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retirado de chrónicaçores uma circum-navegação vol 3
disponível em https://blog.lusofonias.net/chronicacores-uma-circum-navegacao-vol-3-parte-ii-2010-2018/
CRÓNICA 134 – A MINHA VISÃO DAS FLORES E CORVO (AÇORES) 31 agosto 2013
134.1. FLORES:
majestoso nascer do sol em santa cruz das flores
Situa-se a 30º 54’ de longitude oeste, e a 39º 25’ de latitude norte. Tem 143 km2 de superfície, 17 km de comprimento e 12,5 km de largura. A superfície da ilha é repartida por dois municípios – de Santa Cruz das Flores e de Lajes das Flores. A ilha, junto com a Ilha do Corvo, foram o Grupo Ocidental do arquipélago dos Açores. A 26 de maio de 2009, foi classificada pela UNESCO como Reserva da Biosfera.
Os principais centros populacionais são as vilas de Santa Cruz das Flores e das Lajes das Flores. Dispõe de um aérodromo ou pequeno aeroporto onde opera a SATA Açores, com ligações aéreas regular com a Horta, Lajes (Terceira), Ponta Delgada e Corvo. Entre julho a agosto, a Atlanticoline assegura (de forma bem mais irregular do que o previsto nos horários oficiais) as ligações marítimas de passageiros e viaturas entre o porto da vila das Lajes das Flores (via Horta) com as restantes ilhas. Assegura ainda o transporte regular de passageiros entre as vilas das Lajes e Santa Cruz das Flores e a Vila do Corvo.
1.2. CORVO
A Ilha do Corvo é a mais pequena e a mais setentrional do arquipélago dos Açores. Localiza-se no Grupo Ocidental, a 6 milhas náuticas a norte da Ilha das Flores. Situa-se a 39º 40’ latitude norte e 31° 05’ de longitude oeste. Ocupa uma superfície total de 17,12 km2, com 6,5 km de comprimento por 4 km de largura. A Vila do Corvo, única povoação da ilha, é sede do município do mesmo nome. Em 1987, as funções dos órgãos de freguesia foram assumidas pelos correspondentes órgãos municipais. Na ilha teriam sido descobertas cerca de uma centena de hipogeus (estruturas de terra cavadas na rocha primitivamente usadas como sepulturas há dois mil anos), incluindo algumas na cratera e aguarda-se o seu posterior estudo. A primeira citação desta ilha surge em 1351 no Atlas Médici como Ilha Dos Corvos Marinhos e em 1375 no mapa Catalão surge já distinta das Flores. Diogo de Teive, navegador português, tê-la-á descoberto oficialmente em 1452 ao regressar da Terra Nova. Quanto ao nome teve vários em diversos mapas: Ilha Dos Corvos Marinhos, Ilhas Floreiras, Ilha do Farol, Ilha Nova das Flores, Ilha de Santa Iria, Ilhéu das Flores, Ilha da Estátua, Ilha do Farol, Ilha Negra, Ilha de São Tomás, Ilha do Marco. Começou a ser habitada com um grupo de 30 pessoas lideradas por Antão Vaz de Azevedo da Ilha Terceira, e posteriormente um outro grupo da Terceira (família Barcelos) mas ambos abandonaram a Ilha.
Em 1548 Gonçalo de Sousa donatário das Flores e do Corvo foi autorizado a mandar escravos de Santo Antão (Cabo Verde) como agricultores e criadores de gado.
A primeira Igreja data de 1570 e a partir de 1580 juntaram-se os colonos das Flores, sendo a sua primeira paróquia estabelecida em 1647 e a sua primeira administração civil data de 1832.
Quando os navegadores portugueses aportaram pela primeira vez à pequena Ilha do Corvo, nos Açores, em meados do século XV, encontraram ali uma intrigante estátua de pedra, representando um cavaleiro com traços caraterísticos do norte de África.[1] Este episódio, despercebido a gerações de portugueses, iludido pelos manuais escolares, constitui um ponto de partida fulcral para a grande interrogação: quem descobriu pela primeira vez os Açores? Sabendo-se das diferenças qualitativas, não só etimológicas, entre “descobrimento”, “descoberta” ou “avistamento”, importa conhecer as diferentes etapas que fizeram da gesta das Descobertas Marítimas do Renascimento mais uma consequência do que antecedência gerada no zero dos saberes e da ignorância total sobre rotas oceânicas e capacidades náuticas epocais.
Não existem provas científicas de que os Açores sejam o remanescente do mítico Continente da Atlântida que, outrora, teria sido o berço de uma próspera e culta civilização, entretanto desaparecida nas profundezas do oceano. Curiosamente, no livro de banda desenhada, O Enigma da Atlântida de Blake e Mortimer, a Ilha de S. Miguel é uma das portas de saída da Atlântida. Mesmo que os Atlantes tenham algum dia habitado nos Açores, não foram descobertos, até à data, quaisquer vestígios arqueológicos.
Falta explorar as insondáveis profundezas dos seus mares. Mesmo aí é dúbio que algo possa ser encontrado e que sucessivos milhares de tremores e erupções submarinas não tenham escondido para sempre ou destruído totalmente. Pelos exemplos da violência dos tremores e erupções dos últimos quinhentos anos, dificilmente será crível que um dia se possam deparar com artefactos ou restos civilizacionais da Atlântida perdida que apenas encontrou eco nos escritos de Platão.
Através dos tempos, a Atlântida foi sempre motivo de cogitações e explorações fantásticas. Não faltaram, mais recentemente, escritores, jornalistas ou romancistas e mesmo cineastas, que chegaram a reconstituir, com um esforço de imaginação, a arquitetura, o traçado e os materiais de construção da capital da Atlântida. Confabularam o vestuário, o modo de vida da população; a sua economia, as suas classes sociais, a sua religião, os seus deuses e demónios; os seus imperadores; as suas orgias, a beleza estranha da soberana desse reino submerso. Especulações e nada mais. Platão tem sido submetido a uma das mais ferozes análises críticas, na tentativa de descobrir mais algum pormenor que conduza à localização da misteriosa Atlântida. Quiseram alguns geógrafos e historiadores ver na narrativa do filósofo grego uma alusão poética a um muito antigo conhecimento da America. O facto não é tão extraordinário como pode parecer à primeira vista, se considerarmos o arrojo marinheiro dos fenícios, e se juntarmos as recentes travessias do Atlântico por navegadores solitários em frágeis embarcações.
