TIMOR IN MEMORIAM

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FLORES AMARGAS (AI FUNAM MORUK )
TRIBUTO AO CASAL TERESA GALHARDO/ SILVÉRIO HENRIQUE DA COSTA JÓNATAS
Em Timor-Leste cumpre-se a cerimónia do sétimo dia depois do funeral, o chamado das Flores Amargas, o dia Ai Funan Morok. Devido ao seu conhecimento de Timor e das suas gentes, Teresa Galhardo foi um elemento fundamental no estabelecimento da ligação entre nós e os timorenses que aqui viviam o exílio da pátria. Reencontrámo-nos no lançamento dos meus dois livros, A Batalha das Lágrimas e Crónicas Timorenses, respetivamente o 1º e 2º volumes de uma obra de 5 volumes intitulada A Pedra e a Folha. Com o casal, o meu contacto veio a dar-se quando empreendi a escrita do 3º volume desta obra , com o título Os Timorenses (1973-1980). Para uma inteira compreensão do período da descolonização que se seguiu à Revolução do 25 de Abril, solicitei a ajuda do Coronel Jónatas que gentilmente se prestou a dar-me todos os esclarecimentos sobre essa conturbada época da nossa história. Durante meses trabalhei assídua e arduamente com o coronel Jónatas, lendo documentos que até então jaziam no fundo dos baús mergulhados no pó do esquecimento público e dos historiadores e que pacientemente, o coronel Jónatas me foi não apenas dando para consulta como se empenhou em debater comigo todos os pontos que a minha ignorância dos factos encontrava obscurecidos. Nesses longos fins de tarde que se prolongavam pela noite dentro, Teresa Galhardo , a nossa Gunga, deu-me igualmente informações preciosas sobre o ambiente vivido nessa distante parcela do império português , quer antes, quer durante a Revolução dos Cravos até à sua saída do território. Muitos personagens do meu livro lhe devem igualmente a possibilidade de uma segunda vida pela sua presença num romance histórico, beneficiando-os de alcançarem a sua posteridade pela sua presença num livro, pois o que é a escrita senão a palavra que dura? Jamais esqueceria os mimos culinários com que nos brindou ao jantar, na pausa do intenso trabalho a que nos tínhamos devotado durante horas. Nas anotações do coronel Jónatas colhi muita informação sobre o carácter e o temperamento de muitas personalidades da História contemporânea timorense, muitos dos seus protagonistas de então são considerados hoje heróis nacionais tombados pela pátria e cuja personalidade não era vislumbrada por quem abordasse este período incandescente do nascimento da nação e da independência, suas tensões e conflitos se não tivesse tido acesso a essas observações do coronel Jónatas. Tendo com os militares de Abril e suas famílias ressurgido as relações entre as pessoas no corpo social, o seu convívio com os líderes timorenses e suas famílias foram-me de uma grande utilidade para a compreensão do clima moral dessa época assim como a das forças sociais que emergiram em Timor. Devo-lhes a minha aproximação à personalidade não só de António Duarte Carvarino e esposa Maria do Céu Pereira, professora de uma filha do casal ,assim como a dos líderes políticos mais relevantes . Todos esses pormenores só podiam ter sido observados e recolhidos por um militar de Abril aberto à sua comunidade de origem e igualmente aberto aos outros homens, aceitando-os na sua nobre missão sem abdicar da lealdade e isenção que devido ao seu alto cargo devia a si mesmo, aos seus familiares e amigos, à hierarquia militar e à sua pátria.Até sempre, querida Gunga.
Joana Ruas
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    José António Cabrita

    Muito obrigado por esta partilha. Uma partilha de estudiosa e escritora, claro que sim; mas, sobretudo a partilha humana e próxima que, por vezes, mas só para os estudiosos avisados, acontece com as suas fontes.
    Permita- me, por favor, está enfatização, que pode parecer desmedida.