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Sobre vacinas.

AS VACINAS PARA A COVID – Esta é a minha publicação mais extensa, mas é a mais importante que já escrevi. Pensei muito antes de a escrever, pois, no início da pandemia, logo na minha primeira publicação sobre o vírus, um indivíduo veio perguntar se eu era virologista. Por acaso é uma pessoa das ciências sociais que fala de tudo com ar de que sabe mais que os outros. Eu não sei nada de nada de vírus e vacinas. Eu sou professor de filosofia. Sou obrigado pelo Ministério da Educação a leccionar teoria da ciência, epistemologia. Em geral a epistemologia é feita por filósofos. Os cientistas estão demasiado ocupados com as suas investigações para perderem tempo a reflectirem sobre que tipo de verdade é a verdade científica, sobre os fundamentos das suas metodologias, sobre as capacidades cognitivas que estão por detrás de determinados conceitos e raciocínios. Claro que no século XX houve cientistas a dedicarem-se também à epistemologia, alguns deram um grande contributo, como Piaget. Um dos temas da epistemologia que tenho de ensinar é «metodologia científica», os diferentes métodos de justificação de hipóteses científicas e as razões de ciências diferentes usarem métodos diferentes. Tenho de explicar os passos do método experimental, nomeadamente as razões que obrigam, algumas investigações, a usarem dois grupos, um experimental e outro de controle. É isto que domino, que ensino há 39 anos, estudei na faculdade mas nunca parei de me actualizar e é disto que vou falar, métodos. Podem-se usar muitos exemplos, esta publicação é sobre metodologia de testes a vacinas. Para isso vou ter de falar de um ou outro conteúdo científico de que não sei grande coisa. Aí socorri-me de coisas escritas e ditas por especialistas que estão a fazer um grande esforço para explicar, numa linguagem simples, coisas profundas da ciência, para totós como eu. Lembrem-se, isto é uma coisa que nos está a atingir a todos, a vacina vai ser uma coisa que nos vai implicar a todos. Não vão na conversa «não és especialista cala-te». Como já disse, há grandes especialistas a colocarem isso em termos simples, acessíveis a qualquer pessoa que queira entender, pelo menos entender nos seus aspectos essenciais.
Como já disse, não era para escrever nada disto, mas os anúncios recentes à comunicação social, por quatro empresas que estão a desenvolver vacinas, fez-me escrever. Claro que isto não é razão suficiente, nem a principal. A principal foi ver a reacção de muita gente aqui no Facebook a essas notícias. Piadas, bocas sem sentido, principalmente sobre as percentagens de protecção anunciadas, que um dia era uma uns dias depois outra. Uns falavam de competição de percentagens, que era tudo para enganar as pessoas, houve uma pessoa que dizia «amanhã vai aparecer uma a dizer que consegue uma protecção de 110%», com muita gente a achar muita graça. Outra razão foi ontem a Oxford, que trabalha com a AstraZeneca, ter anunciado os resultados dos testes da sua vacina. Já sei que os do costume hoje e amanhã vão aparecer com as suas «piadas», a armarem-se em engraçados e a confundirem as pessoas.
Desta vez, os que me costumam perguntar «és especialista?», estão lixados, ensinar epistemologia, nomeadamente o funcionamento do método experimental é o meu trabalho. O Estado paga-me para isso. Então vamos lá que a introdução já vai longa.
Depois de testes in vitro e em animais as vacinas passam a ser testadas em seres humanos. Vamos ver as fases de testagem em seres humanos.
− Fase 1 – É um teste aplicado a poucas pessoas, para verificar efeitos secundários, como reacções alérgicas.
− Fase 2 – Procura-se ver se é eficaz, se desperta imunidade.
