TERESA TOMÉ O AGEÍSMO

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Ageísmo
Nas duas últimas semanas o mundo anda a pegar fogo por conta do racismo e do vergonhoso episódio acontecido com a morte de George Floyd.
Mas, neste mesmo mundo cheio de contradições ninguém absolutamente ninguém fala de um outro “ismo” que acontece todos os dias. Refiro-me ao Ageísmo que insidiosamente vai acabando com a qualidade de vida dos idosos, atirando-os em muitos casos para o isolamento das chamadas “instituições necessárias”, os asilos ou lares de terceira idade, onde neste momento permanecem há mais de três meses confinados vendo os seus companheiros de residência desaparecerem em grande número devido ao Covid 19.
Como o termo ageísmo é raramente empregue vamos a uma curta definição:

O ageísmo é a manifestação de terceiros que consideram as pessoas mais velhas incapazes, improdutivas, quase um estorvo para a sociedade.

Para não se tornar muito pesado, gostaria de abordar o tema a partir do filme “UP, Altas Aventuras”, realizado pela Disney, galardoado com um Óscar e um Globo de Ouro em 2010. (melhor animação e melhor banda sonora.)
O Filme conta a história de Carl Fredricksen, um velho rabugento de 78 anos que está prestes a perder a casa onde sempre viveu com a esposa, Ellie, já falecida. O terreno onde a habitação está localizada interessa a um empresário, que deseja aí construir um edifício moderno. Conta porém, com a forte oposição de Carl. Após um incidente em que este acerta num homem com sua bengala, é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado num asilo. Para evitar que isto aconteça, Carl enche milhares de balões, coloca-os em cima da casa fazendo com que esta levante voo. O seu objetivo é viajar para uma floresta situada na América do Sul, um local onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Só que Carl acaba levando por acidente, o pequeno escuteiro Russel. Sem forma de voltar para trás, os dois embarcam numa tremenda aventura que se desenrola no cenário fantástico da Amazónia.
Desde logo vamos sublinhar os estereótipos do filme que nos ajudam a perceber o ageísmo implícito: rabugento; bengala; asilo; solidão – um velho que vive sozinho (a dada altura a câmara percorre numa grande panorâmica a casa de Carl mostrando-a vazia de pessoas).
Carl, não se deixa abater, combate, imagina soluções e parte à aventura. Infelizmente, na vida real, a maior parte dos velhos não faz isso, entrega-se à sua sorte e resigna-se a viver num sociedade que deixou de os valorizar, começando lentamente a morrer em “fade out”.
Não foi certamente por acaso que os estúdios da Disney fizeram um filme onde o personagem principal é um “idoso”.
É já uma certeza que o mundo em breve será mais velho do que jovem. O envelhecimento da população mundial não encontra paralelo na história, trata-se, portanto, de um dado novo e a maior parte da humanidade não tomou consciência disso. O aumento percentual no número de pessoas idosas, com 60 anos ou mais, tem sido acompanhado pelo decréscimo do número de jovens com menos de 15 anos. Prevê-se que em 2050, o número de idosos no planeta excederá o de jovens, pela primeira vez na história da humanidade.
Robert Butler, um médico gerontologista e psiquiatra norte-americano foi o primeiro a usar o termo ageísmo, que definiu como uma forma de intolerância relacionada com a idade. Também, Erdman Palmore utilizou a palavra para designar o forte preconceito e discriminação contra pessoas idosas e propôs a mudança para ageísmo positivo onde pelo contrário se enfatiza a sabedoria, a parcimónia e a resiliência dos idosos.
Vive o mundo com despudor este terceiro grande “ismo” após o racismo e o sexismo. No entanto, registe-se a advertência: – o ageísmo difere dessas outras formas de discriminação porque, na teoria, qualquer pessoa pode ser atingida por ele desde que viva o suficiente para envelhecer.
Como causas do agéismo têm sido comumente aceites os seguintes fenómenos: – modificações nas sociedades modernas e industriais que levaram à diminuição do status dos idosos – a institucionalização da reforma, (o idoso deixa de contribuir ativamente para os rankings da produção), os progressos tecnológicos, que deixaram os mais velhos despreparados para o mercado de trabalho, a diminuição dos vínculos familiares, com a saída dos jovens para outros locais em busca de trabalho e finalmente níveis de educação mais elevados por parte dos jovens levando os idosos a perderem o estatuto de sabedoria e de transmissores culturais.
Um dos aspetos mais traiçoeiros do ageísmo é que ao contrario de outros tipos de discriminação como a racial, religiosa ou étnica, ele ocorre de modo inconsciente, sem controle e intenção de prejudicar o seu alvo. Regressemos mais uma vez ao filme, que nos deu o mote para esta reflexão. Acreditamos que este não teve intenção de criar ou reproduzir estereótipos, no entanto os mesmos ocorreram, e aos olhos do espectador desprevenido passarão mesmo despercebidos. É possível, no entanto, observar alguns deles ao longo da história. Um fato marcante é quando aparece logo no início o personagem principal Carl Fredricksen caminhando com dificuldades, usando bengala, frequentemente associada a fragilidade e vista com preconceito. Outro é de que o idoso já não está em condições de gerir os seus bens, constituir um perigo social e ser condenado à institucionalização.
Infelizmente a nossa sociedade está cheia deste tipo de estereótipos e ideias pré-concebidas em relação aos idosos. Ouvimos com frequência dizer que: – A velhice é uma enfermidade, que duas vezes somos meninos, que envelhecer significa perda, que os idosos se dão mal com os jovens, que ser velho é ser dependente, que os velhos gostam de estar sós, que as suas opiniões não têm valor.
Estes estereótipos, porém, estão a perder valor a cada dia, face a um cada vez maior vigor apresentado pelos idosos. A esperança de vida não só aumentou como as pessoas gozam de mais saúde. Aos jovens cabe entender isso, pois os velhos estes já há muito sabem que a vida não é feita de rótulos venham eles de onde vierem.
Esperamos o fim breve do ageísmo, mesmo que para tal seja necessário vir para a rua em manifestações que façam ver às sociedades e aos governos que a velhice está pronta a reinventar-se.
Os tempos são de grandes mudanças e já que abordamos o tema a partir do exemplo de um filme terminamos com as declarações do ator americano Morgan Freeman, de 79 anos, no momento em que recebeu um prémio honorário pela sua carreira: “Esta é a melhor etapa de minha vida. Consegui o meu primeiro papel de relevância no cinema aos 50 anos e aprendi a pilotar aviões aos 65 anos, portanto é uma honra estar aqui hoje com vocês”.

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