TIMOR, FICAR OU NÃO FICAR

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DESABAFO DO DIA

Este meu desabafo de hoje é feito na véspera de um grupo de cidadãos portugueses partir de Timor-Leste.

Decidi ficar com a minha família em Díli por considerar que a situação aqui, pelo menos por agora, não justifica tomar outra decisão. As dificuldades locais são as que são, são amplamente conhecidas e, se alguma coisa, até podem ficar mais reduzidas, pelo menos parcialmente, com as medidas que estão a ser implementadas, incluindo algum reforço do sistema de saúde. A situação em Timor-Leste é tranquila, a população respondeu com grande civismo e até responsabilidade ao risco e, apesar das dificuldades que a grande maioria da população sente, estão a combater como podem o inimigo invisível. E as autoridades, apesar de com algum atabalhoamento, parecem estar a responder com medidas no terreno.

Esta nossa decisão de família foi tomada no momento atual e tendo em conta a informação atual. Já aqui vivi situações bastante complicadas, especialmente em 1999, que me obrigaram, a ter de sair do país. E infelizmente ninguém, hoje, pode garantir nada sobre a situação atual. Mas para já, pelo menos, a decisão é de ficar. Penso que o trabalho que tenho a fazer aqui é importante e é o melhor contributo que posso dar, neste momento, no esforço de combate à covid-19. Aos muitos que também decidiram ficar, como a todos os que vivem neste país a que eu estou ligado há décadas (timorenses e estrangeiros), envio uma mensagem de solidariedade e de força. E um voto de que se cuidem e aos vossos.

Considero legítimo que outras pessoas, seja com que motivação for, optem por sair. Como aliás já fizeram vários portugueses e outros, até ao dia de hoje. Cada situação é uma situação, cada decisão é individual e ninguém tem o direito de a questionar ou criticar. Cada um sabe de si e é sempre mais fácil ditar sentenças sobre as vidas dos outros. E houve pessoas que nem tinham pensado em ir e que há ultima da hora aproveitaram os lugares que ainda estavam vazios. E outras que estavam no grupo de que desde a primeira hora queriam ir embora e agora até decidiram ficar. Por isso, insisto, não critico quem tomou a opção de sair. Desejo que tenham boa viagem e que se continuem a cuidar e aos seus.

Mas, posto, isto, não ficaria bem com a minha consciência se não deixasse registado algumas questões.

Como já vivo há muitos anos no estrangeiro – saí de Portugal há quase 32 anos – convivo há muito com o eterno debate da suposta falta de apoio consular. É um argumento de dois sentidos porque, invariavelmente, a vasta maioria de emigrantes e turistas, nem sequer se preocupa em estar registado nas diversas embaixadas. E a verdade é que, apesar das dificuldades que muitas operações de apoio consular envolvem – como as que estão em curso organizadas por Portugal nesta altura -, Portugal tem dado apoio a milhares de pessoas em todos os recantos do mundo, no seu regresso a Lisboa.

A não ser que essa operação seja “ordenada” por Portugal, porém, os voos são de repatriamento como resposta a pedidos de ajudas. E como é comum em todo o mundo, pessoas que querem voltar – é o que está a acontecer aqui – têm que reembolsar o Estado por esses custos. Há alguns mecanismos europeus que podem reduzir os custos, mas não se aplicam a todos os voos que estão a ser organizados. No caso de Timor-Leste o custo é encarecido pela distância, pelas atuais dificuldades de voos, por ser um avião que vem cá de propósito – e não um contratado localmente – e por outros fatores.

Para Timor-Leste, naturalmente, como para qualquer outro local, sempre houve planos de contingência – como os têm praticamente todos os países – para resolver a situação dos seus cidadãos em caso de problemas. Quem aqui estava em 2006 sabe que essas operações foram postas em prática.

O voo de sábado, porém, parece-me extemporâneo. Numa estrita avaliação de risco não se cumpre a necessidade de uma operação geral de evacuação. Esta operação, chamem-lhe repatriamento ou não parece ter sido despoletada muito antes de ser necessária. Mas não me cabe a mim decidir sobre isto. E as opiniões valem sempre o que valem.

Agora: acho profundamente lamentável os comentários que alguns fizeram e igualmente lamentável o tom adotado por alguns colegas jornalistas em Portugal, a tentar dramatizar, empolar e até deturpar, a realidade que se vive em Timor-Leste. Comentários que não só eram mentira como, em muitos casos, representaram uma verdadeira falta de respeito quer para com o país que os acolhe e os seus cidadãos, como para o país que lhes paga o ordenado e os seus concidadãos que aqui também vivem. Causaram medo desnecessário em familiares e amigos de centenas de pessoas, denegriram a imagem de projetos e de dois países (Timor-Leste e Portugal) e julgo que essas posturas devem ser consideradas na avaliação sobre a capacidade dos seus autores poderem ou não voltar a Timor. Houve comentários nojentos, avaliações racistas e, no general um dramatismo que nunca correspondeu à realidade.

O medo e a ansiedade provocada pela situação não dão o direito a ninguém de instrumentalizar sindicatos, media ou ‘agentes’ a favor do seu umbiguismo, ou para se armarem em supostos porta-vozes autonomeados para uma comunidade heterogenia e vasta que vive neste país, alguns há décadas. E que na sua generalidade desmente esse suposto drama. As motivações para se vir para cá são variadas. Longe de mim questioná-las. Mas acho, sinceramente, que algumas das pessoas que chegam aí ou são irresponsáveis ou são inconscientes. E os critérios para as escolher devem, se calhar, merecer uma reavaliação.

Longe de mim querer aqui desculpar problemas dos Estados, dos dois, em alguns projetos. Problemas sobre os quais eu até já escrevi, desde seguros de saúde a transportes, desde critérios poucos claros na decisão de renovação ou não renovação de contratos. Atrasos na vinda para Timor-Leste, atrasos nos pagamentos de salários, ameaças a pessoas para não falarem com os media e vários outros problemas que estão documentados no arquivo noticioso da Lusa. Mas nada disso tem a ver com isto.

E muito menos justifica o comportamento histérico de alguns. Percebo o medo, percebo os receios, percebo a preocupação, percebo tudo. Menos a atitude nojenta de quem só olhou para si e ignorou os outros. Nas crises, o salve-se quem puder, o umbiguismo, o egoísmo, são piores que as causas das crises.

Posto isto, desejo a todos os que partem uma boa viagem. Cuidem-se à chegada e cuidem os vossos. E no futuro – e isto é mesmo só para alguns – pensem 400 vezes antes de decidir vir para estas coisas. Ou pelo menos mordam os lábios antes de dizer disparates.

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