SE ESTIVER A PASSEAR EXPLIQUE ESTA FÓRMULA AOS POLÍCIAS

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Eduardo Rêgo

Hoje fui interpelado pela guarda durante a minha caminhada na veiga de Afife…
Perguntaram-me a idade, onde morava, o que andava a fazer… Que deveria estar em casa!

Primeiro, educadamente, pedi-lhes que mantivessem a distância de segurança dos 2 metros, porque estavam sem máscara e vieram falar comigo sem se lembrarem dessa regra básica!

Depois, a brincar com eles lembrando-lhes que “nunca se pergunta a idade a um senhor”, respondi o óbvio:

“Eu estou a caminhar! No percurso que faço mais de 300 dias por ano, com algumas variações”.

Citei-lhes a alínea h do decreto que menciona as curtas deslocações para actividade física. E ainda a alínea d que refere cuidados de saúde, explicando-lhes que o meu cardiologista me ordenara há uns anos a caminhada diária,”faça chuva ou faça sol!”.

Insistiram que deveria estar em casa, porque assim colocava em risco os outros e eu próprio!

Perguntei-lhes se me diriam o mesmo à entrada para o supermercado. “Que não, porque isso era uma saída mesmo necessária”.

Disse-lhes que entre morrer de fome ou de problemas cardíacos, sempre escolhia a primeira, porque me daria muito mais tempo para fazer o balanço da vida e me despedir dos meus queridos.

E além disso, argumentei, é muito mais perigosa uma ida ao supermercado do que uma caminhada deste tipo. Já que aqui não há o risco que existe nas cidades do efeito de arrasto, em que vai um, depois o outro, e às tantas está uma multidão de centenas ou milhares a cruzar-se…

Vacilaram um pouco… Era a altura do argumento definitivo para os convencer da minha razão. Tirei do bolso o papel e mostrei-lhes a fórmula. Pareceram logo imensamente interessados. Expliquei-lhes os parâmetros. P é uma medida de “proximidade” num intervalo de tempo entre os instantes t_0 e t_1. N(t) é o número de pessoas que num dado instante t está a 10 ou menos metros de distância, ordenados por ordem de entrada no perímetro; quando alguém sai, são automaticamente reordenados. d_i(t) é a distância a que se encontra no instante t a pessoa i. E o 2 no numerador da fracção refere-se à distância de segurança de 2m. O expoente quadrático mede a não linearidade do perigo de contágio em relação com a proximidade e que é naturalmente inversamente proporcional a esta…

Finalmente disse-lhes, e pedi-lhes que acreditassem, que cálculos experimentais feitos em dias diversos da semana mostravam claramente que uma ida ao supermercado equivalia, no mínimo, a dois meses de caminhada.

Eles retiraram-se com o papel na mão durante algum tempo e pareceram estar a debater a questão. Pareciam animados e entusiasmados no debate. Finalmente voltaram, sorridentes:

“Acho que o senhor tem toda a razão! Fizemos ali uns cálculos por estimativa para um período de uma meia hora, baseada nas nossas memórias de idas ao supermercado e ao que vemos por aqui… E achamos que tem razão”

“Bom dia e boa caminhada! Não se esqueça é do protector solar que o sol já começa a ir alto nesta altura, mesmo com a mudança da hora…”

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(P.S. Tendo tornado este post público, a pedido, para permitir a partilha, recebi uma série de comentários desagradados, alguns num tom insultuoso a que não estou mesmo nada habituado na minha ilha facebookiana. Alguns desses comentários leram o post como sendo um gozo com a “polícia”! Quero tornar claro que de modo nenhum era essa a minha intenção; era sim alertar para as contradições das leituras extremas, “à letra”, das interdições. Um extremismo que quer passar a interdições absolutas algumas das excepções ao isolamento previstas no decreto, tendo como pretexto evitar o aproveitamento ou abuso de alguns “chicos-espertos”, mesmo quando as circunstâncias tornam claro que não há qualquer perigo de ser posto em causa o objectivo do isolamento, que é simplesmente minimizar o contágio. Não obrigar todos a uma clausura desnecessariamente absoluta por mero simbolismo. Entendi também que esse suposto gozo à “polícia” estaria numa exibição de arrogância intelectual por lhes mostrar, nesta ficção satírica, uma fórmula matemática. Ora, há nisso um enorme preconceito de classe! Há guardas licenciados ou com frequência do ensino superior (basta o 1o ano de muitos cursos) que sabem o que é um integral e um somatório. O desfecho só poderia acontecer numa ficção? Talvez, mas não necessariamente por ignorância dos actores. O desfecho era elogioso para os guardas! Imaginei-os a entender a matemática e a concordar com o argumento. Já imaginar o mesmo com alguns dos autores dos ditos comentários, isso sim, seria impossível! )

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