teofilo braga ainda nao há excesso de turismo

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A NOSSA GENTE (228) – TEÓFILO BRAGA

“Não há ainda excesso de turismo tem é que haver cuidado na gestão das pessoas que vêm”

 

De onde é natural e como foi o seu crescimento?
Sou natural da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, filho de pai agricultor e mãe doméstica. Ambos tinham apenas a quarta classe e o meu pai, durante dez anos, foi emigrante no Canadá.
Frequentei a Escola Primária – era assim que se chamava – na Ribeira Seca, no edifício do Plano dos Centenários, depois estudei no Externato de Vila Franca, do antigo 1º ano até ao 5º ano, hoje em dia seria do 5.º ano até ao 9.º ano, e depois completei a escola secundária na Escola Secundária Antero de Quental e depois frequentei a Universidade dos Açores, onde tirei o curso de Ciências Físico-Químicas e Matemática.
O seu pai foi emigrante durante dez anos no Canadá, isso coincidiu com o seu crescimento?
O meu pai esteve ausente durante uma parte da minha infância. Penso que ele regressou quando eu deveria ter à volta de seis ou sete anos e depois acompanhou toda a minha vida, toda a minha formação ainda no Externato e depois na Universidade.
Recorda-se de algum presente que ele lhe tenha enviado e que o tenha marcado ou do seu regresso?
Recordo-me muito mal. O meu pai era agricultor, o pai do meu pai também, mas o pai da minha mãe era lavrador, tinha vacas. O presente que eu ainda hoje guardo foi por altura do regresso dele, uma vaca de corda, cor de bonina e branca.
De resto, os presentes eram muito semelhantes aos das demais crianças da minha rua, como por exemplo as navalhinhas, que todos os camponeses tinham e que eram o sonho das crianças, e alguns instrumentos musicais de sopro que as crianças tocavam, mas nunca aprendi a tocar nada.
Quando foi para a Universidade dos Açores o que o levou a optar por esse curso, sempre teve gosto pelas físico-químicas?
Sempre tive mais jeito para as chamadas ciências, sobretudo para a matemática e para a físico-química. Tinha grandes dificuldades no inglês e não gostava muito de português. Sempre tive dúvidas em relação ao que queria ser em relação à minha profissão futura.
Houve uma altura em que pensei em engenharia, mas para isso era preciso ir estudar para o continente e entretanto abriu cá o magistério primário. Cheguei a matricular-me no magistério primário, tive algumas aulas mas acabei por desistir porque havia aulas de música e eu não tinha jeito nenhum para a música.
Entretanto abre o Instituto Universitário dos Açores e eu matriculei-me, onde tirei o curso via ensino de professor de físico-químicas.
Foi professor toda a sua vida?
Excepto num período muito curto de cerca de três anos em que estive destacado na Agência Regional de Energia que foi entretanto extinta.
Que recordações guarda do primeiro ano em que foi professor e dos momentos em que entrava nas salas de aula?
O primeiro ano foi na Escola Roberto Ivens. Concorri quando ainda estava a estudar, lembro-me de ter sido chamado ao Conselho Directivo – era assim que se chamava na altura – para escolher um horário.
Uma colega minha que lá estava disse-me que como estava a acabar o curso, tinham um horário que seria muito bom para mim e em que não tinha que preparar muitas aulas, que era o de Educação Visual, mas como eu também não tenho muito jeito para o desenho recusei e optei por um horário de Matemática e de Ciências da Natureza.
Ainda conheço alguns alunos que tive, foi uma experiência muito interessante mas a realidade é que não tinha preparação nenhuma. Quando isso acontece nós tentamos imitar os nossos professores, e foi mais ou menos isso que eu fiz, tentei imitar os professores que tinha tido na área das ciências e da matemática.
Mas foi um primeiro ano que correu bem?
Sim, até agora tudo tem corrido mais ou menos bem. Há anos melhores e anos piores mas não tenho tido grandes problemas e já são cerca de 42 anos de ensino.
Nesses 42 anos como é que vê o interesse dos alunos para com a escola?
Quando comecei a leccionar não havia os meios que existem hoje, sobretudo não havia internet que é uma área que hoje atrai muito os alunos, e uma coisa é certa, há muitos alunos que tiram proveito da internet e da própria televisão e dos muitos canais que nela existem. Tenho alunos que acompanham canais científicos, como o National Geographic e outros canais com temas de tecnologia e ciência.
