SOLIDÃO NA VELHICE EM PORTUGAL: UMA TRAGÉDIA

Views: 11

SOLIDÃO NA VELHICE EM PORTUGAL: UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA QUE NINGUÉM QUER VER
Em Portugal, ser velho é quase uma sentença de invisibilidade. Numa sociedade que idolatra a juventude, os idosos são descartados como móveis antigos: já tiveram o seu tempo, agora atrapalham. A solidão na velhice não é um acaso, mas o produto direto das escolhas que temos feito como sociedade. E o mais triste é que todos fingem que não têm nada a ver com isso. A cultura portuguesa, que em tempos se orgulhava de cuidar dos seus mais velhos, hoje terceiriza essa responsabilidade. Os filhos estão “ocupados demais”, os vizinhos desapareceram e os lares de idosos tornaram-se depósitos de consciência tranquila. Instalou-se a ideia de que “o Estado que resolva”. Só que o Estado não tem tempo, nem dinheiro, nem afeto. Vivemos num país onde os idosos sustentaram famílias inteiras, mas agora vivem com reformas miseráveis, onde cuidaram de netos para que os pais pudessem trabalhar, mas agora são esquecidos em apartamentos frios ou abandonados no interior, sem transporte, sem apoio, sem voz. O envelhecimento, em Portugal, tornou-se um sinónimo de isolamento. A cidade não está pensada para eles. A tecnologia, muito menos. E a sociedade, essa, só os lembra no Dia dos Avós ou quando se quer comover em telejornais. No resto do tempo, a presença deles é incómoda: caminham devagar, falam do passado, não “sabem mexer no telemóvel”. O mais hipócrita é que todos nós vamos envelhecer. Mas, por algum motivo, fingimos que isso não nos diz respeito.
E por que razão esta solidão só tende a aumentar?
1. Desumanização das relações familiares: Os laços familiares tornaram-se frágeis, impacientes e baseados na utilidade. Quem não produz ou não “rende” é descartado.
2. Migração e urbanização: Filhos e netos partiram para o estrangeiro ou para as grandes cidades. O interior do país está envelhecido e esquecido, literalmente.
3. Tecnologia que exclui: Tudo é digital, automatizado, desumanizado. Quem não acompanha, é deixado para trás. Até ir ao banco virou um desafio para quem tem mais de 70 anos.
4. Falta de políticas públicas eficazes: Fala-se muito em “envelhecimento ativo”, mas o que se oferece são atividades pontuais e simbólicas. Onde estão os centros comunitários reais, o apoio psicológico, os transportes adaptados?
5. Vergonha de envelhecer: Os próprios idosos foram levados a acreditar que envelhecer é um fracasso. Por isso, escondem-se, silenciam-se, encolhem-se no mundo.
A solidão na velhice em Portugal não é um problema social. É um espelho da nossa falência moral. E enquanto não houver coragem para encarar esta verdade, continuaremos a assistir ao envelhecimento de um povo abandonado à sua própria sorte.
(Um dia seremos todos velhos… Para meditarmos seriamente).
José Micard Teixeira
(Crónicas Sem Maquiagem sobre uma Sociedade Sem Perfume)
Aguarela
Joao Paulo de Carvalho
May be an illustration of overcoat

Comentários

Deixe um comentário

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.