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“Duvido que haja vontade para mudar o modelo de transportes marítimos”
O modelo de transportes marítimos de carga nos Açores voltou à ordem do dia no parlamento regional. O Governo Regional anunciou que vai encomendar um Plano de Transportes 2021-2030 e toda a oposição queixou-se de que o actual modelo está obsoleto. O PS admite estudar o modelo, mas diz que não abdica do preço igual praticado para todas as ilhas e no número de toques dos navios de cabotagem. Os empresários açorianos, que mais se queixam, há longos anos, deste modelo, vêem com reticências alguma mudança, conforme resulta da entrevista que fizemos ontem ao Presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada, Mário Fortuna, e que transcrevemos a seguir.
No debate esta semana no parlamento regional ficou claro que há receptividade para se estudar a alteração ao actual modelo de transportes marítimos que as Câmaras de Comércio há muito vêm reivindicando. Acha que ainda vamos a tempo nesta legislatura?
A pergunta pressupõe que há mesmo receptividade para se proceder a uma alteração do modelo.
Duvido desta vontade, com a legitimidade de quem já assistiu, muitas vezes, a esta discussão, sempre com o mesmo desfecho.
Nada aconteceu e o bloqueio à mudança foi sempre total.
Quanto à possibilidade de uma alteração ser ainda conseguida nesta legislatura, duvido muito.
Esta Assembleia não tem evidenciado capacidade de agir com celeridade e oportunidade mesmo em questões essenciais para a Região.
Não tem vontade própria nem capacidade técnica para o efeito.
O Governo em si não terá vontade.
Tem-se perdido muito tempo a actuar sobre o óbvio e urgente para o bem das pessoas.
A demora na liberalização do espaço aéreo para S. Miguel e Terceira foi um expoente deste fenómeno.
A abordagem do transporte marítimo está a ser outro.
No debate parlamentar o governo anunciou que está em fase de contratação da elaboração de um Plano de Transportes para os Açores 2021-2030. Perdeu-se tempo até agora?
Muito! E arriscamo-nos a perder ainda mais se o processo for contaminado por um caderno de encargos que cinja os resultados possíveis, como acontece demasiadas vezes.
Desconhecemos os termos de referência para a elaboração do trabalho que, evidentemente, não produzirá resultados úteis nesta legislatura.
Na próxima já se verá o que poderá acontecer.
Acho que no que resta desta legislatura só se deveria fazer o diagnóstico da situação porque decisões são mesmo na próxima.
O Plano pode bem ser para dar forma a uma estratégia que continue com os pressupostos, errados, que têm enformado o modelo até aqui.
O que é que espera deste Plano?
Como referi, sem se conhecer o caderno de encargos não podemos antever o que poderá acontecer.
Neste momento diria que tudo e nada é possível dada a ignorância em que estamos mergulhados quanto aos propósitos do Governo para o futuro.
Só conhecemos o que está anunciado – a aquisição por 48 milhões de euros de um “ferry” que não dará para meia missa e vai-nos custar, todos os anos, os olhos da cara para operar.
Os armadores parecem não estar muito receptivos a alterações. Receia que, com novo modelo, possam afastar-se destes serviços?
A inabilidade dos políticos teria de ser monstruosa para que tal acontecesse.
Uma abordagem inteligente nunca poderia perturbar a continuidade dos negócios actuais.
Só os tornaria mais eficientes, para todos os “stakeholders”.
As empresas regionais e os açorianos também são, claramente partes interessadas.
Não têm sido equacionados devidamente estes interesses.
Governo e PS dizem que não se pode pôr em causa o preço igual para todas as ilhas e os números de toques. Alguma vez isto esteve em causa?
Nunca tal situação esteve em causa. Sempre afirmamos este princípio, que é, aliás, o que está vertido no modelo de acessibilidades aéreas, que defendemos.
É curioso que o Governo Regional faça finca-pé deste princípio nos transportes aéreos, como existem agora, com o erário público a suportar os custos adicionais e não queira aceitar o mesmo princípio para os transportes marítimos.
E não colhe a afirmação de que o Governo pretende que este modelo tenha custo zero para o orçamento público.
O Governo já gasta cerca de 10 milhões de euros anuais na subsidiação do transporte de passageiros e carga inter-ilhas através das operações da Atlânticoline, sendo que o grosso deste valor é para as passeatas de verão de alguns açorianos da classe média, porque nem para o turismo serve.
Deixa-se de fora todos os outros açorianos que não beneficiam em nada desta política.
A compra de um “ferry” é também prova de que o erário público não deixa de mobilizar recursos, e muitos, para o transporte marítimo.
Parece que há uma aversão à carga que, afinal, é do interesse de todos os açorianos que o sentem no custo dos produtos que compram e na falta de competitividade dos produtos que depois precisam exportar.
As Câmaras de Comércio já tinham feito alguns estudos e sugestões de alteração para novo modelo. Vão apresentar novamente as mesmas propostas?
O diagnóstico geral já está mais do que feito.
Os episódios recentes com atrasos e falhas sistémicas nas Flores e Corvo são evidência de que alguma coisa tem de ser alterada porque este modelo é caro, exige infraestruturas desmesuradamente caras, tem muitas falhas e acaba por servir mal os utentes.
A perspectiva das Câmaras de Comércio continua a parecer-nos correcta e, por isso, manteremos as nossas propostas genéricas estando preparados para avançar para aspectos mais concretos se necessário, desde que devidamente informados.
jornal@diariodosacores.pt
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