TIMOR – OS LIURAIS

Os Liurais, autoridades tradicionais timorenses, sempre foram desde tempos imemoriais, séculos antes da chegada dos Portugueses em 1515, os “condutores” dos seus povos e seus representantes, na paz e na guerra. A presença portuguesa na ilha só foi possível pelos acordos desenvolvidos com os liurais que, mantendo a sua lealdade, eram prestigiados e distinguidos pelo poder real português. Quando o Governador António Coelho Guerreiro chegou a Timor, acompanhado por somente 82 homens, em 1703, foi recebido por 17 liurais da terra, todos já usando o prefixo dom antes do seu nome (dos 60 reinos existentes ao tempo em Timor, 25 aceitaram imediatamente a suserania portuguesa). António Coelho Guerreiro estabeleceu então uma espécie de militarização da estrutura política tradicional, dando aos liurais patentes de coronel do Exército Português, e aos seus ajudantes ou chefes de suco, patentes decrescentes. Esta organização militar iria durar trezentos anos, até aos nossos dias.

Com a evolução política do mundo, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, também o poder fáctico dos régulos e liurais, foi sofrendo uma inevitável erosão, sendo progressivamente contestado pelas novas gerações cada vez mais “esclarecidas”. A perda de influência dos liurais sobre os seus povos, foi criando problemas de difícil solução na sociedade timorense.

Ainda cheguei a conhecer em Atsabe, o Régulo Guilherme Gonçalves durante a minha comissão na zona da fronteira de Timor entre 1965 e 1967. Era considerado um autocrata com enorme influência regional, dizia-se que até para lá da fronteira, devido a laços familiares na parte indonésia da ilha.

Sinal dos tempos, em 1971, Guilherme Gonçalves foi condenado em julgamento público no Tribunal da Comarca de Díli, acusado de crimes de “cárcere privado simples e cárcere privado agravado”, a 3 anos de prisão maior”!

A inaudita situação, provavelmente sem exemplo na história moderna de Timor, deixou sequelas, como veremos. O Régulo Guilherme Gonçalves não ficou imediatamente preso porque o seu advogado logo recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Lourenço Marques, Moçambique. Ignoro qual o resultado desse recurso, mas não encontrei qualquer indicação de que o acusado tenha cumprido a pena a que foi condenado. De qualquer modo o então Governador de Timor, brigadeiro/general José Nogueira Valente Pires (1968-1971), em carta particular (que publico) dirigida ao Ministro do Ultramar, Prof Joaquim Moreira da Silva Cunha, tentou conseguir a anulação da sentença judicial. Outra sequela desta condenação protagonizou-a o prestigiado Régulo de Maubara, Gaspar Gusmão Silva Nunes. Sentindo ameaçado o poder dos liurais, “solicitou” ao Governador, “e nisto me acompanham os Chefes tradicionais mais representativos” “que seja extinto o regime de autoridades tradicionais”. (publico cópia da carta). O Governador, preocupado, volta a endereçar uma carta particular ao Ministro (anexo).

Seria interessante saber qual o poder das autoridades tradicionais nos dias de hoje.

José Bárbara Branco (facebook)

Maria C. Delcourt

Técnico Superior

Divisão de Ação Cultural Externa

Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, IP