Partida do cais do porto da casa no corvo Alvorecer na ilha do corvo
O historiador Pausanias diria mais tarde (150 AC)
“Existia em pleno oceano, longe, e a oeste, um grupo de ilhas habitadas por homens de pele vermelha e cabelos como crinas de cavalo”.
Narrativa extraordinária pois. Ou pura imaginação que, coincidentemente, iria encontrar eco na realidade descoberta 1600 anos depois?
Plutarco, entre os anos 40 e 120 DC, escrevia
“Existem a oeste, no oceano, na mesma latitude da Grã-Bretanha, diversas ilhas atrás das quais se estende um vasto continente. Essas ilhas caraterizam-se pelo fato de que o sol aí brilha ininterruptamente durante trinta dias. A noite, o astro recolher-se-ia cerca de uma hora, mas mesmo nessas alturas, a obscuridade não seria total, porque o horizonte, a ocidente, ficava sempre iluminado por um crepúsculo”.
Plutarco descrevia, sem dúvida, terras próximas do círculo polar. O continente referido, só poderia ser a América. Juntem-se essas narrativas à hipótese de que, muito antes de Cristo, já os Açores e a Madeira terem sido explorados pelos fenícios, e não acharemos tão improvável o facto de que o Novo Mundo fosse conhecido na antiguidade.
A Atlântida não seria, então, o continente sul-americano? O poderoso reino a que se referia Platão não seria o império dos astecas? Convirá referir que é mais aquilo que desconhecemos do que o que sabemos sobre grandes civilizações da antiguidade. Muitas delas sumidas misteriosamente. Extintas dum momento para o outro, sem qualquer razão aparente, para além de colisões de meteoritos, aquecimentos globais ou outras causas por desvendar. As viagens de Fenícios e Cartagineses tiveram grande importância na Antiguidade para fins comerciais. As que poderiam ter levado a um reconhecimento dos Açores, foram a circum-navegação do continente africano, de Oriente para Ocidente, a mando do faraó Necho em finais do séc. VII a.C. e a viagem do cartaginês Annone, que perto do fim do século V a.C., abriu as velas de Cartago rumo ao Atlântico, ultrapassou as Colunas de Hércules (Gibraltar) e chegou ao Golfo da Guiné.
É curioso que as únicas referências ao conhecimento dos Açores, anteriores à chegada dos Portugueses, sejam fenícias e ambas relativas à Ilha do Corvo. Como eu dizia nos anos 70 num dos seus programas de rádio em Macau “Todas as coincidências têm uma causa matematicamente provável”. Neste caso podem existir também causas cientificamente prováveis. Fazendo fé na historiografia antiga, a probabilidade de os fenícios terem chegado aos Açores, é elevada.
Humboldt refere no “Examen Critique” que em 1749, uma tempestade violenta teria abalado as fundações de um edifício parcialmente submerso na ilha do Corvo.
No fim da borrasca descobriu-se, entre as ruínas, um vaso contendo moedas de ouro e cobre que foram levadas para um convento, e das quais nove foram preservadas e enviadas ao padre Enrique Flores, em Madrid, que as cedeu a J. Podolyn da Academia de Ciências de Estocolmo.
Algumas moedas apresentavam a figura de um cavalo por inteiro, outras apresentavam somente a cabeça desse animal.
Alguns peritos afirmaram com suficiente grau de certeza que se tratava de duas moedas fenícias do norte de África (da antiga colónia grega de Cirene ou Cirena [em grego Κυρήνη, Kurene] na atual Líbia, a mais antiga e mais importante das cinco cidades gregas da região). As restantes sete eram moedas cartaginesas.
A primeira publicação de caráter científico referindo aquelas moedas do Corvo deve-se a Johann Frans Podolyn, um numismata sueco que publicou em 1778 uma notícia intitulada Algumas anotações sobre as viagens dos antigos, derivadas de várias moedas cartaginesas e cirenaicas que foram encontradas em 1749 numa das ilhas dos Açores
Naquele artigo, Podolyn afirma que em 1749, depois de vários dias de mar tempestuoso de oeste, que expôs parte da fundação das ruínas de um edifício de pedra numa praia da ilha do Corvo, foi descoberto um vaso de barro negro, quebrado, contendo no seu interior um grande número de moedas desconhecidas que foram levadas para um convento (provavelmente o convento franciscano de S. Boaventura, em Santa Cruz das Flores) a partir do qual foram distribuídas.
Parte das moedas foi enviada para Lisboa e daí para Madrid ao padre Enrique Flórez de Setién y Huidobro (*1701 – †1773), da Ordem de Santo Agostinho, que foi um conhecido historiador e numismata espanhol, à época o mais conhecido numismata ibérico.
Desconhece-se o número de moedas existente no vaso e quantas foram enviadas para Lisboa. O Padre Flórez recebeu nove (9) moedas, depois por ele descritas e estudadas. As moedas recebidas em Madrid eram: duas moedas cartaginesas de ouro, cinco moedas, cartaginesas, de cobre e duas moedas cirenaicas, também de cobre. O padre Flórez cedeu as moedas a Podolyn quando este visitou Madrid em 1761, dizendo-lhe que as moedas “representavam todos os tipos encontrados no Corvo” e que eram as mais bem preservadas da coleção. Na notícia publicada, acompanhada por imagem das moedas, Podolyn afirma que as mesmas, com exceção das de ouro, não são raras, sendo apenas notável o sítio onde foram encontradas, já que não se conhece notícia da presença de cartagineses nos Açores, embora seja possível ligar essa presença à famosa estátua equestre e inscrição que teria sido encontrada no Corvo à época do povoamento.
Faria e Sousa na sua História de Portugal relata esta estátua citando-a como possivelmente de origem chinesa, o que levou mais tarde esse alegado inventor da história, Gavin Menzies, a usar a mesma como “prova” da descoberta chinesa dos Açores antes dos Portugueses. Este Menzies que dizem ser uma fraude, ao contrário desse inventonas que é o loquaz e ótimo comunicador José Hermano Saraiva que se serve de qualquer facto autêntico para criar uma novela com laivos históricos.