Entretanto também se aumentou muito a frequência das escolas. Antes existiam grupos mais restritos, normalmente de pais que tinham mais posses, e hoje em dia todos têm o acesso à escola.
Em relação às aulas o interesse diminuiu muito, de maneira que hoje em dia é um bocado difícil manter os alunos com atenção para os vários temas que se vão leccionando nas aulas.
Por um lado, muitas vezes continua-se a ensinar da maneira que se ensinava há 40 anos, e por outro lado tenho a sensação de que existem cada vez mais problemas relacionados com as famílias, de maneira a que os alunos – alguns deles – chegam completamente desmotivados.
Há alunos que chegam à sala e não querem fazer nada, nada, nada, nem se dissermos para escolherem um tema e trabalharem-no.
É mais difícil lidar hoje com os adolescentes?
Eu penso que é muito mais difícil. Tenho estes 42 anos de carreira, sinto-me realizado, mas se fosse para começar agora não optaria pela profissão de professor.
É esgotante ser professor hoje em dia?
É. No meu caso, como tenho o máximo de horas de redução estou em contacto com os alunos durante muito menos tempo, e aí vou conseguindo. Mas se hoje em dia, com a idade que tenho, se me dessem 22 horas lectivas eu não aguentava.
Não se está a incentivar os professores para se sentirem mais motivados para abraçar a profissão?
Eu penso que não. O nosso estatuto na carreira foi muito bom no tempo de António Guterres mas daí até agora tem vindo a degradar-se, de maneira que hoje em dia há grupos disciplinares em que já faltam professores, por isso as pessoas não estão incentivadas para o ensino.
O que eu penso que é um erro é que os vários governos, muitas vezes, empurram a resolução dos problemas para a escola. A escola não consegue resolver os problemas da sociedade, pode ajudar a resolvê-los mas tem que haver intervenção também no exterior.
Penso que os vários problemas que chegam às escolas resultam de vários problemas que existem nas famílias, como o desemprego, a pobreza e etc. Esses problemas não se revolvem na escola, tem que haver uma intervenção no seu meio envolvente, sobretudo junto das famílias.
É uma questão que aparentemente não se tem conseguido resolver…
Pois não, a intervenção nas famílias é o mais difícil. Os alunos até podem estar concentrados na escola durante algum tempo mas depois regressam a casa. Há inclusive pais que telefonam para as comissões de protecção de crianças e jovens a fazer queixa dos próprios filhos.
Também está muito ligado à protecção do ambiente e dos animais. Como é que isso entra na sua vida?
O facto de viver muito ligado à terra foi um dos factores principais, o outro foi a leitura. Eu como era (e sou) um pouco reservado lia muito e ouvia muita rádio. Foi através da leitura que cheguei à questão da protecção da natureza, mas também tiveram influência algumas das pessoas que conheci, como Gerald Le Grand, um francês que esteve cá no início da Universidade dos Açores e que era ornitólogo.
Conheci-o a ele e ao seu companheiro, o engenheiro Duarte Furtado de Vila Franca do Campo, e os dois criaram em São Miguel a primeira associação de protecção do ambiente, o Núcleo Português de Estudos e de Protecção da Vida Selvagem, que chegou a ter sede em Vila Franca do Campo e foi com eles que me interessei pela questão numa primeira fase.
Numa segunda fase fui para a Terceira, passei a participar em passeios organizados por pessoas ligadas ao Clube os Montanheiros e, ao fim de três anos, quando regressei a São Miguel, juntamente com mais algumas pessoas, começámos a organizar cá passeios pedestre e logo a seguir criámos a Associação Amigos da Terra, um núcleo da Associação Portuguesa de Ecologistas.
Já se passaram alguns anos. Os Açores evoluíram ou não em termos de protecção do ambiente?
Não posso dizer que não evoluíram, mas também os problemas aumentaram. Hoje em dia, a consciência para a protecção da natureza e do ambiente é maior. Há problemas que não têm tido solução. Há pequenas coisas em que os governos vão evoluindo mas as questões de fundo mantêm-se.