− Fase 3 – Nesta fase leva-se mais longe o teste de eficácia. Mais pessoas são usadas no teste. Na fase anterior viu-se que o corpo produz anticorpos, mas será que nos protegem? Isso só sabemos estudando pessoas reais que foram vacinadas e apanharam o vírus. É agora que importa falar do grupo de controle e do grupo experimental. O grupo de controle e o grupo experimental devem ter o mesmo número de pessoas. Às pessoas do grupo de controle é injectado um placebo, às do grupo experimental é injectada a vacina. Quem está a participar da experiência não sabe se está no grupo de controle ou no experimental. Nem o técnico que dá a vacina sabe. Aquilo tem códigos que apenas são conhecidos pelos investigadores. Só estes sabem quem é dum ou outro grupo. É importante não se saber para que o conhecimento não gere comportamentos muito diferentes. A isto chama-se controlo de variáveis.
Por que é que há países mais adequados para fazer os testes do que outros? Esta divisão em grupo de controle e grupo experimental ajuda a entender. Imaginemos uma situação em que nem no grupo do placebo nem no grupo da vacina se registaram casos de infecção. Isso certamente tem a ver com o facto de a experiência estar a ser levada a cabo num local onde não há vírus suficientes para a experiência avançar. Percebe-se, portanto, as razões que levam a experimentar as vacinas nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Brasil. Vi várias pessoas a dizerem que a SinoVac está a testar a vacina no Brasil, que deveria era testar lá na China, já que a SinoVac é chinesa. Quem anda a dizer estas coisas deve ter percebido agora que isso se deve ao facto de no Brasil haver muita gente a ser infectada. Na China já há poucos vírus a circular.
Vamos lá então continuar com o grupo de controle e o grupo experimental. A diferença entre os dois grupos, relativamente ao número de infectados, diz-nos muito sobre a protecção que a vacina dá. Por exemplo, se entre os que levaram o placebo 100 pessoas foram infectadas e entre os que levaram a vacina só 10 foram infectados, a vacina deu uma protecção de 90%. Quanto maior for o número de infectados no grupo de controle, face ao grupo experimental maior é a certeza que a vacina protege.
Agora uma nota importante. Não é o laboratório, ou a universidade que está a desenvolver a vacina que vai decidir se ela vai ser usada ou não. Os dados vão sendo avaliados por comités independentes, e cada país tem comités avaliadores que tomam a decisão final. Nos Estados Unidos é a FDA – Food and Drug Administration. É uma agência federal do Departamento de Saúde. Estou a referir-me a esta pois duas das vacinas mais avançadas estão a ser desenvolvidas por laboratórios americanos, e vão ter de ser certificadas primeiramente pela FDA.
Vou agora falar das quatro vacinas mais badaladas na imprensa.
1. VACINA DA PFIZER – A Pfizer está a desenvolver uma vacina segundo um processo nunca antes usado. A Pfizer comprou a uma empresa alemã, a BioNtech, que estava a desenvolver uma vacina de mRNA que usa pedaços do genoma do vírus, a licença para usar esta nova tecnologia. A Pfizer começou por anunciar percentagens de protecção à volta de 90%, uns dias depois valores à volta dos 95%. Claro que os amantes da desinformação, aproveitaram para dizer coisas como «não sabem o que estão a fazer, um dia dizem uma coisa outro dia outra», «Isto é tudo para nos enganar». De facto, esta alteração de percentagem tem a ver com o desenvolvimento temporal do próprio método. Não podemos atirar vírus para cima das pessoas que estão a ser submetidas aos testes para ver qual é a reacção. Temos de esperar que entrem em contacto com o vírus nas suas actividades normais quotidianas. Isso significa que todos os dias essas empresas recebem novos dados. Quanto maior o universo, quanto maior a amostra, mais certezas. Esta alteração de percentagens ficou a dever-se a isso. O fosso entre os infectados no grupo de controle e no grupo experimental aumentou com o crescimento da amostra.
Um valor de 90% é muito bom. Lembrem-se que a vacina da gripe, que está a ser estudada e fabricada há anos tem uma eficácia entre 40% e 60%. É um vírus diferente, mais mutável, mas esta comparação mostra bem como devemos estar esperançados com uma vacina para o novo corona vírus.