É relatado por André Thevet, um francês do século XVI, que um descendente mourisco ou judaico encontrara uma inscrição com carateres hebraicos numa gruta de S. Miguel, durante os Descobrimentos, mas não foi capaz de a ler, alguns supuseram tratar-se de carateres fenícios. Em 1976, nesta mesma ilha, haveria de ser desenterrado um amuleto com inscrições de uma escrita fenícia tardia, entre os séculos VII e IX da era cristã. A maior parte dos historiadores continua a negar validade a esta afirmação, o que não a impede, porém, de ser verídica. No século XVI, Génébrand referiu-se à existência dum túmulo com inscrição hebraica em S. Miguel, Açores. Trata-se na realidade de carateres fenícios de Canaã erroneamente qualificados de hebraicos pela semelhança entre o alfabeto dos cananeus e o dos antigos hebreus. O texto decifrado permitiu a Manasseh ben Israel, sábio hebreu do século XVII ler a inscrição como “Mektabel Suai, filho de Matadiel” (de acordo com Pierre Carnac em “A Atlântida de Cristóvão Colombo”).
Damião de Góis escreveu na “Crónica do Sereníssimo Príncipe Dom João” que quando os portugueses chegaram à remota ilha encontraram uma estátua equestre no cume noroeste da serra, no centro da ilha, colocada sobre um pedestal quadrado.
No seu cume, que parecia servir de marco aos navegantes, estava o vulto de um homem grande de pedra, montado num cavalo sem sela. Era uma estátua profética, construída, não se sabe por quem, a partir de um único bloco de pedra e representava um homem, de cabeça descoberta, mas tapado por uma espécie de manto. As faces do rosto e outras partes estavam sumidas, cavadas e quase gastas pelo tempo e supõe-se que pela erosão dos elementos. Sobre as crinas do cavalo, o qual tinha uma perna dobrada e outra levantada, estava a mão esquerda do homem, enquanto o braço direito estava estendido e com os dedos da mão encolhidos. Só o indicador continuava aberto e apontava para o poente ou noroeste, para as regiões onde o sol se oculta, a grande terra dos bacalhaus, a América ou o Brasil, terras que ainda não tinham sido descobertas pela civilização ocidental. O rei Dom Manuel I teria mandado a Duarte d’Armas que fizesse um desenho da estátua e ordenado o seu transporte para a corte de Lisboa, mas só viria a receber pedaços do monumento, nomeadamente, a cabeça, e o braço e mão direitos, e parte do cavalo. Estas peças teriam sido guardadas no palácio real, tendo-se perdido o seu rasto a partir daqui. Na base – deixada no Corvo – existiriam algumas letras numa escrita desconhecida que foram copiadas em 1529 por Pedro da Fonseca, mas cujo teor ninguém conseguiu até hoje identificar.
Cavaleiro de basalto
A respeito do artigo Quem construiu a estátua da ilha do Corvo? (Super n.º 128 de dezº 2008), convém ter em atenção o que se segue.
O autor invoca uma série de testemunhas. De nenhuma delas há um testemunho direto, porque só se sabe o que disse Damião de Góis. O Dr. Gaspar Frutuoso, bem como Frei Diogo das Chagas e outros, limitou-se a copiar o que escreveu o cronista, que apenas deve ter ouvido a história, porque se percebe pelo relato que o próprio não chegou a ver os despojos do achado. O basalto é uma pedra muito difícil de esculpir. Seria quase impossível conseguir pormenores que fizessem o cavaleiro parecer-se a um magrebino. O que aliás contrasta com o que diz Frutuoso do que afirmavam os naturais das Flores e Corvo: que a estátua “estava carcomida, com as faces do rosto e outras partes do corpo sumidas e quase gastadas”.
Quanto às letras gravadas na rocha, estariam em lugar tão inacessível que teria sido necessário descer por cordas quem lhes tirou o molde. Como teria sido então possível o trabalho de as esculpir? E por que razão, sendo este episódio do tempo de D. Manuel, o conta Damião de Góis na Crónica do Príncipe D. João? Aliás, o célebre humanista não era um historiador, mas um cronista. O seu pouco rigor chegou mesmo a causar-lhe complicações com a justiça real. Que dizer das moedas achadas nas ruínas de uma casa? Que, se existiram, foram para lá levadas depois do povoamento. Das inscrições numa gruta muito grande em S. Miguel, basta dizer que nunca se encontrou a gruta sequer. E, quanto aos carateres em pedra nas Quatro Ribeiras, quase todas as pessoas que os viram afirmam ser uma formação natural. Quem quer crer nos fenícios diz apenas que “talvez” … Quanto ao saber marítimo dos fenícios, não consta que tenham sido mais do que bons marinheiros de cabotagem. Os portugueses foram os primeiros a ser capazes de navegar sem terra à vista. Os próprios viquingues chegaram à Gronelândia fazendo escala nas ilhas Faroe e na Islândia, já então habitadas. E, da Islândia à Gronelândia (300 km), com boa visibilidade viaja-se sempre tendo a terra como referência: até meio caminho continua a ver-se a Islândia, daí para diante já se avista a Gronelândia. Daniel de Sá, Maia, S. Miguel, Açores
Diria ainda o cético Daniel de Sá a este respeito (jornal Público 20 julho 2008):
“…há outra novidade nas livrarias, que versa sobre uma famosa estátua que teria sido encontrada na ilha do Corvo pelos primeiros povoadores. Prova irrefutável de que por ali andaram cartagineses muito antes de Cristo calcorrear a Galileia. Falou dela Damião de Góis, que a descreve em pormenor, mas não a viu. Como convém nestes casos, não ficou nem um pedacinho da escultura, que teria sido levada para a corte no tempo de D. Manuel. Nem qualquer marca na ilha. E também desapareceram as moedas cartaginesas encontradas lá nos finais do século XVIII. Desaparecimentos deste tipo dão sempre jeito para uma história revista e aumentada.”
