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Sintéticas estão a destruir jovens nos Açores
- Chefe Guilhermina da Investigação Criminal em Ponta Delgada
Com 54 anos de idade e há 30 anos na polícia, nos Açores, a Chefe Maria Guilhermina Reis é hoje Coordenadora da Investigação Criminal, com uma carreira que “dignifica e enobrece” a instituição policial. Quase 90% dos delinquentes de São Miguel já foram detidos pelo seu departamento e são muito poucos aqueles que lhe viram as costas. Pelo contrário, vão cumprimentá-la. Muitos deles, depois de saírem da cadeia, vão dizer-lhe: “já saí, vou ver se a minha vida vai melhorar”. Nesta entrevista de homenagem a uma mulher polícia – Em dia Internacional da Mulher – a chefe Guilhermina deixa, a propósito da droga que existe no mercado micaelense e açoriano, um alerta muito forte aos pais dos Açores e, sobretudo, aos de São Miguel: “Preocupem-se com os seus filhos. E mesmo as saídas à noite. É importante perceber se como é que os filhos chegam e se chegam a casa. Como tia, isso preocupa-me profundamente. E entendo que os pais se deviam preocupar”. E a chefe Maria Guilhermina Reis aponta o dedo, em particular, às drogas sintéticas que é “uma grande preocupação da polícia e devia ser também da sociedade”. Em Dia internacional da Mulher, esta é a homenagem a uma mulher polícia que já esteve em missão na República Democrática do Congo como segurança do embaixador português. Então, esteve como Chefe de Missão durante três meses e tal. E está na iminência de ir numa missão de Paz da ONU para o Mali para trabalhar com as polícias locais.
ENTREVISTA
Nasci em São José, Ponta Delgada. E vivi grande parte da minha vida na Ajuda Bretanha. Fiz o ensino primário na Ajuda pela telescola. Terminei aos 11 anos a escola e não continuei os estudos. Fiquei em casa a ajudar os meus pais, inclusive, na terra, em tudo o que era preciso. Éramos uma família de seis filhos. Meu pai tinha algumas condições económicas Mas, na altura (há 50 anos) a mulher era preparada para ser mãe e ser dona de casa.
Meu pai era emigrante. Por volta dos 18 anos fui ao Canadá algum tempo, mas regressei para a Ajuda. Então, nunca quis levar a família porque achava que não era o sítio certo para criar os filhos. E só consegui continuar os estudos aos 20 anos, à noite, nas Capelas. E, aos 23 anos concorri à PSP. E foi então que começou a minha carreira policial.
Eu estava maravilhada com tudo e muito apreensiva. Lembro-me que estava com um colega num carro patrulha. Ainda me lembro da primeira ocorrência a que fui. Foi a um café onde havia notícia de ser frequentado por menores.
Sim, havia.
Entrei para a Esquadra de Trânsito em Janeiro de 1992. Eu era respeitada. Não gosto da palavra temida. Era respeitada e sempre respeitei. E penso que a base de qualquer trabalho é o respeito.
Actualmente há mais infra-estruturas que permitem aos condutores infringirem menos. Quando entrei para o trânsito a configuração de Ponta Delgada era completamente diferente. Agora existem os parques de estacionamento subterrâneo que permite que as pessoas estacionem sem infringirem. Há 30 anos havia muita infracção, muita mesmo. Já, actualmente, está melhor em termos de estacionamento.
Esteve sete anos no Trânsito e depois…
Entretanto, em 1996 tirei o curso de Segurança Pessoal que continua actualizado porque, todos os anos, fazemos actualizações. Ou seja, este é um curso que nos permite ingressar na Unidade Especial de Polícia. É um curso muito intensivo, muito exigente a nível físico e intelectual também.
Este é um curso que, para se estar em vigor, tem que se estar sempre actualizado e em forma também.
Em 1998-99 concorri ao curso de chefes, regressei e estive na Esquadra da Lagoa quase um ano e meio.
