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Stanley Ho com saudades dos Portugueses…
Mal a RAEM nasceu chegaram as más notícias – a perda do monopólio.
Depois começaram os problemas familiares.
E a saúde também não ajudou.
Antes de 1999 tudo era diferente para Stanley Ho, mesmo que agora as empresas ganhem mais dinheiro.
A última biografia de Stanley Ho (da autoria de Liu Yi Song) foi publicada em 2013.
Uma nova versão, revista e aumentada seria muito bem-vinda, sobretudo se incluísse declarações do ‘rei do jogo’ de Macau.
Stanley Ho deu muitas entrevistas ao longo da sua vida, mas – por muito irónico que possa parecer – ouvi-lo relativamente aos últimos 20 anos, em que perdeu todo o protagonismo público e empresarial, seria indiscutivelmente a grande entrevista com o homem que faz 98 anos por estes dias.
É que nos últimos 20 anos, mas sobretudo na mais recente década, Stanley Ho desapareceu, mas – infelizmente para ele – não saiu das notícias.
A última vez que foi visto em público foi em 2011, numa das mais estranhas declarações de que há memória nas últimas décadas em Hong Kong: poucos tempo depois de ter entrado com uma iniciativa em tribunal contra a segunda e terceira mulheres e cinco dos 16 filhos, por apropriação fraudulenta de acções, Ho apareceu a ler uma declaração ao lado de, precisamente, Ina Chan (a terceira), dizendo que os problemas estavam resolvidos e que “a controvérsia” o tinha deixado “muito infeliz”.
Logo a seguir, o advogado do empresário deixou dúvidas sobre os contornos do problema.
Bastante simbólico, este é apenas um exemplo do tipo de notícias que têm estado associadas a Stanley Ho nestas duas décadas.
Com todos os perigos associados às generalizações, é como se durante os quase 40 anos em que a STDM reinou em Macau o empresário só tivesse tido boas notícias e nos 20 da RAEM houvesse poucos motivos para sorrir.
Aliás, um dos primeiros actos da nova RAEM foi precisamente acabar com o monopólio de casinos da STDM, algo que, se chegou a ser pensado durante a administração portuguesa, nunca saiu dos bastidores governamentais.
A STDM ganhou uma das três (que passaram pouco depois a ser seis) concessões, sob o nome de Sociedade de Jogos de Macau (SJM), mas a partir do momento em que Sheldon Adelson abriu o casino Sands, em 2004, o que antes era um monopólio entrou em erosão.
A SJM ainda aguentou 10 anos na liderança do mercado, mas não vale hoje, mesmo com cerca de metade de todos os casinos da Região, muito mais do que 15 por cento.
Se Stanley Ho continua a acompanhar as notícias – a família garante que está bem, mas não é visto em público desde essa aparição de 2011 nem existem outros pormenores sobre o tipo de vida que tem – também não estará satisfeito com o facto da SJM ser a última a abrir o resort do Cotai.
Ainda sem data marcada, o Grand Lisboa Palace vai bater todos os recordes de tempo de construção, o que se reflecte nas receitas do concessionário – o único, precisamente, que não está no Cotai.
Será também o mais caro de todos os que ali foram construídos, com uma previsão, nesta altura, de 36 mil milhões de dólares de Hong Kong.
A SJM queixou-se de muita demora na atribuição do terreno, mas a abertura tem vindo a ser adiada desde 2017.
Agora fala-se que será daqui a um ano.
A família
Ao contrário dos amigos portugueses, que nunca o deixaram ficar mal, a RAEM não trouxe boas notícias para os negócios da STDM.
Mas o universo empresarial fundado por Stanley Ho continua a ganhar muito dinheiro, até porque as receitas são hoje maiores com 15 por cento do que há 20 anos com o monopólio.
Sem margem para dúvidas, os maiores problemas têm acontecido entre a família.
O primeiro sinal foi dado pela irmã, Winnie, que o processou para recuperar parte do controlo da STDM e respectivos dividendos.
“Já nem a considero minha irmã”, reagiu o empresário na altura.
Mas foi com a família directa que Stanley Ho teve mais problemas, sendo hoje claro que não preparou a repartição do seu império empresarial pelos herdeiros – de forma a evitar a sucessão de notícias que entre o final da década de 2010 e o início desta apareceram ao público.
Talvez tenha sido apanhado desprevenido pela alegada queda em casa (no Verão de 2009, o South China Morning Post falou em “falência de órgãos”; a família desmentiu) que o pôs sete meses no hospital, mas nessa altura já tinha 87 anos.
Outra questão é se seria possível dividir os activos existentes pelos 16 filhos e quatro mulheres – embora persistam dúvidas sobre o formalismo dessas relações, uma vez que apenas existe certeza sobre o casamento com Clementina, a primeira, já falecida.