Já o célebre historiador e estudioso de fenómenos esotéricos, Joaquim Fernandes (um brilhante aluno que foi meu antigo colega de liceu, Faculdade de Letras da Universidade do Porto,[2]) responderá assim a Daniel de Sá:
“…. Pretendera beliscar uma dupla credibilidade: a de Damião de Góis, que descreve com algum detalhe, o episódio da estátua equestre encontrada pelos portugueses na ilha do Corvo, e o historiador no papel de autor do romance O cavaleiro da Ilha do Corvo, que embora em tons de ficção, fá-lo com a segurança e credibilidade que lhe confere uma investigação documental de centenas de referências bibliográficas, de Aristóteles à pesquisa atual, disponível no final do citado livro.
Desde o arquiteto Duarte d’Armas, que el-rei mandou ao Corvo fazer o desenho da estátua, aos pedreiros enviados ao ilhéu com a incumbência de trazerem o monólito para Lisboa, passando pelo donatário Pedro da Fonseca, que em 1529, se deslocou ao Corvo para recuperar uma legenda em carateres não-latinos descoberta no sopé onde antes existira a estátua do cavaleiro com “traços africanos”, seguindo a descrição de Góis.
E o mapa dos irmãos Pizzigani, de 1367, que confirma a tradição árabe das estátuas marco no centro do Atlântico?
Ou seja, o autor da Crónica do Príncipe D. João é digno de crédito para descrever a chegada do primeiro rinoceronte a Lisboa; mas já não serve quando relata a chegada ao Paço dos destroços do monumento, que a imperícia dos pedreiros provocara….
Quatro séculos passados persistem aqueles que minimizando a integridade de Damião de Góis, tentam fazer da História um livro fechado:”
Sei-o, por experiência própria, que sempre que se quer alterar o que ao longo dos séculos vem passando por História, um enorme coro se levanta a defender a versão e o status quo. Faz parte da mente humana recusar aceitar novos factos, provas ou teorias, que contradigam aquilo em que se acredita desde a idade de formação intelectual. O primeiro romance do investigador Joaquim Fernandes, “O cavaleiro da ilha do Corvo”, promete criar polémica, ao sugerir que os navegadores da Antiguidade terão conhecido os Açores muitos séculos antes de os portugueses ali terem chegado. (Jornal de Notícias 6/6/2008):
Na base da tese defendida no livro, alicerçada em anos a fio de investigações, encontra-se um dado para muitos desconhecido: quando os navegadores portugueses chegaram à ilha do Corvo, nos Açores, em meados do século XV, encontraram ali uma intrigante estátua de pedra, representando um cavaleiro com traços caraterísticos do norte de África. A existência do referido monumento até poderia ser uma simples lenda não fosse dar-se o caso de o relato da sua descoberta ter sido escrito pelo grande humanista português dos Descobrimentos Damião de Góis, cuja “obra e crédito são dificilmente questionáveis”, adianta Joaquim Fernandes. Obra de ficção que, segundo o autor, “não deixa de ser também um ensaio histórico”. “O cavaleiro da ilha do Corvo” levanta questões várias (“e se a tal lenda de um tal cavaleiro em pedra que aponta, do mais alto cume da ilha, em direção às Américas fosse apenas uma tentativa de insinuar a descoberta por outros povos do que Colombo definirá de Novo Mundo?”, questiona o autor) numa trama conspirativa destinada a relançar o debate em torno dos Descobrimentos. “O livro defende, em suma, a plausibilidade da hipótese da navegação no Atlântico mil anos antes de os portugueses darem início à sua aventura marítima “, explica o especialista no estudo do imaginário português. O docente da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, tem outros projetos que aguardam publicação. O primeiro, intitulado “Poesia e o Céu”, é uma revisão da poesia portuguesa de todos os tempos, inspirada pelos astros. Igualmente ambicioso é o volume “O livro dos portugueses esquecidos”: em mais de meio milhar de páginas, Fernandes recorda a vida de 300 figuras nacionais dos séculos XVI a XIX que, devido a perseguições várias, se viram obrigadas a procurar refúgio noutros países, nos quais atingiram relevo em áreas tão distintas. Desde José Carlos de Almeida, o fundador da Sociedade Francesa de Física, ao Padre António de Andrade, o primeiro europeu a chegar ao Tibete, há biografias para todos os gostos. Do seu conjunto extrai-se a ideia de “um país que sempre conviveu mal com a diferença, exibindo sinais de uma intolerância, sobretudo política e religiosa, que se revelou catastrófica para o seu desenvolvimento, ao dispensar um número avultado de talentos”. A lista poderia ser ainda mais vasta se incluísse figuras como Damião de Góis ou Pedro Nunes, que abandonaram o país nas mesmas circunstâncias dos restantes biografados, mas o organizador da antologia entendeu privilegiar figuras que, apesar da sua valia, foram esquecidas com o decorrer dos anos. Para investigar esta autêntica ‘fuga de cérebros’, Joaquim Fernandes recorreu a enciclopédias e dicionários, mas também jornais e publicações científicas, surpreendendo-se com a quantidade de ‘estrangeirados’ que Portugal foi acumulando ao longo dos anos. “Boa parte dessa elite foi enriquecer sociedades como a alemã ou a holandesa”, lamenta o autor. Quando os navegadores portugueses aportaram pela primeira vez à pequena ilha do Corvo, nos Açores, em meados do século XV, encontraram ali uma intrigante estátua de pedra, representando um cavaleiro com traços caraterísticos do norte de África. Este episódio, despercebido a gerações de portugueses, iludido pelos manuais escolares, constitui um ponto de partida fulcral para a grande interrogação: quem descobriu pela primeira vez os Açores? Sabendo-se das diferenças qualitativas, não só etimológicas, entre “descobrimento”, “descoberta” ou “avistamento”, importa conhecer as diferentes etapas que fizeram da gesta das Descobertas Marítimas do Renascimento mais uma consequência do que antecedência gerada no zero dos saberes e da ignorância total sobre rotas oceânicas e capacidades náuticas epocais. (in RTP Açores Comunidades de 13/6/2009)
Quem foram os construtores da Estátua da Ilha do Corvo?
