Timor, o terceiro vizinho

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O Terceiro Vizinho de Timor-Leste
21 Nov, 2014

Exclusivo para o JTM

Timor-Leste é um pequeno país no meio de dois gigantes- a Austrália e a Indonésia. A geografia raramente muda e Timor terá sempre que viver com estes dois gigantes. Os vizinhos não se escolhem. Mas há um pequeno país Europeu à beira mar plantado que está ligado a Timor há cinco séculos e que marcou e moldou a cultura e identidade de Timor-Leste, para bem ou para mal.

As fronteiras de Timor-Leste, a religião Católica e até a maior língua nativa o Tetu foram forjados por Portugal. Durante os 24 anos de luta heróica contra a ocupação Indonésia, o povo Português demonstrou uma solidariedade enorme para com o povo de Timor-Leste.

Quando o pequeno país se libertou do jugo da ocupação Indonésia, em Outubro de 1999, Portugal respondeu com energia e emoção dando tudo o que tinha e não tinha para ajudar a reconstrução da jovem nação nascida das cinzas.

Entre 2000 e 2006, Portugal deu a Timor-Leste 600 milhões de Euros em ajuda. Só a Austrália ofereceu mais, tendo dado 750 milhões. Mas se tomarmos em consideração o facto de que a economia Australiana é três vezes maior que a economia Portuguesa, Portugal deu a Timor o dobro da ajuda que a Austrália deu. Não houve país neste mundo que mais ajudou Timor.

Portugal ajudou Timor de forma desinteressada. O que ganhou Portugal em troca? O petróleo está nas mãos de companhias australianas e americanas, os grandes contratos de infra-estruturas foram dados a companhias indonésias cuja qualidade é muito duvidosa.

Mas Portugal nunca se queixou de tal situação pois o seu apoio a Timor era e é motivado por razões históricas e culturais. Para Portugal a recompensa do seu esforço foi limpar um certo sentimento de culpa pela forma como deixou Timor em 1975 e ver a cultura lusa florescer em terras do Oriente. São poucos os povos que se contentam com tão pouco.

Do lado Timorense a maioria reconhece a amizade de Portugal, assessores e conselheiros Portugueses estão em lugares chave que são negados a outros estrangeiros.

Em Maio um amigo meu brasileiro Professor na Fundação Getulio Vargas visitou Timor-Leste. Disse-me que estava surpreendido com o número de assessores Portugueses em posições chave como o gabinete do Primeiro Ministro, Presidência da República, Parlamento Nacional, polícia, forças armadas. Disse-me que na África lusófona isso seria impensável.

As relações entre Timor e Portugal sempre foram muito diferentes das relações de Portugal com África. Em Timor nunca houve uma luta de independência contra Portugal e o primeiro partido político timorense fundado a 10 de Maio de 1974 – a UDT – defendia um período de 10 anos de autonomia com Portugal e só depois a independência. Durante 500 anos de colonização nunca houve mais de 600 Portugueses a viverem no território. Esta leve pegada Portuguesa levou o historiador Geoffrey Gunn a descrever Timor como um protectorado português e não como uma colónia.

As relações pessoais entre os pais fundadores de Timor-Leste, Xanana, Ramos Horta, Mari Alkatiri e Taur Matan Ruak e a liderança Portuguesa sempre foram muito próximas e mesmo de amizade pessoal. Vários líderes Timorenses incluindo Xanana Gusmão e Ramos Horta têm origem Portuguesa. Portugal não tem uma relação tão íntima com nenhuma das suas ex-colónias.

Estes factores fazem de Portugal o terceiro vizinho que Timor tanto precisa. Não partilhamos fronteiras físicas mas somos vizinhos em tantas outras coisas. Portugal, devido à distância, tamanho e temperamento não é nem nunca será uma ameaça a Timor-Leste. Timor tem que continuar a nutrir as ligações com o seu terceiro vizinho.

Não há relações sem tensões, e brigas entre irmãos acontecem. A expulsão dos juízes portugueses de Timor foi um acto levado pela emoção. Mas todos nós que herdamos o sangue e cultura Lusitana, herdamos uma grande dose de emoção e sangue quente. Talvez seja por sermos tão parecidos e nos conhecermos tão bem que às vezes reagimos com emoção. Episódios destes e piores já ocorreram entre Portugal e outros países lusófonos. Mas nunca houve esta emoção. Isto deve-se ao facto da relação única que Portugal tem com Timor.

É verdade que à medida que Timor amadurece como nação e as gerações de Portugueses e Timorenses que lutaram juntamente para a libertação de Timor vão deixando o palco, estes laços se vão quebrando. É óbvio que futuras gerações não terão a mesma relação e atitude no tocante às relações luso-timorenses. Mas se houver força de vontade e respeito mútuo os laços luso-timorenses irão continuar a ser especiais.

Timor e Portugal são vizinhos. Portugal sempre esteve ao lado de Timor nas alturas mais difíceis. Quantas vezes tinha Díli ardido se não fosse a GNR a intervir enquanto os Australianos olhavam?

Há-de haver sempre alguns desacordos, mesmo entre irmãos. Mas mecanismos para minimizar estes incidentes podem ser facilmente criados. Portugal tem de aprender a lidar com um Timor-Leste independente e confiante que quer afirmar a sua independência. É bom que haja esta emoção entre os nossos dois povos, espero que dure muitos anos. Mesmo que às vezes a emoção latina leve a decisões repentinas.

Timor em 12 anos de independência subiu mais de 30 lugares na escala de desenvolvimento humano da ONU tendo saído da lista dos 60 países mais pobres do mundo. Timor-Leste tem muitas razões para ter orgulho. Mas Timor não deve esquecer os seus amigos. Como nos lembra o cantor Brasileiro Chico Buarque

Mas não sê tão ingrata!

Não esquece quem te amou

E em tua densa mata

Se perdeu e se encontrou

https://jtm.com.mo/opiniao/terceiro-vizinho-de-timor-leste/

  • O Professor Loro Horta é conselheiro da Embaixada de Timor-Leste na República Popular da China. Há mais de uma década que tem assinado imensos artigos sobre Timor-Leste.