Ou melhor, se seria possível dividir esses activos sem rasgar o tecido empresarial que o fundador habilmente foi criando ao longo de mais de 40 anos.
Desde logo porque não estamos a falar apenas de dividir o património, quando esse património é vasto e diversificado, mas sobretudo de controlar os principais activos desse património.
Ou seja, se alguns dos filhos, nomeadamente os três mais velhos (filhos de Clementina) parecem pouco interessados em gerir as empresas, podendo satisfazer-se com a divisão da herança, noutros casos há uma evidente luta pelo domínio de alguns dos activos.
Mas nem no caso dos mais velhos isso é certo, como veremos já a seguir.
Na STDM também se sentiram as lutas pelo poder, mas foi na estratégica holding de controlo Lanceford (detentora de 31,6 por cento da STDM, que, por sua vez, detém a participação maioritária da SJM), que se verificaram as grandes convulsões:
no final de 2010 assistiu-se a uma redução da participação de 100 por cento de Stanley Ho para 0,02 por cento e o aumento de zero para 99,98 por cento de participação de Ina Chan e dos cinco filhos da segunda mulher, Lucina Laam (Pansy, Daisy, Maisy, Josie e Lawrence), em condições que na altura foram descritas como “pouco claras”.
Apesar desta parte da família ter divulgado vários comunicados e cartas alegando que a reestruturação financeira tinha tido o conhecimento e aprovação, por escrito, de Stanley Ho, a verdade é que foi por causa destas movimentações que surgiu uma queixa apresentada no Tribunal Superior de Hong Kong em nome do magnata, precisamente para tentar impedir que as acções da Lanceford fossem transaccionadas.
E sinal do incómodo provocado por este negócio, uma das filhas mais velhas veio contestar a partilha.
“Não posso acreditar que o meu pai deixasse a família da minha mãe sem absolutamente nada”, afirmou Ângela Ho, filha de Stanley e Clementina, a primeira mulher e, de acordo com o que costuma vir a público, a única casada legalmente com o magnata – daí Ângela Ho referir-se às outras mulheres do pai como “as amantes”.
“O meu pai falou comigo em muitas ocasiões e sublinhou que pretendia dividir o seu património de forma igual entre todos os seus filhos”, acrescentou Ângela Ho, numa carta divulgada nesse turbulento ano de 2011.
A situação resolveu-se apenas em 2018 através de um comunicado à Bolsa de Valores de Hong Kong que dá conta da partilha dos negócios por todos, excepto, precisamente, pelos descendentes de Clementina: a presidência do Conselho de Administração passou para as mãos de Daisy Ho, filha da sua segunda esposa, Lucina Laam, que integra, também ela, a administração executiva da empresa.
Angela Leong, já antes directora executiva e deputada na Assembleia Legislativa, ascendeu ao cargo de vice-presidente e, para manter equilíbrios entre as diversas fações da família, ficou a saber-se que a terceira esposa, Ina Chan, assumiria igualmente um cargo na direcção executiva da SJM.
Seria este o desenho favorito de Stanley?
A verdade é que, desde a morte de Robert, o seu primeiro filho (Jane nasceu um ano antes, em 1947, mas nunca se interessou pelos negócios), em Cascais, em 1981, o empresário nunca mais deixou perceber quem lhe poderia suceder nos negócios.
Foi como se, em alternativa, Ho tivesse deixado que os melhores se mostrassem e ganhassem esse lugar por mérito próprio.
E neste capítulo, além do interesse de Angela Leong pelas empresas, os filhos que mais se destacaram foram Pansy (MGM), Lawrence (Melco) e mais recentemente Daisy, todos filhos de Lucina.
Da relação com Angela Leong, o que mais se destaca é Arnaldo.
Já é director na SJM e tem sido a cara do projecto que a mãe está a liderar, junto ao Grand Lisboa Palace, um espaço temático chamado Lisboeta, de homenagem ao pai.
Se ter perdido o monopólio do jogo foi uma das piores notícias que Stanley Ho recebeu na sua vida, ver dois dos seus filhos a controlar (em doses diferentes) outras tantas concessionárias pôde fazê-lo rir: perdeu o monopólio mas a família ainda manda em metade das operadoras.
Um filme
Para quem gosta de bons enredos e de biografias empolgantes, estes pormenores da última fase da vida de Stanley Ho juntam-se a muitos outros – e que começam com a fuga à invasão japonesa, na década de 40 do século passado.
Falta a biografia atualizada do ‘rei do jogo’ mas o leitor já deve ter ouvido dizer que a vida de Stanley Ho daria um excelente filme (ou uma série de televisão?).
O único problema é que talvez não houvesse dinheiro para tantos actores…
João Paulo Meneses.
Jornal Ponto Final de 26 de Novembro de 2019.
https://pontofinalmacau.wordpress.com/…/stanley-ho-com-sau…/