Esta surpreendente revelação tem sido regularmente refutada pela historiografia mais conservadora, que a tem crismado de “rumor”, “lenda” ou mesmo “fraude”. Mas, existe uma fonte autorizada – de entre outras de diversa natureza – por muitos silenciada ou ignorada ao longo dos séculos. Quem a forneceu à posteridade tem obra e crédito dificilmente questionáveis: Damião de Góis (1502-1574), o grande humanista português do Renascimento, que descreve, com algum detalhe, no capítulo IX da sua Crónica do Príncipe D. João, escrita em 1567, as circunstâncias em que o inesperado monumento – “antigualha mui notável”, assim lhe chama o cronista – foi achado no noroeste da pequena ilha, a que os mareantes chamam “Ilha do Marco”. Quando? “Nos nossos dias”, afirma o cronista régio, na mesma crónica, ou seja, no seu tempo de vida, provavelmente entre os finais do século XV e os inícios de XVI, no decurso do reinado de D. Manuel I e durante as primeiras tentativas de colonização da ilha do Corvo. O que era, então, esse insólito e inesperado “monumento”? “Uma estátua de pedra posta sobre uma laje, que era um homem em cima de um cavalo em osso, e o homem vestido de uma capa de bedém, sem barrete, com uma mão na crina do cavalo, e o braço direito estendido, e os dedos da mão encolhidos, salvo o dedo segundo, a que os latinos chamam índex, com que apontava contra o poente. Esta imagem, que toda saía maciça da mesma laje, mandou el-rei D. Manuel tirar pelo natural, por um seu criado debuxador, que se chamava Duarte d’Armas; e depois que viu o debuxo, mandou um homem engenhoso, natural da cidade do Porto, que andara muito em França e Itália, que fosse a esta ilha, para, com aparelhos que levou, tirar aquela antigualha; o qual quando dela tornou, disse a el-rei que a achara desfeita de uma tormenta, que fizera o inverno passado. Mas a verdade foi que a quebraram por mau azo; e trouxeram pedaços dela, a saber: a cabeça do homem e o braço direito com a mão, e uma perna, e a cabeça do cavalo, e uma mão que estava dobrada, e levantada, e um pedaço de uma perna; o que tudo esteve na guarda-roupa de el-rei alguns dias, mas o que depois se fez destas coisas, ou onde puseram, eu não o pude saber”. O cronista pormenoriza ainda que, “em 1529, o donatário Pêro da Fonseca, das ilhas das Flores e do Corvo, “soube dos moradores que na rocha, abaixo donde estivera a estátua, estavam entalhadas na mesma pedra da rocha uma letras; e por o lugar ser perigoso para se poder ir onde o letreiro está, fez abaixar alguns homens por cordas bem atadas, os quais imprimiram as letras, que ainda a antiguidade de todo não tinha cegas, em cera que para isso levaram (sublinhado nosso); contudo as que trouxeram impressas na cera eram já mui gastas, e quase sem forma, assim que por serem tais, ou porventura por na companhia não haver pessoa que tivesse conhecimento mais que de letras latinas, e este imperfeito, nem um dos que ali se achavam presentes soube dar razão, nem do que as letras diziam, nem ainda puderam conhecer que letras fossem”.
Rumores lendários ou testemunhos factuais?
Quais as testemunhas documentalmente identificadas, sem equívocos, diretamente envolvidas no episódio histórico em torno da chamada Estátua Equestre da Ilha do Corvo? Num primeiro grupo podemos incluir: D. Manuel I, 14º rei de Portugal; Duarte d’Armas, arquiteto e desenhador da Corte, autor do debuxo do monumento; um mestre pedreiro, natural do Porto, incumbido pelo rei da missão de desmontar e transportar o monumento para Lisboa; Damião de Góis, moço de câmara, cronista régio e guarda-mor da Torre do Tombo; Frutuoso de Góis, guarda-roupa do referido soberano e irmão mais velho do anterior; Pedro da Fonseca, donatário das ilhas das Flores e do Corvo, em 1529. Acrescentemos a estes um segundo grupo de outros presumíveis testemunhos, embora não referenciados nos documentos, como Antão Vaz Teixeira, colono da primeira vaga de ocupação da ilha (entre 1508 e 1515); os irmãos de apelido Barcelos, depois de 1515, na segunda tentativa de povoamento do Corvo, talvez os mesmos que alertaram Pedro da Fonseca, em 1529, e os que acompanharam o capitão da ilha ao local da laje para copiar a legenda da estátua. Finalmente, um terceiro núcleo de individualidades, mais ou menos coevos dos protagonistas da fase da recuperação da legenda, como sejam o Dr. Gaspar Frutuoso, o primeiro historiador açoriano, contemporâneo de Damião de Góis, ainda que um pouco mais novo que este; Fr. Diogo das Chagas, escritor, que confirma a presença do donatário Pedro da Fonseca, na ilha do Corvo, em 1529; o Dr. Luís da Guarda, corregedor dos Açores entre 1548 e 1552, referenciado por Gaspar Frutuoso como tendo sido uma das pessoas ( “ou outro seu propínquo antecessor”, supõe o historiador) que “pretenderam alcançar o segredo daquela antiguidade”, que, segundo os naturais das ilhas das Flores e do Corvo, ainda de acordo com Gaspar Frutuoso, “estava carcomida, com as faces do rosto e outras partes sumidas, cavadas e quase gastadas, do muito tempo que tudo gaste consome”. Embora Damião de Góis nos informe, textualmente, “em nossos dias se achou”, não aponta uma data. Sugere, quando muito, que a descoberta dessa “antigualha assaz antiga” – como ele a descreve – é contemporânea dele, do seu tempo. O facto de ter sido D. Manuel I a mandar investigar e a recolher o monumento aumenta essa probabilidade. Mas não é impossível que a informação tenha chegado antes à Corte portuguesa. É nesse conhecimento anterior a D. Manuel e Damião de Góis que se funda a tese da estátua do Corvo como elemento decisivo e impulsionador das explorações portuguesas de longa distância. Se o monumento existiu, de facto, quem poderia tê-lo construído? Para o cronista régio e arquivista da Torre do Tombo, “esta gente que veio ter a esta ilha e nela deixou esta memória poderia ser da Noruega, Gótica, Suécia ou Islândia”, divergindo assim da hipótese fenícia ou cartaginesa defendida pelo seu contemporâneo açoriano Gaspar Frutuoso. Recorde-se que o jovem Damião entrou ao serviço do Rei Venturoso com apenas nove anos de idade, fazendo companhia ao seu irmão mais velho, Frutuoso, guarda-roupa do soberano no Paço da Ribeira. Damião teve mestres de várias disciplinas, como mandava a refinada educação palaciana da época, começando como pajem da lança, servindo o rei à mesa. Passou também a estudar música, para satisfação do rei, um refinado melómano, estivesse em despacho ou na sesta. Mais tarde, foi moço de câmara, um lugar de intimidade no protocolo régio, sendo dos poucos que se permitia entrar na régia presença em pelote, que, ao contrário do que se possa pensar, era uma capa forrada de peles. Rezam as crónicas que segurava o bacio do penteador, enquanto o irmão Frutuoso penteava D. Manuel I… Temos, pois, reunido um séquito de testemunhos diretos, muito próximos, além dos indiretos, cuja concordância confere algum peso qualitativo à presunção da existência de facto do dito monumento, porventura perdidos os seus destroços entre as brumas da memória e das ruínas humanas.
