somos mesmo pobres,Tiago Franco

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Umas das discussões mais antigas que tenho com o meu pai prende-se com um chão. Mais especificamente o de casa. Nota de rodapé: ao contrário de mim, o meu progenitor é muito, mas muito teimoso e encontrará toda e qualquer explicacão para uma má escolha, antes de dizer que foi uma má escolha.
De cada vez que me queixava do chão de casa (normalmente por esta altura do ano), dizia-me que era fácil de limpar e por isso, óptimo. Aos meus olhos, nos meses de inverno, aquele mármore fazia-me lembrar a gruta de um urso polar. A limpeza era um detalhe ínfimo no frio que aquela brancura libertava.
Toda a vida pensei nisto. No desconforto que o interior das casas me provocava. No verão chegava a encharcar o sofá com água fria para não assar e, no inverno, andava de casaco dentro de casa. Há anos que a nossa engenharia é reconhecida na construcão de pontes, barragens e estradas. Não há um gajo que consiga projectar uma casa com materiais adequados para o clima do sul da europa?
Até emigrar vivia como os outros. A um metro do aquecedor ou com a cabeca na mangueira, dependendo da estacão do ano. Hoje em dia já não consigo. Habituei-me a temperaturas interiores superiores a 20 graus quando na rua vejo neve. E por isso passo muito mais tempo em casa porque, lá está, me sinto confortável. Fico literalmente irritado quando entro em casas geladas de amigos ou familiares e, por mais que me tente segurar, acabo sempre a perguntar “como é que vocês conseguem viver assim??”. Como se a culpa fosse deles ou como se eu não tivesse vivido o mesmo.
Mas é uma memória longínqua apesar de tudo. Hoje em dia não consigo tolerar o desconforto dentro de casa. E é algo que me irrita tanto que, só de o estar a escrever, já comeco a salivar.
Ter que ir para a rua, em pleno Dezembro, porque está mais agradável do que dentro de casa é, na minha concepcão de vida, como votar no Ventura para acabar com os paraísos fiscais.
Quando me sento numa sanita gelada ou acordo porque rebolei num lencol engomado na prateleira dos legumes, recorro frequentemente a um vocabulário mais limitado.
Aliás, uso muito poucas palavras para descrever o que me vai na alma ao passar frio dentro de casa.
Quando vejo estas tentativas de confinamento, é nisso que penso de imediato. No fundo, as pessoas são obrigadas a passarem frio. Seja pela construcão ou pela necessidade de não rebentar o salário na factura da EDP.
O confinamento em si também é uma medida engracada. Primeiro, é caricato que estando em casa, uma pessoa não tenha falta de alimentos no frigorífico, de pessoas que vão aparecendo nos estúdios de televisão, de servicos como água, luz, gás e internet 24h por dia, entregas ao domicilio, prendas no sapatinho, correspondência no correio, etc. E que, perante esse cenário e o aumento de casos de covid, comece a pensar que o confinamento não resultou. Ora, o confinamento não resultou porque nunca existiu.
Há uma fatia considerável da populacão que continua a circular para que aquilo que aparece em nossa casa, lá chegue.
Mais, por esta altura do campeonato, acho que é mais ou menos pacífico percebermos que o confinamento forcado não tem ajudado por aí além. Se assim não fosse, as diferencas de contagiados/mortes entre países seriam avassaladoras. E não são, pelo menos para realidades onde as comparacões fazem algum sentido.
O cúmulo da falta de senso foi aquela obrigacão de recolhimento às 13h, depois de umas horinhas de tudo ao monte nos centros comerciais.
Johan Giesecke afirmou que a clausura tem o efeito da bomba atómica. Não pode ser usada como medida de controlo de 15 em 15 dias porque, não só perde a sua eficácia como, pior, vai saturando a populacão. As implicacões económicas ficam para outro dia que isto já vai longo.
Não há outro caminho que não seja o de exigir a cada um de nós que faca a sua parte. Distanciamento, higiene, etc. Agora, estar a prender a populacão em casas geladas e esperar que infecões respiratórias diminuam, bem, não sou médico, mas assim de repente não me parece a ideia do ano.
A não ser para a EDP. Aí sim, já vejo mais potencial.
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  • Verdade, verdadinha. Está é a minha lareira aquece a sala no quarto tenho um aquecedor a óleo . Com este combustível podia aquecer a casa toda. Somos mesmo pobres.
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