Muita boa. Gostei imenso de trabalhar lá. Se não trabalhasse no serviço que faço agora, investigação criminal, – que eu amo – seria talvez a Esquadra em que gostaria de trabalhar. Gostei muito de trabalhar naquela Esquadra, não só pelas pessoas que lá trabalham, mas até mesmo pelas vivências. É muito agradável e gostei imenso.
A 2 de Janeiro de 2001 ingressei na Esquadra de Investigação Criminal, em Ponta Delgada. E em Setembro de 2011 fui fazer o curso de Investigação Criminal, que foi um curso muito interessante. A partir daí, sou coordenadora de uma Brigada de Investigação Criminal. A brigada que está no primeiro impacto directamente com os acontecimentos e na recolha da prova imediata.
Vejo a minha profissão como uma missão. Sinto a polícia como uma missão. E, sendo uma missão, acho que tenho dado muito à pessoal. E não sinto que seja um favor. Sinto-o como um dever. E é assim que eu vejo a polícia e é assim que me defino.
A polícia é um bocadinho a minha vida. Não é um bocadinho, é tudo.
Uma das mais tristes que tive foi presenciar um suicídio mesmo à minha frente. Um jovem que se suicidou. E há outras situações, todas elas têm a sua relevância e a sua importância, todas elas nos marcam. Ser polícia também é isto: ser empática, sem levar os problemas das pessoas para casa. Temos de ser empáticos para conseguirmos perceber o que é que se passa do outro lado. Mas também esta forma de estar e, depois, ter a força de separar as coisas porque também somos pessoas e também temos família e também temos vida. A vida, também, não é só ser polícia, embora para mim seja muito isto.
Sim, a droga é uma grande preocupação e eu penso que a droga está na base de todos os problemas terminais que temos. Esta é uma observação muito pessoal. Não faço estudos, não faço estatísticas. Eu faço algumas observações ao que nos deparamos no dia-a-dia. E a droga, em São Miguel, é a base de todos ou quase todos os ilícitos criminais. Porque 90% dos ilícitos criminais que acontecem é para a droga: os furtos, os roubos, é para, depois, obterem matéria estupefaciente para consumirem.
E estas drogas sintéticas, neste momento, são uma grande preocupação. Eu acho que é uma preocupação de todos e se não é, devia ser.
Sim, para nós, polícia, e devia ser para a sociedade também, a droga sintética é uma preocupação muito grande porque estas drogas sintéticas despertam surtos psicóticos nas pessoas que as consomem. E eles ficam completamente perturbados. Aliás, todas as drogas perturbam. Mas acredito que estas, naturalmente, têm um efeito imediato.
Nos outros 10% faço as coisas que gosto. Gosto muito de correr. Gosto de pintar. Gosto de ir à praia. Gosto de estar com a minha família.
Não sou, mas adoro os meus sobrinhos. Amo-os como sendo meus filhos. E tenho uma preocupação com eles, com tudo, com a vida deles, com o que é que eles fazem ou deixam de fazer. Preocupo-me quando eles saem. Telefono-lhes a saber onde é que eles estão. Se for preciso, vou buscá-los para que eles não tomem boleias. Não sou mãe, mas tenho estas preocupações com os meus sobrinhos e sinto-me um bocadinho mãe deles. E eu penso que eles também sentem que eu sou um pouco mãe deles. Preocupa-me com eles por causa das drogas…
Têm. E entendo que os pais se deviam preocupar mais. Sinceramente, deviam preocupar-se mais. Há muita droga e é fácil aos miúdos, hoje em dia, embrulharem-se nisto. Porque, depois, eles não querem ficar mal. “Se o amigo experimenta porque é que não vou experimentar”. Percebe?
E mesmo as saídas à noite. É importante perceber se como é que os filhos chegam e se chegam a casa. Como tia, isso preocupa-me profundamente. E entendo que os país se deviam preocupar.