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Recorde-se que o jovem Damião entrou ao serviço do Rei Venturoso com apenas nove anos de idade, fazendo companhia ao seu irmão mais velho, Frutuoso, guarda-roupa do soberano no Paço da Ribeira. Damião teve mestres de várias disciplinas, como mandava a refinada educação palaciana da época, começando como pajem da lança, servindo o rei à mesa. Passou também a estudar música, para satisfação do rei, um refinado melómano, estivesse em despacho ou na sesta. Mais tarde, foi moço de Câmara, um lugar de intimidade no protocolo régio, sendo dos poucos que se permitia entrar na régia presença em pelote, que, ao contrário do que se possa pensar, era uma capa forrada de peles. Rezam as crónicas, que segurava o bacio do penteador, enquanto o irmão Frutuoso penteava D. Manuel I… Temos, pois, reunido um séquito de testemunhos diretos, muito próximos, além dos indiretos, cuja concordância confere algum peso qualitativo à presunção da existência de facto do dito monumento, porventura perdidos os seus destroços entre as brumas da memória e das ruínas humanas.
Em 1587, o Corvo foi saqueado e as suas casas queimadas pelos corsários ingleses, que haviam atacado as Lajes das Flores. No ano de 1632, a ilha sofreu duas tentativas de desembarque de piratas da Barbaria, no atual cais Porto da Casa, que era apenas uma baía. Duzentos corvinos usaram tudo ao seu dispor para repelir os atacantes que acabaram por desistir com baixas. A imagem de Nossa Senhora do Rosário foi colocada na Canada da Rocha e diz a lenda que ela protegeu a população das balas disparadas.
No séc. XVIII, com a chegada dos barcos baleeiros norte-americanos à Ilha das Flores para recrutar tripulação e arpoadores, uma vez que os corvinos eram apreciados pela sua coragem, iniciou-se uma estreita relação com a América do Norte, que passou desde então a ser o destino de eleição para a emigração corvina e de onde chegaram praticamente todas as novidades à ilha, a qual manteve durante muito tempo uma relação mais estreita com Boston do que com Lisboa. A emigração clandestina era uma constante da vida da ilha, apesar dos esforços repressivos das autoridades portuguesas, preocupadas com a fuga ao serviço militar obrigatório e com a perda de mão-de-obra. Os corvinos pagavam um pesadíssimo tributo aos capitães do donatário. Manuel Tomás de Avelar foi o chefe da ndelegação de corvinos que foi a Angra do Heroísmo fazer a petição, despertando, pela sua sabedoria e maneiras, o espanto da liderança liberal da Regência de Angra. Mouzinho da Silveira, impressionado pela quase escravidão em que vivia o povo do Corvo, obrigado a comer pão de junca para poder pagar o tributo a que se encontrava obrigado, propôs a redução para a metade, do pagamento em trigo e anulou o pagamento em dinheiro, fazendo assim a felicidade dos corvinos. A impressão foi tal que Mouzinho da Silveira, hoje homenageado como patrono da Escola Básica Integrada do Corvo, anos depois escreveria no seu testamento que gostaria de estar sepultado na ilha, “cercado de gente que na minha vida se atreveu a ser agradecida”.
MOUZINHO DA SILVEIRA
O decreto, datado de 14 de maio de 1832, e assinado em Ponta Delgada por D. Pedro IV, reduziu à metade (20 moios) o pagamento em trigo que os corvinos faziam a Pedro José Caupers, então donatário da Coroa, e eliminou o pagamento em dinheiro de 80 000 réis. Em contrapartida, a Coroa assumiu indemnizar o donatário. O tributo apenas foi completamente abolido em 1835.
Pedro IV de Portugal elevou a povoação do Corvo à categoria de vila e sede de concelho (20 de junho de 1832). O decreto determinou que a nova vila se chamasse Vila do Corvo, e não Vila Nova como por vezes aparece grafado.
Antes disso, esteve sob jurisdição de Santa Cruz das Flores, sendo uma das freguesias daquele concelho. Atualmente o dia 20 de junho é feriado municipal.
134.3.1. FLORES E CORVO UMA VIAGEM, 26 agosto 2013
Da cama vejo o Corvo, um rochedo em formato de bota medieval, pontos brancos no sopé, no tacão, ilha inviável na teimosia dos habitantes. Da varanda vejo uma baleia decepada no átrio do Museu da Fábrica da Baleia (que ainda não abriu na antiga fábrica de retalhar cetáceos). Santa Cruz das Flores tem cerca de 2 mil almas, uma vida pachorrenta neste bulício de verão. Nem imagino como será a longa invernia de mares alterosos, onde hoje há um espelho de água que me lembra a Baía de Díli, em frente a Lecidere, nos anos 70 do século passado…. Em volta só há mar até às Américas, que isto de Europa já nada tem. Se Galileu não o tivesse dito, a Terra podia ser plana, tão vasto e reto é o horizonte que se confunde com o oceano.
Parado no carro, à espera da minha cara-metade e dos seus remédios, à porta da Farmácia de Santa Cruz, vejo aproximar-se e parar, um simpático agente da autoridade numa viatura da Polícia Marítima, o qual, cortês, me chama à atenção, de que estou contra a mão.
