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Sobre Um punhado de areia nas mãos – Diário II, de Maria João Ruivo, Letras Lavadas, 2022
Aprouve-me escrever sobre este livro de Maria João Ruivo, conquanto não seja minha intenção recenseá-lo ou sobre ele tecer considerações de fôlego, até porque isto já o fizeram as Professoras Rosa Goulart (no Prefácio) e Leonor Sampaio da Silva (na apresentação da obra), ambas com brilhantismo. Não podia, no entanto, ler tão delicioso livro e guardar as impressões que dele me ficaram só para mim.
Maria João Ruivo abraçou o género diarístico em boa hora, e este já é o segundo volume de Um punhado de areia nas mãos. A autora manobra com destreza o género em causa, género este que tem inúmeras valências, isto é, que permite ao autor (no caso, autora) discorrer sobre tudo aquilo que lhe aprouver e tecer todas as considerações que quiser tecer. Como notaram Rosa Goulart e Leonor Sampaio da Silva, este diário de Maria João Ruivo alicerça-se no campo dos afetos. Não se fica a autora, porém, apenas por um registo intimista ou por se referir somente ao que sente e às suas relações com a família – o que já seria muito, pois estes aspetos estão muito bem expostos, não sendo demasiado contida a autora nem excessivamente atreita ao sentimento, isto é, há sentimento nas páginas do livro – os afetos –, mas nunca sentimentalismo fácil, até porque a escrita de Maria João Ruivo é cuidada sem ser “esquisita”, é bela sem o excesso de “retoques” poéticos. A autora fala um pouco de tudo quanto a rodeia, mostrando uma vertente cívica de valor, que me lembrou Garrett, nas Viagens na Minha Terra: “protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há de fazer crónica.”
Desta “crónica” que Maria João Ruivo enceta, toda filtrada pela sua reta formação de exemplar cidadã, fazem parte reflexões sobre a política, sobre a pandemia, sobre a guerra na Ucrânia, sobre o ensino, sobre a corrupção, e mais, podendo dizer-se que, no conjunto da obra, temos um fresco sobre este Portugal e, em especial, estes Açores dos últimos quatro anos. É acutilante e alheia a medos a crítica de Maia João Ruivo, eventualmente não agradará a muitos daqueles a quem é dirigida, mas, por isso mesmo, de grande valia. Devo confessar que me agradou particularmente a crítica dirigida a este nosso sistema de ensino, que é uma ditadura dos alunos e respetivos pais, atirando a figura do professor para um limbo de confusões.
Parabéns
, Maria João. Que venha o terceiro.