Por exemplo, o tratamento de resíduos. Antes não existiam tantos plásticos ou outros materiais mais modernos que são muito mais difíceis de degradar. Durante a minha infância a grande máquina recicladora era o porco e as galinhas que a minha avó tinha no quintal.
Hoje em dia essa máquina recicladora ou não existe ou é muito reduzida e a produção de resíduos é cada vez maior. Há produtos que são duplamente embalados. Desde 1972, desde Marcelo Caetano, que já se fala na construção de uma incineradora em São Miguel e continua sem se revolver o problema.
E a incineradora será a posição ideal?
Eu mantenho sempre a mesma posição desde o início. Não.
Como se poderia tentar minimizar este problema dos resíduos sem a incineração?
Primeiro seria educando correctamente, que é algo que não se faz. Educar correctamente é, em primeiro lugar, apelar à redução e não apenas para o cidadão comum mas tomando também medidas políticas, porque pedir ao cidadão para reciclar, para reduzir e para reutilizar é muito pouco.
Tem que haver medidas vindas de cima, de carácter geral e isso não é feito. Apela-se muito à reciclagem mas não se recicla. Uma família poderá colaborar na separação, mas nos Açores não se faz reciclagem.
Se se tomassem medidas efectivas para a redução da produção de resíduos, em segundo lugar para a reutilização e em último lugar para a reciclagem, de certeza que não haveria materiais nenhuns ou muito poucos para queimar.
E em relação ao desenvolvimento do turismo, tem também contribuído para o aumento de resíduos ou não?
Com certeza que ao haver mais pessoas há também mais resíduos, mas o turismo tem que ser bem tratado, digamos assim. O turismo gera muitas receitas e essas receitas têm que ser bem utilizadas.
Podem servir para minimizar a produção de resíduos e o consumo de água ou de energia, e penso que não há ainda excesso de turismo, tem é que haver cuidado na gestão das pessoas que vêm.
Nós sentimos que às vezes há excesso no miradouro da Vista do Rei, mas se houvesse uma gestão das visitas, enquanto uns fossem para a Vista do Rei, outros para a Lagoa do Fogo e outros para as Furnas, não se concentravam todos ao mesmo tempo e no mesmo sítio.
Acha que se apostou no turismo sem primeiro se pensar nas consequências que esse turismo poderia trazer?
Penso que sim e é a regra geral. Primeiro fazem-se as coisas e depois vai-se tentando colmatar as falhas. Regra geral as coisas são pensadas apenas em alguns aspectos, como o aspecto económico mas deixa-se uma parte do tripé do desenvolvimento sustentável de fora. Ou seja, pensa-se na economia, mas deixa-se a parte social e ambiental de fora.
Tem sido bastante interventivo na questão da construção para o turismo. É preciso ter cuidado também no tipo de construções que se fazem no arquipélago?
Com certeza, e penso que desta vez o Governo fez bem em não autorizar o hotel de grandes dimensões previsto para Água d’Alto.
Qual o perfil das unidades hoteleiras que a Região deve ter para manter todo o verde e preservar um crescimento sustentável?
Em termos gerais serão unidades mais pequenas e perfeitamente adaptadas ao território em termos de dimensão e enquadramento paisagístico.
O que é que costuma fazer durante os seus tempos livros?
Sou agricultor aos fins-de-semana. Tenho alguma terra em Vila Franca do Campo e quase todos os fins-de-semana estou nessa terra, juntamente com um colaborador. Dedico-me muito à leitura, gosto muito de ler biografias e gosto também de fazer investigação histórica.
Em resultado desta investigação histórica costumo publicar alguns textos no Correio dos Açores e noutras publicações a nível nacional. Este ano deverá ser publicado na revista ‘A ideia’, de Lisboa, um artigo meu sobre o filósofo Agostinho da Silva e as festas do Espírito Santo nos Açores.
Gosta de relembrar às pessoas estas personalidades?
Sim, sobretudo porque as pessoas mais jovens quando começam a fazer uma coisa esquecem-se que, para trás, já houve muitas pessoas que se debruçaram sobre os mesmos assuntos e é muito bom conhecermos o que foi pensado no passado para termos um ponto de partida.
A investigação que faço é muito superficial, mas estou sempre à espera que alguém agarre os temas e os aprofunde.
(Carla Dias/Joana Medeiros)