O mesmo me acontecera em S Jorge. Estou sempre contra qualquer coisa. Já é mania. Analisadas as instalações e de darmos umas voltas pela urbe fomos almoçar ao Boston Super Hambúrguer, bom e barato 6.00€ PAX. Ao jantar fomos ao Restaurante Rosa (logo a seguir à Igreja) com comida aceitável por 11.00€.
Depois de uma ida à piscina e ao ginásio fomos repousar cedo. O sol pôs-se por detrás de nós, detrás dos montes, vieram as estrelas e os cagarros, o marulhar calmo das ondas, contrastando com os gritinhos quase infantis e divertidos destas aves, sobre a piscina iluminada.
Ao longe há cento e tal casas alumiadas no Corvo, e mais meia dúzia a meia encosta. Vi os faróis de um carro rumo à caldeira. Parece estar aqui tão perto, essa terra de lendas e povos antigos. A Ursa Maior apontava o caminho enquanto a Ursa Menor me atraía e me confundia entre as constelações Pégaso e Oríon, esquecido que estou de olhar os céus, nomes perdidos na memória de anos idos.
Este silêncio, esta paz, a gentileza das gentes. Ao jantar, no apinhado restaurante Rosa, os funcionários estavam preocupados pelo atraso em servirem-nos, por entre a confusão de terem de atender também duas mesas de 25 excursionistas doutra ilha. Uma terra com a dimensão pouco maior do que a Maia em São Miguel virada para o mar por todos os lados (e a atestá-lo a numerosa flotilha de barcos e barquinhos a toda a hora cruzando o canal para o Corvo), ilha esquecida pelos governos centrais e regionais (exceto agora em tempo de eleições e de alcatifar estradas e caminhos municipais).
Apetece fugir para aqui, apesar de não haver gelados em parte alguma, porque de acordo com o que me foi gentilmente explicado “esta terra é assim”.
Apetece fugir para aqui das guerras, da fome, dos governos que nos desgovernam e passar despercebido do mundo. Terra ideal para escrever como Roberto Mesquita e Pedro da Silveira fizeram, enquanto iam ao mar buscar laranjas. Amanhã vou ao Corvo…ver grutas e sonhar com golfinhos e baleias.
Da varanda continuo a ouvir a dança louca dos cagarros, cada um com seu cântico de guerra distinto….
Ao olhar o Corvo na lonjura parecia um botim, ou mais romanticamente, um navio à medida da Jangada de Pedra do Saramago à deriva no Atlântico Norte.
Se ao menos tivesse asas como os cagarros deixava-me ir mesmo sem lhes conhecer o alfabeto nem o sotaque dos seus constantes ralhos.
a fábrica da baleia, ora museu em santa cruz das flores NASCER DO SOL NAS FLORES aerodromo do corvo
134.3.2. COMO VI O CORVO EM 27 agosto 2013
Amanheceu mesmo em frente à janela da suíte e talvez pela primeira vez (desde que me lembro) vi o sol nascer sobre o mar, momento inolvidável de beleza e magia que iria marcar o resto do dia dedicado à viagem ao Corvo. Saímos com outras 12 pessoas num Zodiac, barco semirrígido, para uma viagem de pouco menos de 40 minutos (15 milhas) ao custo de 30 Euros por pessoa, com direito a ver grutas. O guia navegador, há 20 anos metido nisto, apoia a Universidade dos Açores e seus biólogos, e deu explicações detalhadas sobre cagarros, a pesca do atum e aspetos da vida marinha.
CALDEIRÃO DO CORVO
A viagem correu bem sem sobressaltos, mas se vislumbrarem os prometidos golfinhos nem baleias (cachalotes). Muito calor à chegada ao pequeno cais, o Porto da Casa, onde 3 carrinhas de 9 lugares nos esperavam para levarem os visitantes ao Caldeirão e suas lagoas, ponto obrigatório de visita dos turistas, a um custo de 5 euros por pessoa, creio eu. Ainda não chegara a névoa e via-se tudo bem. Muitas pessoas desligaram-se do grupo e foram caminhar pelos trilhos, monte acima, ou monte abaixo, descendo depois os 8 km a pé até à capital da ilha e única povoação.Perguntei ao motorista como era a vida no Corvo, face às noções que fui acumulando ao longo dos anos, sobre as suas privações, a sua pouca população (menos de 400 pessoas), as longas noites de invernia, mares de vagas de doze metros, semanas sem comunicação com o mundo exterior de barco ou avião (a fibra ótica está quase a chegar). O motorista disse que agora já não era tão mau como o fora até há alguns anos, pois as pessoas tinham meios para se abastecerem e fazerem face aos cortes de suprimentos causados pela falta de comunicações marítimas.O ilhéu que parece uma bota, onde as suas gentes se confinaram à outrora chamada Vila Nova do Corvo (hoje Vila do Corvo) sem ocupação efetiva da terra como local de moradia nas terras mais altas. A altitude do Caldeirão do Monte Gordo é de 300 metros, a sua crista fica a 600 metros, mas o Morro dos Homens atinge 718 m. Tem um diâmetro de 2 mil metros com pequenos lagos, dois ilhéus compridos e cinco ilhéus arredondados tendo-se formado há cerca de 1,5 milhões de anos. Na estrada de ascensão à Caldeira havia muito movimento para uma ilha tão pequena e despovoada: carrinhas de vaqueiros, pequenos tratores, moto-quatro conduzidas por idosos, jovens e até por uma mulher (a igualdade de género já chegou ao Corvo). Na vila vimos vários camiões e equipamento pesado de construção a indicar um surto de edificação bem necessário. A ilha aparenta muita pobreza, sujidade, falta de cuidado na manutenção e pintura dos velhos edifícios, nalguns dos quais se via o carabelho, fechadura típica que só recordo ter visto no distrito de Bragança (mais propriamente em Rio de Onor). Alguns edifícios mereciam ser recuperados, e mantidos nas suas estreitas canadas que lembram aldeias medievais, como aliás é a origem do Corvo, de casas quase encostadas umas às outras (mas com pequenas ou minúsculas passagens entre elas). A degradação do parque urbano habitacional, se bem que parcialmente explicado pela desertificação humana e emigração, carece de uma política mais proativa para a sua recuperação, pois no estado atual é um mau cartão de visitas da ilha. Vi muito (mas mesmo muito) lixo atirado para as ruas e para as canadas, por entre os prédios seculares, muito mais do que se esperava ver numa terra que ostenta modernos ecopontos com contentores ecológicos de separação de conteúdos. É necessário fazer campanhas de sensibilização de lixo. Outro mau cartaz para o turismo.
