SIDÓNIO BETTENCOURT SOBRE MACHADO PIRES

Em Memória de Machado Pires
UM DESGOSTO CONFESSO
Em 2013, Machado Pires lançou na “Letras Lavadas”o livro “Páginas Sobre a Açorianidade” e convidei o Senhor Professor a estar num “Atlântida” dessa altura. Como tinha responsabilidades directivas na RTP Açores, foi a oportunidade certa para o desafiar a construir,com inteira liberdade, um guião para à televisão Assim foi, com o desejo implícito que fosse uma série de programas a passar na RTP 2.A RTP Açores colocou à disposição todos os meios possíveis, até o carro de exteriores, Vitorino (nem de propósito…) foi mobilizado.
Sempre que o encontrava na rua ou quando subia até ao Gabinete para conversar falava-me sempre na emissão do AÇORIANIDADE na RTP 2. A última vez foi na sua casa quando me concedeu um testemunho para o dia da inauguração da Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina – Brasil, com o seu nome. Era visível o seu desgosto. Depois da apresentação dos programas no auditório da RTP em Lisboa, com imensos convidados de grande responsabilidade de decisão, ficou o vazio.
Em sua memória ficam as palavras de enquadramento proferidas em Lisboa, na sua presença.
Mas estou certo, porque o Tempo é maior que as peripécias dos egos de circunstância,
que a RTP Açores tem hoje uma preciosidade única que vai servir para muitos estudiosos. Machado Pires não responde. Pergunta respondendo…
António Machado Pires, é hoje o símbolo da integridade intelectual açoriana, a voz purificadora de um pensamento universal nascido nas ilhas; vigor e vibração, que das correntes ancestrais e contemporâneas dão sentido à geografia e à história; conforto à sociologia e antropologia cultural. Senhor da Língua e seu expressar Pátrio. Filósofo de um Tempo sempre por vir. Cientista da Palavra e das palavras. Sacrário dos nossos sentimentos.
António Machado Pires, Reitor da Universidade dos Açores, Professor Catedrático Jubilado, condecorado, galardoado, é uma distinta personalidade deste país, que nos dá a honra de uma convivialidade afetuosa, simples, discreta e sempre contagiante, na difusão de ideias fundamentadas daquilo a que Nemésio um dia chamou de “Açorianidade”.
Da sua vasta e consagrada obra literária, e desse fervor ilhéu, quis o destino, mercê da sugestão de pessoas amigas do Professor António Machado Pires, que viéssemos a usufruir de um excelente “ livrinho” – assim tratado por amor e carinho – tão simplesmente chamado “Páginas Sobre a Açorianidade”. Uma relíquia que li, sublinhei, reli e recomendei. Um livro de cabeceira, cartilha ou missal, que obriga a entender e a pensar a condição de “ SER-SE “ ilhéu; ilhéu açoriano.
Como dizia Nemésio, comunicador mor da RTP, (o seu poder comunicacional já mereceu mereceu uma tese…) a Vida açoriana não data espiritualmente da colonização das ilhas; antes se projecta num passado telúrico que os geólogos reduzirão a tempo, se quiserem… “ou como encontramos nestas belíssimas PÁGINAS compiladas na escrita de uma reflexão profundamente demorada.
“A “açorianidade” é a da alma que se transporta quando se emigra, como também aquilo que de cada um de nós se espera quando nós vivemos fora”…ou “Ser açoriano é mais do que ser-se politicamente, é ser-se consequência da história portuguesa, peninsular, europeia, ocidental e cristã.É-se mais do que se pensa, às vezes menos do que se quer pensar. Transportaram-se na pele séculos de ocidentalidade jogados e desenvolvidos com êxito neste ponto do Atlântico “.
Há muito que o Professor Machado Pires, pensa como poucos, a razão de ser de um Serviço Público de Televisão nos Açores, e sobre o seu futuro escreveu um dia há muitos anos: “ A televisão nos Açores é um benefício indiscutível. Televisão nos Açores e dos Açores. Não precisamos de números nem de estatísticas. A educação tem aspectos que não se quantificam. Só pela recolha e seleção de informações e indicadores culturais já se justificará a existência de um centro de televisão nos Açores…Nada disso nos parece excluir emissões geradas nos açores com produção local, para nós e para os outros. Não é só a região que precisa receber informação de fora mas tem o direito e o potencial cultural capaz de se fazer ver no resto do país e no mundo.
Da conjugação destas realidades intrínsecas e circunstanciais, ao convite ao Professor Machado Pires, para regressar à Televisão, foi um instante. Programa simples, coloquial, sem artefactos, mas com as ideias de uma pequena lição conversada. O nome estava encontrado e o cenário a sala Teófilo de Braga da moderna e acolhedora Biblioteca Pública, frente ao jardim Antero de Quental, pertinho da residência em Ponta Delgada.
O Fernando Paiva aceitou o desafio, escolheu a equipa, e devagar, com ternura e muito entusiasmo, fomos atrás das ideias e do Senhor Professor. Doze programas, 10 convidados, um conceito, várias abordagens um tema em comum: “Açorianidade”. Da vulcanologia ao povoamento, dos falares à emigração e ao Brasil açorita, do ar ao mar…de Roberto Mesquita e suas “Almas Cativas” a Antero de Quental, de Raul Brandão a Vitorino Nemésio, sublinhados por convidados escolhidos inteiramente pelo autor /apresentador, deste programa.
Para esta apresentação e a título de exemplo escolhemos o MAR, pela sua abrangência, pela sua especificidade, pela sua expressão, talvez porque Nemésio já dizia: “Somos de carne e de pedra. Os nossos olhos mergulham no mar”.
“ …Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que só teve em mim –
Que onde ele acaba, o coração começa.”
“AÇORIANIDADE” – É um programa da serena inquietação, da ilha, da ciência, do pensamento e do coração.
Muito Obrigado Senhor Professor, António Machado Pires. Sidónio Bettencourt
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, óculos graduados e texto
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