Este valor tão alto deve-se ao tipo de vacina ou ao tipo de vírus? Se for devido ao tipo de vacina, outras vacinas que usem fragmentos de mRNA deverão estar a dar os mesmos resultados. Se for devido ao tipo de vírus, vacinas que usem outro tipo de tecnologia devem dar também níveis altos de protecção. As duas coisas estão a verificar-se.
1º problema com esta vacina. O RNA degrada-se facilmente à temperatura ambiente. Os testes têm decorrido armazenando e transportando o RNA a temperaturas de -80°C. Refrigeradores que consigam esta temperatura são super caros e raros. Isto exigiria um grande investimento e consequentemente um aumento no preço da vacina. A Pfizer está a fazer testes para ver se a vacina continua eficaz a temperaturas mais altas. Acho que até já há projectos para liofilizar a vacina, o que não exigiria temperaturas tão baixas, no momento de utilização seria activada.
2ª problema com esta vacina. O seu fabrico em grande escala. A Pfizer diz ter capacidade para produzir 1,3 mil milhões de doses até ao final de 2021. É pouco, só daria para vacinar 650 milhões de pessoas, pois as pessoas têm de levar duas doses. Penso que todas as outras vacinas estão também a ser pensadas para duas doses.
2. VACINA DA MODERNA – Esta vacina está a ser desenvolvida por uma pequena empresa americana. Usa também a técnica de pedaços de mRNA do vírus. Não me vou adiantar muito mais porque o que foi dito sobre a anterior serve para esta. A Moderna afirma que a protecção verificada anda à volta dos 95% e que a temperatura de armazenamento ronda os -20°C. Seria uma grande vantagem, faria descer imenso o preço.
3. VACINA DA Oxford/AstraZeneca. Ontem a Oxford anunciou os resultados da sua vacina. Usa uma tecnologia bastante diferente. Pegam num vírus respiratório, o adenovírus e colocam dentro dele pedaços do corona vírus. A ideia é a mesma, o nosso corpo depara-se com esses fragmentos e desenvolve protecção. A Oxford anunciou uma protecção de cerca de 70%, mas isto é uma média. Houve casos de 60% de protecção e casos de 90% de protecção. Como é que eles explicaram esta diferença? Quem levou duas doses teve uma protecção de 60%, quem levou primeiro meia dose e depois uma dose teve uma protecção de 90%. Há várias hipóteses já avançadas para explicar isto, mas não interessa para agora.
Vantagens desta vacina face às anteriores:
a) É mais fácil de produzir. Como isto já vai longo não vou explicar porquê. Quem estiver interessado investigue.
b) Pode ser armazenada e transportada à temperatura normal da maioria das vacinas.
c) Será muito mais barata.
4. VACINA CORONAVAC – A Sinovac diz que está quase pronta a dar informação sobre os resultados dos testes da sua vacina. A tecnologia que está a ser usada é uma tecnologia clássica de produção de vacinas, usa vírus inactivados. Vamos esperar pelos resultados.
− Fase 4 – Produção e distribuição em larga escala. Tratando-se de uma pandemia a atingir quase todos os países, não vai ser fácil. Há a acrescentar que algumas vacinas, ao usarem técnicas nunca antes usadas, não podem usufruir da experiência anterior de produção, nem em grande nem em pequena escala. Quando começar a vacinação em larga escala, isso não significa afrouxar na análise dos resultados. Reacções adversas têm mais hipótese de se manifestarem à medida que o universo de pessoas aumenta. Se a hipótese de uma reacção adversa grave for de 1 para 10 milhões, pode muito bem não aparecer na vacinação de apenas 1 milhão, mas começarem a aparecer muitos casos quando 200 milhões tiverem sido vacinados.
Deu-me muito trabalho fazer isto, tive de ler dezenas de publicações, espero que ninguém venha aqui só para provocar, ou com piadas racistas contra os chineses.
(fontes: sites das empresas referidas, diversos artigos de virologistas que não me lembro já, Atila Iamarino, microbiologista)
P.S. Quero dizer às pessoas que me estão a agradecer a publicação que não tenho qualquer mérito nisto, tudo o que está aqui está a ser dito pelos especialistas. Eu só organizei a informação no meu estilo de escrita.
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