carabelho Degradação do parque habitacional do corvo
Ao lado da assustadoramente pequena pista do aeródromo, estavam, três moinhos a serem reconstruídos, dois caiados e outro mantido com a pedra original à vista. Qual não é o meu espanto ao ouvir chamar o meu nome (ó professor! Ó professor!) e deparar com o mestre carpinteiro José Moniz, da Lomba da Maia, e o mestre José Alberto, da Lombinha da Maia, os quais costumam fazer todos os trabalhos de manutenção da minha casa. O mundo é assaz pequeno. Fiquei satisfeito por encontrar conterrâneos[3], ali, tão longe de casa e observar o importante trabalho para que foram chamados por serem especialistas no restauro deste tipo de moinho de vela triangular, muito rara nos Açores. Uma excelente recuperação do património histórico. O resto da estadia no Corvo foi passado em curtos passeios a pé na pequena vila, entrecortado por um almoço na Traineira, único bar e restaurante em funcionamento na ilha naquela data, depois de outro mais moderno mesmo sobre a pista de aviação ter falido. A ementa com 4 alternativas e sobremesa foi económica, 8,50€ PAX. Muito calor preencheu esta estadia. Havendo ainda tempo antes de reembarcarmos para observar a manobra de carga de gado num navio que chegara de manhã com mantimentos. Curioso ver a vaca a ser transbordada. Dantes era bem pior e mais desconfortável para os animais…
Moinhos do Corvo, um ex-líbris
Porto da Casa transporte de gado atualmente e dantes
A viagem de regresso foi mais agitada, contra o vento, e ondulação mais forte com o semirrígido a bater bem na mareação. O momento alto surgiria na visita a pequenas enseadas, ilhotas e quedas de água espantosas em grutas. Senti-me verdadeiramente transportado para o cenário de Os Salteadores da Arca Perdida…
GRUTAS E ROCHAS NA COSTA DAS FLORES GRUTA NAS FLORES
Uma rocha furada em círculo evocava o dedo de deus na costa de Toledo no norte de São Jorge, mas havia outras peças da arquitetura da natureza com uma beleza que só ela consegue.
[interromperam-me os cagarros com os seus cânticos de velhas rezingonas, parece que falam ou ralham entre si, e depois surge sempre outro com um cântico diferente, antes de todos se calarem por instantes, e recomeçarem a agitada conversação…] Misturar uma queda de água sobre a entrada de uma gruta é de uma suprema beleza. Noutro caso, uma gruta aberta dos dois lados (quase que dava para o barco passar em ambas as entradas) a montanha descendo até ao nível do mar, interrompendo o maciço rochoso para se observar a água do mar de um azul-turquesa mais próprio dos Orientes exóticos e do Mar pacífico, criando uma enorme mancha turquesa à superfície e prolongando-se sob o mar. Havia formações rochosas com formato e feições de animais sempre com o pano de fundo do Corvo em forma de bota de um lado, e do outro a pipoca das Flores. Nessa tarde repetimos o jantar no restaurante Rosa, mas o preço já foi de 14.00€ PAX. As imagens falam melhor do que as palavras que perdi quando vi o segundo amanhecer no dia 28.
[1] http://www.rtp.pt/acores/comunidades/quem-chegou-pela-primeira-vez-aos-acoresos-povos-maritimos-da-antiguidade-e-as-navegacoes-no-atlantico-13-joaquim-fernandes_39890
[2] cofundador do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, (CTEC), da Universidade Fernando Pessoa, doutorou-se em História com uma tese sobre “O Imaginário Extraterrestre na Cultura Portuguesa – do fim da Modernidade até meados do século XIX”, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a primeira da sua temática numa Academia portuguesa e europeia e editada sob o título “Moradas Celestes” (ed. Âncora Editora, 2014). Desde 1997 que tem promovido a realização de vários congressos internacionais subordinados ao título genérico de “Fronteiras da Ciência”, na Universidade Fernando Pessoa. Colaborou na organização da conferência “Ciência e Consciência” integrada no programa do “Porto 2001, Capital Europeia da Cultura”.Em 2008 publicou o seu primeiro romance histórico, “O Cavaleiro da Ilha do Corvo”, a que se seguiram os ensaios “O Grande Livro dos Portugueses Esquecidos”, “Mundos, Mitos e medos – O Céu na Poesia Portuguesa”. No mesmo ano, apresentou na RTP2 a série temática “Encontros Imediatos”, dedicada ao fenómeno OVNI em Portugal. Em 2010 escreveu em coautoria o guião do telefilme “A Noite do Fim do Mundo”, que retrata as reações em Portugal à aproximação do Cometa Halley, em 1910, integrado no ciclo dedicado ao Centenário da República Portuguesa programado pela RTP1. Para a RTP2, coordenou a série temática “Encontros Imediatos”, dedicada ao fenómeno OVNI em Portugal. Em 2014 publicou o seu segundo romance histórico “As Curandeiras Chinesas. Um motim que abalou a I República” (ed. Gradiva). Publicou em 2015 a obra “História Prodigiosa de Portugal. Mitos & Maravilhas”, que prossegue a linha de investigação da obra “História Prodigiosa de Portugal. Mitos & Maravilhas” (Quidnovi, 2012). O seu mais recente título “Portugal Insólito” foi dado à estampa pela editora Manuscrito (2016). Foi autor do guião e da apresentação do documentário “As Faces de Fátima”, produzido para o Canal História em 2017 e, no Porto Canal, coordenou a série “Conversas do Centenário” dedicada aos eventos aparicionais de Fátima. Está biografado no “Dicionário das Personalidades Portuenses do século XX” (Porto Editora, 2001).
[3] Apesar de não ser nativo dos Açores, senti-me irmanado de um açorianismo que me levava a considerar conterrâneo daqueles dois vizinhos. Era quase como ver familiares num país distante.