doença consigo é remota. Nenhum manifestou sintomas e entre o grupo de docentes de Liquiçá há pessoas com contacto muito próximo com os docentes que continuam negativas. É improvável, mas, claro, não é impossível. O vírus comporta-se de forma estranha e pode demorar mais do que os 14 dias para se ‘mostrar’.
A ideia de que os casos da professora em Portugal e os dois docentes aqui não estão relacionados poderia ser uma infeliz coincidência, mas essa opção é, igualmente, pouco provável. Não é impossível, mas é claramente pouco provável.
Daí que o cenário mais provável seja de um contágio que ocorreu, eventualmente, entre algum dos docentes e uma pessoa assintomática em Díli. O risco de contágio assintomático é, claramente, o maior numa situação como Timor-Leste. Ainda que o país não seja um grande destino de turistas ou visitantes, a verdade é que nas semanas antes do fecho do país ao mundo houve muitos timorenses e alguns internacionais que viajaram para Díli. Muitos deles oriundos de países onde o vírus estava muito ativo e a utilizarem aeroportos que foram o principal centro de distribuidor da pandemia pelo planeta.
Seja como for e independentemente da origem, tentar ostracizar, estigmatizar, culpabilizar quem está infetado é estúpido e infantil. Aqui não há culpas. Quem está infetado não tem culpa de estar. Por isso é preciso o maior respeito a quem está a lutar com o facto de estar infetado como às centenas que ainda estão em quarentena ou preocupados com a doença. E, naturalmente, aos homens e mulheres que estão na linha da frente deste combate, especialmente em países como Timor-Leste onde as condições estão longe de serem as ideais.
A vigilância tem, por isso, que continuar. E as medidas preventivas também. É responsabilidade de todos.
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