Obviamente, as pessoas têm que se divertir, os miúdos têm que sair. Mas é importante saber onde é que eles estão, com quem é que eles estão. O que é que estão fazendo?
Porque eu penso que não é normal chegarmos a um bar e ver miúdos de 16 e 17 anos completamente embriagados. Isto faz-me confusão.
A mulher tem um papel muito importante em todas as sociedades. E, nomeadamente, na polícia, onde a mulher faz toda a diferença. Em ocorrências policiais, por exemplo, complexas e de índole violento, na maioria das vezes ajudam e atenuam as contrariedades e repercussões que a acção possa ter.
Nós, com a nossa maneira de ser, com a nossa maneira de estar, conseguimos resolver as coisas sem usarmos a força. Posso dizer-lhe que em 30 anos de polícia sempre fui operacional. Estive sempre no terreno em todas as circunstâncias que se proporcionavam, sempre lá estive. E foram poucas as vezes que precisei de usar a força para as resolver. Isto para dizer que a polícia e a acção policial não se circunscreve ao uso exclusivo da força.
Entendo que a mulher já está na polícia há muitos anos, desde 1930 e, em 1972, foi quando os concursos abriram em pé de igualdade para todos os sexos. E acredito que foi esta visão que a polícia teve, foi esta perspectiva das coisas, da importância da mulher na polícia, que fez com que a PSP fosse a primeira instituição a abrir as suas portas às mulheres.
Quando entrei há 30 anos na PSP não havia muitas mulheres na polícia. Havia muito poucas, principalmente no terreno. Mas vou dizer-lhe muito francamente. Mesmo há 30 anos, eu nunca senti mesmo da parte da população dificuldade em resolver as coisas por ser mulher. Pelo contrário, nunca senti que tivesse mais dificuldade do que os meus colegas do sexo masculino. O que lhe posso dizer é que eu não sei se tive sorte, se fui abençoada, porque sempre fui muito bem aceite pela sociedade civil. As pessoas que perceberam as minhas funções, sempre me respeitaram. Eu sempre fui respeitada mesmo sendo polícia há 30 anos. E, obviamente, no presente, as pessoas já encaram a mulher com a maior das naturalidades. É natural que há 30 anos, havia a vontade de fazer uma foto com a agente da polícia. Mesmo os estrangeiros manifestavam interesse em tirar uma fotografia. Hoje em dia já é muito mais natural olhar uma mulher polícia.
Sinto que sou um profissional a cumprir o seu dever. Quero que tudo decorra da melhor maneira, fazendo o melhor possível o meu trabalho. Encaro o meu desempenho como o meu trabalho e é assim que o faço, seja quem for que esteja do outro lado. Quero é fazer o meu melhor para que tudo corra bem, para que ele se sinta em segurança, seja ele quem for.
Sem dúvida. E, aliás, as queixas que temos de violência doméstica, não há como fugir. Mas eu penso que este problema da violência doméstica não é exclusivo dos Açores. Eu tenho esta opinião muito própria, de que muita gente discorda. A violência doméstica é um problema geral. É um problema nacional e até quase mundial. E aqui nos Açores nota-se muito e as percentagens são grandes porquê? Digo-lhe isso com convicção e é a minha maneira de ver as coisas: Este é um meio pequeno em que as pessoas denunciam e a informação chega. As pessoas estão todas sensibilizadas para denunciar. Hoje qualquer pessoa denuncia uma violência doméstica. O vizinho denuncia e isto talvez não aconteça em meios grandes.
Muitas vezes dizem que a percentagem de violência doméstica nos Açores é enorme. É enorme porque se tem conhecimento e tem-se conhecimento porque se denuncia. E eu penso que este número de casos de violência doméstica que vêm a público passa por aí. Agora, não vamos dizer que não existe. Existe, sim. Há muita pessoa a sofrer. E há muita pessoa que sofre e não denuncia. E há muita denúncia.
A polícia e os tribunais têm feito um excelente trabalho na violência doméstica. E nós que trabalhamos diariamente, temos uma preocupação enorme. Temos uma brigada direccionada para a violência doméstica e a preocupação é enorme com esta problemática. E o tribunal tem uma preocupação enormíssima. Há uma senhora procuradora que trabalha directamente com estes crimes. E ela tem um relacionamento connosco de actuação directa sempre que existe uma situação destas que exija maior cuidado, (há casos e casos) há uma coordenação muito directa e com extrema preocupação.
Tenho uma carreira recheada de coisas boas. Eu gosto de olhar para o copo sempre meio cheio. Porque as coisas menos boas, eu quero revertê-las e fazer com que elas resultem boas. E tem acontecido. Sou um bocadinho abençoada por isto também. Pela minha maneira de estar na vida e pela forma como encaro as coisas e a minha profissão.
Uma das coisas mais importantes foi ter entrado para a polícia. Foi concretizar um objectivo num determinado momento. E, depois, foi muito importante também quando consegui entrar no curso de segurança pessoal. Foi muito importante para mim. E, depois, foi quando completei o meu curso de chefes. Em termos de carreira, foram momentos muito importantes na minha vida. Fizeram toda a diferença. A partir daqui o percurso profissional foi tomando outros rumos.
Isto tem a ver, talvez, com a minha maneira de estar, com esta minha postura. Curiosamente, toda a gente diz: “Olhe, não é isso que dizem de si…”. Não interessa, o que importa é o que nós somos.
Quando está em acção policial, não endurece a sua posição?
Não, tenho esta postura que faz com que as pessoas tenham esta percepção de mim. Sou um pouco rija na minha maneira de ser. Para nós, as coisas que vemos todos os dias, os trabalhos que fazemos, eu não sou propriamente uma assistente social. Eu sou polícia. E é, talvez, esta minha maneira de ser polícia, que façam com que as pessoas pensem…
O que importa é que, no fim, as pessoas que precisam de mim digam: “olha, ainda bem que estive consigo e, afinal, não é nada disto que diziam”. Porque é isto que importa. E isto tem-se visto ao longo do meu trabalho e ao longo destes anos todos.
Vêm porque têm um problema ou porque lhes aconteceu alguma coisa e precisam de ajuda. As pessoas sabem que, quando precisam, procuram-me. E, muitas outras, depois de cumprirem uma pena na cadeia, vêm ter comigo e dizem que já saíram e que vão procurar viver uma vida digna.
Muitos vêm ter comigo pedir ajuda. Ou para fazer um tratamento de toxicodependência. E nós encaminhamos, fazemos isso. Disse que não somos assistentes sociais, mas somos de tudo um pouco. Somos psicólogos, somos assistentes sociais, somos padres, e, às vezes, somos mães deles. Acredite se quiser.
Eu gostava que a droga acabasse. Esta droga traz muita infelicidade às famílias. Não imagina as mães que vêm ter connosco a pedir ajuda. E magoa-me profundamente ver uma mãe ser maltratada por um filho. No fundo, aquele filho gosta da mãe, mas precisa de dinheiro para a droga. Isto faz sofrer muitas famílias açorianas. E há filhos que roubam tudo às mães e as mães não vêm denunciar.
Eu gostava que houvesse um enquadramento diferente na lei para estas drogas sintéticas que estão a destruir os nossos jovens.
Esta são drogas muito gulosas, como eles dizem. Quanto mais consomem, mais querem consumir. Às vezes levam três dias sem dormir a consumir. E, depois, causa surtos psicóticos, em que eles vêem pessoas que lhes querem fazer mal. Ouvem vozes a apelar à sua morte. É curioso ver que muitos destes rapazes se colocam aqui perto à procura de segurança porque têm medo, porque dizem que estão a ser perseguidos, porque alguém os quer fazer mal. E isso, no fundo, está só na cabeça deles. Tem tudo a ver com estas drogas.
(João Paz)
- in, Correio dos Açores, 08 de Março / 2022